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2 MARCO TEÓRICO

2.2 Os documentos oficiais da Educação Infantil (RCNEI, DCNEI e BNCC): o que

2.2.3 Base Nacional Comum Curricular (BNCC)

Durante o processo de construção da Base Nacional Comum Curricular, houve muitas polêmicas no meio educacional, pois muitos eram a favor de sua construção, enquanto outros criticavam a existência de um documento que norteasse o currículo nas instituições de ensino. Nesta teia de discussão, alinhamo-nos a Morais (2015) que, em suas afirmações em defesa do currículo, levanta três problemas que a ausência do mesmo causa à educação. São eles: falta

de progressão, implantação de matrizes de habilidades que não foram discutidas pelos docentes, currículos ditados por apostilados. Desta forma, alinhamo-nos ao autor e defendemos a necessidade uma Base Comum Curricular, tendo em vista a possibilidade de garantirmos a todas as crianças brasileiras um currículo mínimo. Dito isto, passaremos agora a discutir o percurso da referida base.

A Base Nacional Comum Curricular, cujo processo de construção foi iniciado em 2014 e foi homologada em 20 de dezembro 2017, é um documento normativo que define os direitos e os objetivos de aprendizagem para a educação básica de todo o país, norteando os currículos das unidades públicas e privadas.

Com relação à Educação Infantil, a BNCC tem como norte as DCNEI, apontando como eixos estruturantes as interações e brincadeiras e apresenta seis direitos de aprendizagem. São eles: conviver, brincar, participar, explorar, expressar e conhecer -se. O documento está estruturado em cinco campos de experiências: o eu, o outro e o nós; corpo, gestos e movimentos; traços, sons, cores e formas; espaços, tempos, quantidades, relações e transformações e escuta, fala, pensamento e imaginação. No processo de discussões da terceira versão da Base, houve cinco audiências públicas5 realizadas nas cinco regiões do país.

No percorrer de sua elaboração, o campo de experiência mais polêmico e que sofreu alteração mais significativa foi o que se refere à leitura e escrita, como ilustra o quadro a seguir:

Quadro 1 - Campos de Experiências nas versões da BNCC 1ª VERSÃO - 2015 2ª VERSÃO - 2016 3ª VERSÃO - abril

de 2017

VERSÃO FINAL 2017

O eu, o outro e o nós O eu, o outro e o nós O eu, o outro e o nós O eu, o outro e o nós

Corpo, gestos movimentos; e Corpo, gestos movimentos; e Corpo, gestos movimentos; e Corpo, gestos movimentos; e Traços, sons, cores e

imagens

Traços, sons, formas e imagens

Traços, sons, cores e formas

Traços, sons, cores e formas Espaços, tempos, quantidades, relações e transformações Espaços, tempos, quantidades, relações e transformações Espaços, tempos, quantidades, relações e transformações Espaços, tempos, quantidades, relações e transformações Escuta, pensamento imaginação. fala e

Escuta, fala pensamento e imaginação

Oralidade e escrita Escuta, pensamento imaginação.

fala e

Como podemos ver, ao longo do processo de construção da BNCC os campos “Traços, sons, cores e formas” e “Escuta, fala pensamento e imaginação” foram o que passaram por

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Estive presente na audiência pública que aconteceu no Recife no dia 28/07/2017 e presenciei diversas falas orientadas para a retirada do campo “Oralidade e escrita” e a volta do campo “Escuta, fala, pensamento e imaginação”.

mudanças. Como já pontuado ao longo do nosso estudo, não há uma hegemonia no campo educacional sobre o quê ensinar nesta etapa de ensino. Desta forma, o termo “Oralidade e escrita”, adotado na terceira versão, foi bastante criticado, pois para alguns especialistas da área este termo se relacionaria com antecipação da escolaridade. A volta do termo “Escuta, fala pensamento e imaginação” procurou atender às reivindicações de parte dos pesquisadores e docentes que levantaram suas bandeiras nas audiências pú blicas e nos debates dos fóruns. Desse modo, a linguagem escrita foi completamente apagada no título do campo de experiência na versão final do documento.

Realizando a leitura das diferentes versões do documento com relação ao campo de experiência “Escuta, fala, pensamento e imaginação”, que é o que nos interessa nesta pesquisa, percebemos que a versão que foi homologada teve alguns avanços, pois na primeira versão, como pontuou Morais (2015), havia dois problemas graves: “ausência de diferenciação entre o que crianças de 1 ano e de 5 anos devem ter como vivências com a língua escrita, na escola” (p. 170); e “[...] não faz nenhuma menção à presença de textos escritos, à leitura de textos escritos, ao registro escrito dos conhecimentos sobre o mundo social e natural que as crianças vão construindo, por participarem de situações significativas” (MORAIS, 2015, p. 171).

Quanto ao primeiro aspecto, analisando as versões, podemos ver que, já a partir da segunda versão, foram acrescentados objetivos de aprendizagem e, na terceira versão, os objetivos de aprendizagem e desenvolvimento foram organizados em três grupos. Desta forma, houve a diferenciação por idade, que foi estabelecida da seguinte forma: bebês (zero a 1 ano e 6 meses); crianças bem pequenas (1 ano e 7 meses a 3 anos e 11 meses) e crianças pequenas (4 anos a 5 anos e 11 meses). Na versão final, permaneceu a divisão por faixa etária e o documento ressalta que esta divisão não deve ser considerada de forma rígida, devendo-se respeitar os ritmos de aprendizagem das crianças.

Com relação ao segundo ponto, reproduzimos a seguir os objetivos propostos na versão homologada em dezembro de 2017 no campo de experiência “Escuta, fala, pensamento e imaginação”, com o propósito de analisarmos se os objetivos apontam para um trabalho com a língua escrita ou se continua a ausência deste foco, como foi apontado por Morais (2015), na análise da primeira versão.

Quadro 2 - Objetivos de aprendizagem e desenvolvimento do campo de experiência “escuta, fala, pensamento e imaginação”, por faixa etária das crianças

Bebês (zero a 1 ano e 6 meses)

Crianças bem pequenas (1 ano e 7 meses a 3 anos e 11 meses)

Crianças pequenas (4 anos a 5 anos e 11 meses) (EI01EF01)

Reconhecer quando é

chamado por seu nome e reconhecer os nomes de pessoas com quem convive.

(EI02EF01)

Dialogar com crianças e adultos, expressando seus

desejos, necessidades, sentimentos e opiniões.

(EI03EF01)

Expressar ideias, desejos e sentimentos sobre suas vivências, por meio da linguagem oral e escrita (escrita espontânea), de fotos, desenhos e outras formas de expressão. (EI01EF02)

Demonstrar interesse ao ouvir a leitura de poemas e a apresentação de músicas.

(EI02EF02)

Identificar e criar diferentes

sons e reconhecer rimas e aliterações em cantigas de

roda e textos poéticos.

(EI03EF02)

Inventar brincadeiras

cantadas, poemas e

canções, criando rimas, aliterações e ritmos. (EI01EF03)

Demonstrar interesse ao ouvir histórias lidas ou

contadas, observando

ilustrações e os movimentos de leitura do

adulto-leitor (modo de

segurar o portador e de virar as páginas).

(EI02EF03)

Demonstrar interesse e atenção ao ouvir a leitura de histórias e outros textos,

diferenciando escrita de ilustrações, e acompanhando, com orientação do adulto- leitor, a direção da leitura (de cima para baixo, da esquerda para a direita).

(EI03EF03)

Escolher e folhear livros, procurando orientar-se por temas e ilustrações e

tentando identificar

palavras conhecidas.

(EI01EF04)

Reconhecer elementos das ilustrações de histórias, apontando-os, a pedido do adulto-leitor.

(EI02EF04)

Formular e responder perguntas sobre fatos da história narrada, identificando cenários, personagens e principais acontecimentos.

(EI03EF04)

Recontar histórias ouvidas e planejar coletivamente roteiros de vídeos e de encenações, definindo os contextos, os personagens, a estrutura da história. (EI01EF05) Imitar as variações de entonação e gestos

realizados pelos adultos, ao ler histórias e ao cantar.

(EI02EF05)

Relatar experiências e fatos acontecidos, histórias ouvidas, filmes ou peças teatrais assistidos etc.

(EI03EF05)

Recontar histórias ouvidas para produção de reconto escrito, tendo o professor como escriba.

(EI01EF06)

Comunicar-se com outras pessoas usando movimentos, gestos, balbucios, fala e outras formas de expressão.

(EI02EF06)

Criar e contar histórias oralmente, com base em imagens ou temas sugeridos.

(EI03EF06)

Produzir suas próprias histórias orais e escritas (escrita espontânea), em situações com função social significativa.

(EI01EF07)

Conhecer e manipular materiais impressos e audiovisuais em diferentes portadores (livro, revista, gibi, jornal, cartaz, CD,

tablet etc.).

(EI02EF07)

Manusear diferentes portadores textuais, demonstrando reconhecer seus usos sociais.

(EI03EF07)

Levantar hipóteses sobre gêneros textuais veiculados em portadores conhecidos, recorrendo a estratégias de observação gráfica e/ou de leitura.

(EI01EF08)

Participar de situações de

(EI02EF08)

Manipular textos e participar de

(EI03EF08)

escuta de textos em diferentes gêneros textuais (poemas, fábulas, contos,

receitas, quadrinhos,

anúncios etc.).

situações de escuta para ampliar seu contato com diferentes gêneros textuais (parlendas, histórias de aventura, tirinhas, cartazes de sala, cardápios, notícias etc.).

de gêneros conhecidos para a leitura de um adulto e/ou para sua própria leitura (partindo de seu repertório sobre esses textos, como a recuperação pela memória, pela leitura das ilustrações etc.).

(EI01EF09) (EI02EF09) (EI03EF09)

Conhecer e manipular Manusear diferentes instrumentos e Levantar hipóteses em

diferentes instrumentos e suportes de escrita para desenhar, relação à linguagem escrita, suportes de escrita. traçar letras e outros sinais gráficos. realizando registros de palavras e textos, por meio de escrita espontânea. Fonte: < http://basenacionalcomum.mec.gov.br/>. Acesso em: mar. 2018.

Observamos que os objetivos mantiveram uma progressão de uma faixa etária para a outra, como já mencionamos acima, e esses também foram ampliados com relação à primeira versão. Analisando a troca do título do campo “Oralidade e escrita” para “Escuta, fala, pensamento e imaginação”, como ficou denominada na versão final, vemos que isto não alterou o documento que estava sendo discutido, pois, examinando-se os objetivos, constatamos que, com exceção do objetivo 08, que trata sobre a leitura, os demais não passaram por alteração. Entre os objetivos, destacamos a presença predominante da ênfase em leitura, reconto, escrita espontânea, escrita, tendo o professor como escriba. Assim, as facetas interativa e sociocultural, ou seja, o letramento, estão significantemente contempladas na BNCC.

Com relação às crianças de 4 anos e 5 anos e 11 meses, pensamos que os objetivos “Inventar brincadeiras cantadas, poemas e canções, criando rimas, aliterações e ritmos” e “Levantar hipóteses em relação à linguagem escrita, realizando registros de palavras e textos, por meio de escrita espontânea”, poderiam ser ampliados, pois nesta faixa etária o eixo da apropriação do sistema de escrita poderia, sim, ser mais explícito, sem se descuidar da dimensão do letramento. Cabe destacar que não encontramos objetivos sobre reconhecimento de letras, trabalho com os nomes das crianças ou demais palavras estáveis e nenhuma menção mais explícita ao trabalho com a consciência fonológica.

Assim, com relação à faceta linguística, chegamos à conclusão que, ainda há ausência de objetivos que explicitem mais claramente o trabalho com o sistema de escrita, não com o objetivo de alfabetizar as crianças, mas de permitir a reflexão sobre o sistema de escrita e suas relações com o sistema fonológico.

Acreditamos que esta lacuna do documento com relação à faceta linguística não ocorreu por acaso, pois é fruto da falta de consenso do que se deve trabalhar com relação à língua escrita nesta etapa de ensino. Isto corrobora a permanência nos espaços educativos de práticas onde se priorizam cópias de letras e exercícios repetitivos ou a ausência do trabalho com a língua escrita, tendo em vista que os docentes permanecem sem ter uma clareza do que se deve ensinar com relação à escrita nesta etapa. A este respeito, concordamos com Brandão e Leal (2010) e Morais (2012), que defendem que as crianças da Educação Infantil podem aprender alguns princípios do sistema alfabético, dentro de uma perspectiva lúdica, respeitando a infância e suas peculiaridades.