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PERÍODO MAO: ENTRE A MOBILIZAÇÃO DE MASSAS, DE UM LADO, E O ESTADO E A ECONOMIA, DE OUTRO

2.3 PAÍS DIVIDIDO, PODER EM DISPUTA

2.3.1 Nacionalistas Revolucionários e Comunistas

A revolução de 1917 e o governo soviético eram admirados por Sun Yat-sen, líder do Guomidang, que considerava o modelo da URSS mais próximo e adaptado às condições orientais presentes, em comum, na Rússia e na China. A própria forma do partido leninista, com a dedicação e disciplina dos quadros e elevado senso de organização, era observada com muito interesse por Sun. A revolução bolchevique inspirou a criação de núcleos marxistas que depois fundariam o Partido Comunista da China (PCCh) e as tentativas insurrecionais chinesas.

A China, na década de 1920, já tinha alcançado certa importância econômica, contava com enclaves industriais, amplo comércio exterior de suas principais cidades portuárias, destacando Shangai, com mais de três milhões de habitantes. Ao mesmo tempo, as lutas políticas pelo poder e o nacionalismo revolucionário marcam a cena chinesa. Nessas condições, o Partido Comunista da China (PCCh) foi fundado, em julho de 1921.

O novo partido manteve-se como organização independente até 1923. Nesse ano, em seu III Congresso, o PCCh, seguindo a orientação da Internacional Comunista, efetivou a aliança com o Guomidang, um partido da luta nacional. Era um tipo de aliança em que os comunistas mantinham sua organização, mas ingressavam individualmente no Partido de Sun Yat-sen e se submetiam às decisões da direção dessa última organização partidária. Como se viu anteriormente, no capítulo I deste texto, Lênin depositava grande expectativa no movimento de libertação nacional e na revolução no Oriente. A Internacional Comunista passou, nos anos 1920, a alimentar esperanças no avanço da revolução mundial a partir da China. Lênin não repetia o preconceito da Segunda Internacional associando o Oriente ao imobilismo.

O papel do revolucionário Sun Yat-sen na libertação nacional chinesa despertou o interesse dos soviéticos já no outono de 1920, ainda nos tempos de Lênin (GALLISSOT,

1987, p. 242). Sun formulava os ‘três princípios do povo”: bem-estar, nacionalismo e democracia. Alguns fatores favoreciam a aliança entre o Guomidang e o PCC, a saber: de um lado, a causa da libertação nacional, a unificação do país e a derrocada dos senhores da guerra (chefes militaristas locais), e, do outro, a origem comum nas principais cidades do sul da China e com seus líderes igualmente provenientes da juventude intelectual, inclusive da liderança do Movimento do 4 de Maio.

A partir de 1923, a Internacional Comunista desenvolveu um amplo esforço para ajudar na transformação do Guomidang, contribuindo para capacitá- lo como organização dirigente da revolução nacional. A assistência soviética desdobrou-se nos trabalhos de organização, centralismo e disciplina desse partido nacional-revolucionário, assim como na formação política dos quadros dirigentes e no treinamento militar. Em 1926, o Guomidang tornou-se partido simpatizante nas fileiras da Comintern e Chiang Kai-chek foi nomeado membro honorário da Executiva da Internacional. A aliança rendeu frutos imediatos (e frutos amargos em 1927). Desde 1911, a unificação nacional da China só voltou a ocorrer com o governo do Guomidang, em aliança com os comunistas, depois da Expedição do Norte, que foi uma vitoriosa ofensiva militar sobre os senhores da guerra. Inicialmente, sediado no sul da China, o governo nacionalista se impôs perante a maior parte do país, entre 1925 e 1927.

A aliança com o Guomidang não foi uma simples imposição desastrosa da Internacional Comunista. O PCCh era recém-criado, frágil, com pouca força política. Os comunistas beneficiaram-se dessa sua integração no ascensional movimento revolucionário nacionalista, passando a atuar em um plano mais amplo e decisivo da luta pelo poder, sobretudo com as vitórias do Guomidang entre 1925 e 1927. Nessa fase, o Partido Comunista construiu forte organização entre os trabalhadores das grandes cidades, como Shangai e Cantão.

Sun Yat-sen, líder patriótico e com vínculos socialistas, era o avalista da aliança entre nacionalistas e comunistas. Com a morte de Sun, em 1925, o posto de principal líder do Guomidang foi ocupado pelo general Chiang Kai-chek, que tinha outra visão sobre o papel dos comunistas chineses. O Guomidang era um partido nacionalista burguês, evidentemente não poderia expressar os interesses proletários e não aceitaria a expropriação das propriedades da burguesia nacional e dos latifundiários. Muitos dos seus dirigentes tinham sua origem em famílias de proprietários de terra. A vitoriosa e avassaladora Expedição do Norte tinha deixado, em seu rastro, um efeito colateral, indesejado pela maioria da cúpula do Guomidang:

múltiplos levantes de massas camponesas pela reforma agrária. Ademais, havia já uma tendência para a insurreição proletária nas grandes cidades.

Então, o Guomidang passa à contra-revolução e os comunistas e ativistas operários são massacrados, em 1927, em Shangai (abril) e Cantão (dezembro)40. A partir daí, a perseguição das forças governistas ao Partido Comunista da China tornou-se feroz, implacável. Deflagrou-se uma guerra civil. Assim, a necessidade da própria sobrevivência do PCCh impôs a sua retirada das cidades, em fuga para o campo, refugiando-se em áreas montanhosas, em busca de melhores condições para resistir às investidas das tropas do Guomidang. Essa retirada forçou a ampliação e aprofundamento do trabalho político dos comunistas entre as massas camponesas.

Essas difíceis circunstâncias de sobrevivência do Partido Comunista decorreram da realidade política interna chinesa. Há certo exagero em culpar os soviéticos pelas derrotas chinesas, minimizando-se a própria responsabilidade do PCCh e subestimando a grande força própria acumulada pelo Guomidang. Além disso, o general Chiang fez acordos com alguns senhores de guerra e bandos militares para esmagar os comunistas, como ocorreu em Shangai. A própria distância entre os emissários da IC na China e Moscou afetava a influência das orientações no desenrolar concreto dos acontecimentos chineses. Nesse sentido, Gallissot (1987, p. 256) afirma: “as desgraças que atingem o comunismo chinês não são obra de um deus malévolo”.

Contudo, de qualquer modo, o fracasso na China teve grande repercussão no VI Congresso da Internacional Comunista, em 1928. Foi uma derrota da estratégia de aliança com o Guomidang. O Informe Bukharin, nesse congresso, defendeu a IC e acusou o PCCh pelo fracasso, pelo seu apego à unidade com a burguesia nacional, entre outros aspectos (GALLISSOT, 1987, p. 262). A IC passou, então, a adotar um ponto de vista em que a burguesia nacional já não era compreendida como a força dirigente da revolução na fase democrática, e acentuou as tarefas revolucionárias nacionais e agrárias nos países atrasados ou colonizados (ALAVI, 2001, p. 242). No ziguezague das orientações da IC para a China, depois da desilusão com a burguesia nacional, apelou-se, em 1928, para grandes ações urbanas; em 1929, foi proposta a greve geral revolucionária; e, em 1930, conclamou-se à luta por um governo operário-camponês, sob a hegemonia do proletariado. Essa volta à estratégia

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Além do fracasso na China, na verdade, a vaga revolucionária refluiu, globalmente, conforme atestaram as derrotas das insurreições na Alemanha, Hungria, Bulgária e Indonésia, ao longo da década de 1920.

insurrecional urbana da IC representou uma recusa da compreensão sobre o papel decisivo dos camponeses, nas novas condições políticas chinesas. Nesse sentido, criticou-se a estratégia da guerrilha e a ênfase nas bases militares camponesas.