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Níveis de abertura de actividades laboratoriais

C) Leveduras em processos de fermentação alcoólica

2.3. Trabalho prático em educação em ciências e formação de professores

2.3.3. Níveis de abertura de actividades laboratoriais

A teoria construtivista baseia-se no princípio de que o conhecimento não pode ser transferido, de forma intacta, da mente do professor para a do aluno, uma vez que deve ser construído activamente por quem aprende (Bodner, 1986). Este princípio implica que a construção de conhecimento exige esforço e actividade mental (Valverde et al., 2005; 2006), de modo que as actividades realizadas em laboratório devem desenvolver nos alunos competências de maior nível cognitivo, segundo a taxonomia de Bloom para os objectivos educativos (Ibid.).

Esta taxonomia, desenvolvida na década de 50 do século passado por especialistas de várias universidades dos EUA e liderada por Bloom, propõe três domínios educativos: cognitivo (relativo ao conhecimento e ao desenvolvimento de competências intelectuais), afectivo (baseado em sentimentos, valores, motivações e atitudes) e psicomotor (referente a habilidades práticas ou técnicas de execução) (Junior et al., 2008). Os objectivos do domínio cognitivo estão classificados em seis categorias, hierarquizadas de acordo com o esforço intelectual exigido: os três primeiros – conhecimento, compreensão e aplicação – são objectivos cognitivos de baixa ordem ou baixo nível; os três últimos – análise, síntese e avaliação – enquadram-se nos objectivos de elevada ordem (Valverde

et al., 2005; 2006). Junior et al. (2008) posicionam cada categoria numa linha hierárquica

Trata-se, portanto, de um processo cumulativo, em que uma categoria de nível inferior constitui o suporte de outra de nível superior, tal como uma escada de seis degraus, em que cada degrau permite aceder a um patamar de nível cognitivo superior (Ibid.) (Figura 2.14). Estes autores salientam que, para desenvolver competências de resolução de problemas, é essencial dominar os níveis cognitivos 5 e 6, síntese e avaliação, respectivamente.

Figura 2.14 – Categorias de Bloom para os objectivos educativos do domínio cognitivo(Adaptada de Junior et al., 2008, p. 111).

O desenvolvimento de objectivos cognitivos de elevado nível pode ser conseguido envolvendo os alunos em actividades laboratoriais, em que sejam eles a efectuar o desenho experimental (Valverde et al., 2005; 2006), por exemplo, mostrando, ou não, todos os materiais e equipamentos necessários à sua realização (Caamaño & Corominas, 2004), aumentando, desta forma, o que se designa por grau ou nível de abertura de uma actividade prática (Leite, 2001; Valverde et al., 2005; 2006). Salienta-se que, embora os objectivos cognitivos a desenvolver durante uma actividade laboratorial devam ser, prioritariamente, os de elevado nível (Barberá & Valdés, 1996; Valverde et al., 2005; 2006), há poucos indícios de que estes sejam atingidos (Barberá & Valdés, 1996), considerando que as práticas mais comuns requerem dos alunos pouco esforço mental, permitindo apenas alcançar objectivos educativos de baixo nível cognitivo (Valverde et

al., 2005; 2006).

O grau de abertura de uma actividade laboratorial pode variar em função de diferentes parâmetros. Caamaño (2004), Valverde et al. (2005; 2006) e Watson (1994) consideram que o grau de abertura de uma actividade laboratorial pode ser definido relativamente: a) à forma como se formula o problema; b) à diversidade de estratégias para a sua resolução; c) ao nível da ajuda dada pelo professor na planificação e implementação de estratégias; d) à diversidade de soluções ou respostas que admite.

1. Conhecimento 3. Aplicação 2. Compreensão 4. Análise 5. Síntese 6. Avaliação Alto nível

Estes quatro parâmetros, apresentados na Figura 2.15, revelam um continuum de abertura de actividades laboratoriais, desde as modalidades “que possuem uma natureza mais fechada, mais prescritiva, até às de natureza mais aberta, com um carácter mais exploratório” (Almeida, 2001, p.67), correspondentes às investigações. Valverde et al. (2005; 2006) consideram que o grau de intervenção dos professores é inversamente proporcional ao de abertura de uma actividade prática, ou seja, ao grau de autonomia dos alunos. Leite (2001) apresenta diversos parâmetros a ter em consideração no grau de abertura de actividades laboratoriais, apresentados na Tabela 2.8, em que trabalho prático numa perspectiva investigativa corresponde à última situação de cada parâmetro.

Figura 2.15 – Grau de abertura de actividades laboratoriais (Adaptada de Caamaño, 2004, p.16).

A realização de actividades laboratoriais com baixos níveis de abertura requer processos cognitivos de baixa ordem, não criando oportunidades para aprendizagens significativas (Valverde et al., 2006), uma vez que os alunos apenas cumprem as etapas

dos protocolos fornecidos pelo professor ou existentes nos manuais escolares, além de responderem a questões referentes a fundamentos de algumas instruções que, eventualmente, surjam no final das actividades (Caamaño & Corominas, 2004). O trabalho prático numa perspectiva investigativa corresponde à modalidade com maior grau de abertura (Leite, 2001; Valverde et al., 2005; 2006). Como os resultados não são conhecidos a priori, é necessário que os alunos se envolvam na planificação das suas próprias estratégias (Valverde et al., 2005; 2006). Constituem actividades que, por serem menos dirigidas, conferem aos alunos responsabilidade pelas decisões sobre os procedimentos a adoptar, exigindo-lhes particular atenção e esforço intelectual. Estes aspectos contribuem para que os alunos melhorem atitudes relativamente à investigação científica e estabeleçam relações entre conceitos teóricos e dados empíricos (Ibid.).

Tabela 2.8 – Parâmetros a considerar na análise do grau de abertura de actividades laboratoriais.

PARÂMETROS SITUAÇÕES POSSÍVEIS

Problema  Não explicitado

 Fornecido

 Solicitado ao aluno

Contextualização teórica  Inexistente

 Fornecida………

Previsão  Não solicitada

 Solicitada ao aluno Procedimento

 Desenho………

 Execução……….

Dados  Fornecidos

 Fornecidas indicações para recolha  Recolha a decidir pelo aluno

Análise de dados  Apresentada

 Orientações sugeridas  Definida pelo aluno

Conclusões  Fornecidas explicitamente

 Fornecidas implicitamente  Elaboradas pelo aluno Reflexão

 Procedimentos……….

 Relação previsão/resultados

(Retirada de Leite, 2001, p.89 – na 1ª linha da 2ª coluna substituiu-se a palavra “valores” por “situações”)

Professor

Professor e alguns alunos Alunos Fornecido Fornecidas indicações Não fornecido Irrelevante Incluindo as conclusões Adequada Ignorada Apresentada Solicitada Ignorada Apresentada Solicitada

Atendendo ao nível de abertura das actividades laboratoriais apresentadas na Tabela 2.9, Valverde et al. (2005; 2006) classificam-nas em:

 Demonstração (nível 0) – permite provar princípios teóricos, pelo que os alunos conhecem antecipadamente o objectivo da actividade e qual o resultado final, sendo- lhes fornecidos os materiais e métodos;

 Exercício (nível 1) – os alunos seguem instruções para aprender a executar técnicas laboratoriais e a utilizar equipamentos, desenvolvendo técnicas de observação e manipulação;

 Investigação estruturada (nível 2) – enquadra-se entre trabalho laboratorial tradicional e investigação aberta, em que os alunos aprendem a seleccionar materiais e a desenvolver métodos, quando não são dados na totalidade;

Investigação aberta (nível 3) – os alunos identificam problemas, formulam questões e desenham procedimentos adequados para os resolverem;

Projecto (nível 4) – corresponde a investigações em que os alunos definem os objectivos do trabalho a realizar.

Tabela 2.9 – Níveis de abertura de actividades laboratoriais. NÍVEL DE

ABERTURA NOME OBJECTIVO MATERIAL MÉTODOS SOLUÇÕES ORIENTAÇÃO

0 Demonstração Dado Dado Dado Dada Tradicional

1 Exercício Dado Dado Dado Aberta Tradicional

2 Investigação estruturada Dado Dado, total ou parcialmente Dado em parte ou aberto Aberta Investigação parcial 3 Investigação

aberta Dado Aberto Aberto Aberta Investigação

4 Projecto Dado em parte

ou aberto Aberto Aberto Aberta Investigação (Adaptada de Valverde et al., 2006, p.62)

Nas investigações estruturadas, em vez de se indicar os materiais e equipamentos a utilizar e as sequências de procedimentos a adoptar, podem apresentar-se listas de itens que podem, ou não, ser utilizados – os alunos, de acordo com as estratégias idealizadas, seleccionarão o que consideram necessário (Grau, 1994).

Almeida (2001) refere que o grau de abertura das actividades prático-laboratoriais está relacionado, principalmente, com o nível de controlo que o professor e os alunos têm sobre as seguintes dimensões estruturantes: “área de interesse, definição do problema, planificação das estratégias experimentais, determinação da estratégia a usar, realização experimental, recolha de dados e avaliação/interpretação dos resultados” (p.67). A Tabela 2.10 apresenta tipos de actividades prático-laboratoriais, definidos em função do

nível de controlo do professor e alunos sobre as várias dimensões estruturantes. As actividades mais fechadas apresentam as várias dimensões estruturantes centradas no professor e as mais abertas centram-nas nos alunos. Assim, define um modelo de análise do grau de abertura das actividades prático-laboratoriais baseado no nível de participação e envolvimento dos alunos nas fases de planificação e implementação do trabalho, e sua avaliação.

Quem define o problema a investigar (o professor, os alunos, ou ambos) condiciona a natureza do trabalho a realizar, bem como o interesse e a participação dos alunos no seu desenvolvimento. Assim, a natureza das investigações difere consoante a solução do problema seja conhecida pelo professor, ou não, uma vez que, nesta situação, haverá maior envolvimento de todos na procura de soluções aceitáveis (Almeida, 2001). Por outro lado, “a abertura de um problema é tanto maior quanto maior for o número de soluções que admite” (Almeida, 2001, p.67), o que se relaciona com o contexto problemático apresentado e o tipo de problema formulado.

Tabela 2.10 – Tipos de actividades prático-laboratoriais em função do nível de controlo do professor (P) e alunos (A) sobre várias dimensões estruturantes.

Dimensões estruturantes

Tipos de actividades prático-laboratoriais

1 2 3 4 5 6 7

Área de interesse P P P P P P A

Definição do problema P P P P P A A

Planificação P P A A A A A

Determinação da estratégia P P P A A A A

Realização experimental P/A A A A A A A

Recolha de dados P A A A A A A

Avaliação/interpretação dos resultados P P P P A A A

(Adaptada de Almeida, 2001,p.67)

Os tipos 1 e 2 apresentados na Tabela 2.10 correspondem a actividades fechadas, enquanto os 3, 4, 5, 6 e 7 traduzem actividades progressivamente mais abertas, de natureza investigativa com níveis de abertura crescente. Os tipos 1 e 2 correspondem a actividades de demonstração e de verificação experimental, centradas no professor, em que os alunos executam procedimentos, com o objectivo de mostrar ou provar teorias conhecidas. Os tipos 3 e 4 podem representar actividades de natureza investigativa, atendendo a que aos alunos compete desenharem os procedimentos para a resolução do problema apresentado pelo professor. Estes dois tipos distinguem-se pela intervenção, ou não, do professor na determinação da melhor estratégia a seguir, a partir das

propostas apresentadas pelos alunos. No tipo 3, para limitar as estratégias a utilizar pelos alunos, o professor pode disponibilizar apenas determinados materiais e equipamentos. Os tipos 4 e 5 distinguem-se porque em 4, a avaliação e interpretação de resultados é realizada pelo professor, enquanto em 5 cabem exclusivamente aos alunos. Os tipos 6 e 7 são os que traduzem maior nível de abertura, diferenciando-se porque em 6 o professor define a área de interesse, sendo as restantes dimensões estruturantes, inclusive a formulação do problema de investigação, da responsabilidade dos alunos (Almeida, 2001). Assim, importa proporcionar “oportunidades para que os alunos se envolvam em actividades de natureza investigativa onde, a partir dos problemas assumidos como seus, possam delinear e desenvolver os seus próprios planos experimentais, interpretar e avaliar criticamente as soluções experimentais obtidas” (Almeida, 2001, p.69).