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Objectivos de trabalho laboratorial

C) Leveduras em processos de fermentação alcoólica

2.3. Trabalho prático em educação em ciências e formação de professores

2.3.4. Objectivos de trabalho laboratorial

Grande parte da discussão e debate em torno da utilização de trabalho laboratorial, como recurso didáctico em educação em ciências, prende-se com a sua natureza e propósitos, considerando-se fundamental explorar os seus objectivos e as justificações para a sua inclusão nos actuais currículos (Dourado, 2006). Woolnough & Allsop (1985, citados em Dourado 2001b, p.32) consideram que o trabalho laboratorial deve apresentar os seguintes objectivos: “desenvolver habilidades científicas e técnicas”, “tornar os alunos competentes na resolução de problemas” e “desenvolver no aluno a “sensibilidade dos fenómenos””. Importa que os alunos tenham a percepção dos fenómenos que estudam e aquilo que eles representam, e que desenvolvam competências práticas e técnicas, nomeadamente através da resolução de problemas, pois, desta forma, familiarizam-se “com as abordagens utilizadas pelos “verdadeiros cientistas”, pelo que as actividades desenvolvidas na aula devem assemelhar-se à “ciência real”“(Dourado, 2001b, p.33).

Leite (2000), baseando-se em cinco categorias gerais de objectivos propostos por Hodson (1990; 1993; 1994; 2000), sugere que as actividades laboratoriais devem permitir:

1. Motivar os alunos;

2. Aumentar a aprendizagem de conhecimento científico, ou seja, de conhecimento conceptual – conceitos, princípios, leis e teorias;

3. Ensinar técnicas de laboratório e desenvolver competências de conhecimento procedimental;

4. Promover a aprendizagem de metodologias científicas e desenvolver competências na sua utilização, no que diz respeito à aprendizagem dos processos de resolução de problemas, que envolvem articulação de conhecimentos conceptuais e procedimentais;

5. Desenvolver determinadas atitudes científicas, como a abertura de espírito, objectividade, rigor, persistência e criatividade.

Wellington (1998; 2000) agrupa em três domínios os argumentos a favor da utilização de trabalho prático em educação em ciências: 1) cognitivos – reforçam a aprendizagem de conhecimento conceptual através de leis e teorias das ciências; 2) afectivos – permitem motivar os alunos, promover interesse e entusiasmo; 3) associados a competências práticas, transferíveis para actividades de investigação (e.g. observação, medição, previsão) e, por isso, importantes em termos profissionais. De igual modo, Dourado (2006) agrupa em diversos domínios os objectivos que o trabalho laboratorial pode permitir atingir, designadamente atitudinal (e.g. motivar os alunos e estimular a colaboração entre eles), procedimental (e.g. dominar técnicas laboratoriais), conceptual (e.g. aprender conceitos, princípios, leis, teorias e explicar fenómenos) e metodológico (e.g. aprender processos de resolução de problemas).

No entanto, Hodson (1990; 1992; 1993; 1994; 2000) e Wellington (1998; 2000), contrariamente às expectativas dos professores, apresentam evidências de que o trabalho prático implementado nas aulas pode não contribuir para a concretização dos objectivos a ele associados. Alguns estudos referem as limitações do trabalho prático como factor de motivação, pois mostram que, apesar de muitos alunos gostarem de realizar actividades laboratoriais e, consequentemente, desenvolverem atitudes positivas pelas ciências, este aspecto não é aplicável a todos, havendo uma minoria que expressa mesmo a sua aversão por trabalho prático. Por outro lado, o entusiasmo pelo trabalho prático diminui de forma significativa com a idade dos alunos (Barberá & Valdés, 1996; Hodson, 1990; 1994; 2000).

Wellington (1998; 2000) refere, no âmbito dos argumentos de natureza afectiva, que o trabalho prático nem sempre é motivador, sobretudo quando não corre conforme o esperado, ou quando os alunos não percebem o que estão a fazer. Por outro lado, “os alunos gostam das actividades laboratoriais e gostam tanto mais quanto mais espectaculares elas forem” (Leite, 2001, p.87). Acontece, porém que, geralmente, as actividades laboratoriais realizadas nas aulas de ciências não têm a espectacularidade apreciada pelos alunos e que, apesar de ser mais provável que estes se lembrem dos

resultados das actividades quando recordam as observações efectuadas, não quer dizer que todos tenham gostado de realizá-las e que as tenham compreendido (Ibid.).

Segundo Hodson (1990; 1994), tradicionalmente, são apresentados dois tipos de argumentos a favor de trabalho prático como meio de desenvolver destrezas de laboratório. O primeiro diz respeito à aquisição de competências gerais, que se supõem transferíveis para outras áreas de estudo e válidas para todos os alunos como meio de resolver problemas quotidianos. O segundo refere-se ao desenvolvimento de destrezas e técnicas de investigação consideradas fundamentais para futuros investigadores e técnicos em áreas de ciências. O mesmo autor, contesta o primeiro argumento, por considerar pouco provável que as habilidades adquiridas num laboratório possam ser transferidas para contextos da vida quotidiana, aspecto sustentado por muitos defensores do ensino baseado em competências. Por outro lado, considera questionável o segundo argumento, uma vez que requer que a educação de todos os alunos esteja centrada na necessidade daqueles que pretendem prosseguir estudos em áreas de ciências. Igualmente, Leite (2001) questiona a transferência de competências e destrezas técnicas para outras áreas de conhecimento diferentes daquela onde foram adquiridas, inclusivamente a sua aplicabilidade no dia-a-dia, considerando que os “conhecimentos procedimentais são bastante dependentes do contexto e do conteúdo em que foram aprendidos” (p.87). Wellington (1998; 2000), embora considerando existirem poucas evidências de que as competências e habilidades práticas desenvolvidas nas aulas de ciências sejam, em geral, transferíveis para outros contextos, julga-as fundamentais para o envolvimento dos alunos em processos de investigação científica. Hodson (1994) considera mesmo que a aquisição de destrezas e técnicas de laboratório tem pouco valor em si mesmo, defendendo que “no se trata de que el trabajo práctico sea necesario para que los alumnos adquieran ciertas técnicas de laboratorio, sino de que estas habilidades particulares son necesarias si queremos que los estudiantes participen com éxito en el trabajo práctico” (p.301).

Os resultados de um estudo realizado nos EUA mostram que o trabalho prático habitualmente realizado nas aulas tem como única vantagem o desenvolvimento de técnicas de laboratório, não se registando diferenças significativas no que se refere à aquisição de conceitos, compreensão de metodologias científicas ou motivação, comparativamente com métodos de ensino que não incluem a sua realização (Hodson, 1990; 1994). No domínio dos argumentos cognitivos, o trabalho prático pode não constituir uma boa ferramenta para a aprendizagem de teorias, as quais, por envolverem ideias abstractas, podem não ser fisicamente ilustráveis (Leite, 2001; Wellington, 1998;

2000), o que dificulta, por um lado, a “utilização da observação como meio de concretizar a teoria” (Leite, 2001, p.86) e, por outro, como a teoria é necessária para a concretização de observações, verificam-se dificuldades na “utilização do trabalho laboratorial como ponto de partida para a teoria” (Ibid.). Assim, “tal como a observação, também a interpretação é influenciada pelas noções prévias dos alunos” (Almeida, 2001, p.58), o que significa que, apesar de poderem registar observações, não implica que consigam efectuar a interpretação desejada (Ibid.). Actualmente “se considera la observación dependiente de la teoría; es la teoría la que determina qué y cómo hay que observar” (Barberá & Valdés, 1996, p.368). Assume-se, tal como refere Dourado (2001b; 2006), que teoria e prática não constituem realidades isoladas, em que habitualmente o trabalho laboratorial é visto para auxiliar a aprendizagem de conceitos, mas sim realidades que se influenciam mutuamente e, por isso, interdependentes. Defende-se “uma forte vinculação entre teoria e prática, [devendo] o saber teórico ser entendido como um pré-requisito fundamental para a compreensão dos temas abordados e a experimentação como um meio para validar, refutar ou modificar hipóteses pessoais baseadas em teorias” (Marques, 2005, p.138). O trabalho em laboratório desempenha papel determinante na compreensão das ciências como actividade de natureza conceptual, uma vez que a planificação de trabalhos laboratoriais e experimentais, a formulação de hipóteses e a previsão de resultados, assim como a elaboração de conclusões provêm de teorias preexistentes (Ibid.).

Hodson (1994) refere que grande parte do trabalho prático realizado nas aulas de ciências carece de valor educativo real, por corresponder, em geral, apenas a alguns dos apelos feitos em favor da sua utilização. Considera urgente redefini-lo e reorientá-lo como actividade construtivista, reflexiva e interactiva, através do envolvimento dos alunos em processos de investigação. Em suma, constata-se que o que se pretende com a realização de trabalho prático com componente laboratorial e experimental e o que, em geral, dele resulta apresenta notórias diferenças, de que parece emergir a sua ineficácia. Na perspectiva de diversos autores (Almeida, 1998; Caamaño & Corominas, 2004; Gil- Pérez & Valdés-Castro, 1996), a ineficácia educativa decorrente da utilização de trabalho laboratorial nas aulas de ciências, resulta sobretudo da orientação que tem sido dada ao tipo de práticas realizadas. Verifica-se que diversos investigadores defendem a reorientação dos trabalhos práticos como actividade investigativa (Almeida, 1998; 2001; Caamaño & Corominas, 2004; Dourado, 2000; 2001b; 2006; García-Barros, 2000; Gil- Pérez, 1993; Gil-Pérez & Valdés-Castro, 1996; Hodson, 1990; 1993; 1994; 2000; Matos & Morais, 2004; Miguéns, 1999; Miguéns & Serra, 2000; Pedrosa, 2001a; Tenreiro-Vieira &

Vieira, 2006; Veiga, 2000), a fim de que os alunos alcancem, simultaneamente, os diversos objectivos referidos para as actividades laboratoriais e explorem o potencial deste recurso em educação em ciências.

Hodson (1992; 1993; 1994; 2000) propõe a reconceptualização de trabalho prático de acordo com três grandes finalidades da educação em ciências: 1) aprender ciências – aquisição e desenvolvimento de conhecimento teórico e de natureza conceptual; 2)

aprender acerca das ciências – compreensão dos processos científicos e da natureza

das ciências, bem como as interacções entre ciência, tecnologia, sociedade e ambiente; 3) aprender a fazer ciências – para desenvolvimento de competências investigativas e de resolução de problemas.