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Revolução Cultural: Esquerdismo versus Caminho Capitalista?

PERÍODO MAO: ENTRE A MOBILIZAÇÃO DE MASSAS, DE UM LADO, E O ESTADO E A ECONOMIA, DE OUTRO

2.4 A VONTADE DAS MASSAS PARA CONSTRUIR A ECONOMIA E O SOCIALISMO

2.4.7 Revolução Cultural: Esquerdismo versus Caminho Capitalista?

Inicialmente, cabe aqui fazer um paralelo entre as apreciações leninianas e maoístas acerca do problema da revolução cultural no âmbito da construção do socialismo. Lênin e Mao estão juntos na compreensão da necessidade do desenvolvimento cultural como uma dos pilares da edificação socialista. A despeito dos contextos políticos diferentes nas revoluções soviética e chinesa, os dois líderes não perdiam de vista as relações entre o grande peso da massa camponesa (nos dois países) e os problemas culturais no curso do socialismo. Assim, para Lênin:

Se tivéssemos uma cooperativização completa, já estaríamos com ambos os pés em terreno socialista. Mas esta condição da cooperativização completa implica um tal grau de cultura do campesinato (precisamente do campesinato, como uma massa enorme), que essa cooperativização completa é impossível sem toda uma revolução cultural. (...) Mas esta revolução cultural apresenta incríveis dificuldades para nós, tanto no aspecto puramente cultural (pois somos analfabetos) como no aspecto material (pois para sermos cultos é necessário um certo desenvolvimento dos meios materiais de produção, é necessária uma certa base material). (LÊNIN, 1980r, p. 662). No entanto, esses dois revolucionários estavam separados na concepção do desenvolvimento cultural. Lênin admirava a ilustração, a civilização, a cultura, o progresso técnico do Ocidente, em contraste com o atraso russo. Mao se aferrava a um objeto contraditório: a velha civilização imperial chinesa, autóctone, nacional, de um lado, e a nova

prática das massas na construção socialista, de outro. Mao repudiava os preconceitos e crenças das classes dominantes na história chinesa. Ao mesmo tempo, ele reconhecia o socialismo marxista surgiu como um projeto universalista. Diante dessa complexidade, o líder chinês repudiava a imitação ou inspiração do Ocidente como decadência burguesa, favorecendo e abrindo espaço, contraditoriamente, para posições regressivas perante os avanços da humanidade nos terrenos da cultura e da ciência.

E a questão do Estado? Mao tentou opor a Revolução Cultural ao Estado, ou tentou alguma separação entre coisa e outra, ou tentou minimizar o papel do Estado em face da iniciativa das massas rebeladas. Em vez da lenta e processual extinção do Estado, sobretudo como instância política, como dizia Engels, era preciso domesticar a instituição estatal. Todavia, no caso de Lênin, tratava-se de conquistar um novo tipo de Estado, que desempenharia um papel central, escapando à burocratização, apoiando-se nas massas emancipadas culturalmente. Assim, as transformações na natureza e funcionamento do Estado dependiam, entre outros aspectos, do progresso da cultura. Por isso mesmo, Lênin, em seus últimos escritos, voltou-se insistentemente para a questão da cultura. Seria necessária uma revolução cultural tanto para persuadir a grande massa de camponeses acerca das vantagens das cooperativas, quanto para renovar o aparelho de Estado. A ligação entre cultura e Estado era assim pensada por Lênin (1980t):

O nosso aparelho de Estado encontra-se num estado tão lamentável, para não dizer abominável, que devemos primeiro refletir profundamente sobre as formas de lutar contra os seus defeitos, recordando que as raízes destes defeitos se encontram no passado, o qual, embora derrubado, não foi superado, não passou a ser um estágio de cultura pertencente ao passado remoto. É precisamente a questão da cultura que coloco aqui, porque nestas coisas só se deve considerar como alcançado aquilo que entrou na cultura, no modo de vida, nos costumes. (p.670-671).

Para renovar o nosso aparelho de Estado devemos a todo custo colocar-nos a tarefa de: primeiro, estudar, segundo estudar e terceiro estudar. Numa palavra, não temos que apresentar as exigências que apresenta a Europa Ocidental burguesa, mas aquelas que é digno e conveniente apresentar a um país que coloca como sua a tarefa de desenvolver-se para se tornar um país socialista. [...] A nós também nos falta civilização para passar diretamente ao socialismo, embora tenhamos para isso as premissas políticas. ( p. 680).

Feita essa rápida comparação entre as idéias de Lênin e Mao, volta-se para a experiência chinesa propriamente dita. Apesar do título Grande Revolução Cultural

Proletária (GRCP), contesta-se que esse processo tenha natureza especificamente cultural,

afirmando-se mais como uma imensa luta política. A Revolução Cultural era apresentada como um processo necessário da luta de classes para cortar o passo dos seguidores da via

capitalista no interior do Estado-Partido, aprofundando a transformação política e ideológica, com a liberação da força criativa das próprias massas, e avançando na construção do socialismo. “A rebelião é justa!”, enfatizava Mao. As massas deveriam se rebelar para disputar o controle do poder do Estado, a fim da China perseverar no socialismo, prevenindo- se em relação ao caminho capitalista da burocracia partidária e estatal.

Hoje, na China e no mundo, prevalece uma visão acerbadamente crítica sobre a Revolução Cultural. Propaga-se hoje a avaliação de que a Revolução Cultural foi uma deliberação personalista do presidente Mao, como um estratagema político, para, apoiando-se no Exército e mobilizando as massas, combater seus opositores no interior do Partido e do Estado. Porém, no período em que transcorreu a Revolução Cultural chinesa, muitas avaliações eram positivas. Ela repercutiu em todo o mundo, suscitando adesões ou divergências. Foi largamente apoiada e inspirou experiências políticas de setores da juventude e muitas organizações, por toda parte, nos anos 1960. Era preciso “ousar lutar, ousar vencer”, sabendo que “o pequeno pode desafiar e derrotar o grande”. No início dos anos 1970, o economista marxista Charles Bettelheim (1979a, p. 7-8) declarou seu empenho em elaborar conclusões teóricas a partir do que ele viu e qualificou como transformações de “excepcional importância” na gestão e na divisão do trabalho, em fábricas chinesas, nos marcos da Revolução Cultural52.

Bettelhe im fez questão de esclarecer preliminarmente que o grande alcance dessas transformações decorreu, em primeiro lugar, da “derrota da linha política burguesa”, liderada pelo presidente da República, Liu Shaoqi. Então, segundo esse raciocínio, havia um problema de fundo: a ameaça de adoção do caminho capitalista na China. Havia, por conseguinte, um alvo, a fonte de onde se originava essa ameaça: a política proposta por uma fração dirigente do Estado. No entanto, Bettelheim (1979a, p. 8, nota n. 3) definia precisamente essa denominada e fundamental linha política burguesa como

[...] uma linha que se opõe objetivamente às transformações possíveis que permitiriam reduzir o lugar ocupado pelos elementos capitalistas ou burgueses na base econômica ou na superestrutura. Quando predomina a ação de uma tal linha, presencia-se à consolidação (que poderia ser evitada) das formas capitalistas da divisão do trabalho e da gestão de empresas, assim como de posições da burguesia. Esta última é constituída não apenas pelos antigos capitalistas, proprietários de terra etc., mas

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Bettelheim estudou, longa e profundamente, a União Soviética, desaprovando-a, e isso, em contraponto, serviu de referencial para seus estudos e sua solidariedade aos acontecimentos na China, a exemplo da Revolução Cultural. Ele conhecia diretamente a China, onde fez investigações. No caso das observações aqui registradas, considere-se que a interpretação de Bettelheim, além das informações de viagens anteriores, baseia-se em suas observações na China no ano de 1971, apesar, a essa altura, do fato de que a Revolução Cultural já se encontrava em refluxo, de certa forma.

também por quadros, técnicos e administradores, que tiram partido de suas funções para fazer escapar do controle dos trabalhadores o uso dos meios de produção e de investimentos.

Então, seguindo esse autor, se se tratava dessa ameaça de reversão capitalista, justificava-se a Revolução Cultural, e, antes dela, o Grande Salto. Conforme essa interpretação, era legítimo resistir ao assédio burguês. Cabia aprofundar as transformações e passar ao que se julgava ser uma ofensiva socialista, instaurando comunas populares, promovendo a industrialização rural, transformando costumes e disseminando a nova moral proletária.

A Revolução Cultural Proletária representa uma luta ideológica e política cujos efeitos se inscrevem na base econômica e na superestrutura, destruindo as antigas relações sociais e fazendo com que surjam novas. (BETTELHEIM, 1979a, p. 9).

Bettelheim comparou o significado da Revolução Cultural à “importância histórica mundial” vista por Marx na Comuna de Paris. A Revolução Cultural seria uma forma essencial da luta de classes no caminho do socialismo. Além da mistura de muitos efeitos perversos e inovações positivas, essa revolução estava carregada de boas intenções embrulhadas em ilusões imediatistas, conforme atestaram os seguintes três pontos da argumentação do seu defensor Bettelheim (1979):

PRIMEIRO PONTO: GESTÃO OPERÁRIA

Como os trabalhadores participam das decisões na empresa? Na Revolução Cultural, foram criadas, em algumas fábricas determinadas estruturas para viabilizar a participação e o controle das massas sobre as atividades da empresa. O objetivo era criar novas relações de gestão. Os Grupos de Gestão Operária eram responsáveis por tarefas de orientação e controle. Os Comitês Revolucionários incumbiam-se de problemas da gestão propriamente dita. Os Guardas Vermelhos, sem estrutura coletiva e com participação individual, ocupavam-se da revolucionarização ideológica, controlando os Grupos de Gestão e os Comitês Revolucionários. Além de tratar de tarefas políticas e ideológicas, examinar questões financeiras e técnicas, essa organizações de massas deveriam atuar para reduzir o tamanho do aparelho meramente administrativo; resolver imediata e diretamente, na própria unidade, os problemas surgidos no curso da ação produtiva; suprimir os regulamentos irracionais (formas de organização do trabalho, disciplina e gestão prejudiciais à autonomia e colaboração dos trabalhadores).

No entanto, de um ponto de vista mais geral, cabe ressalvar criticamente que os

Grupos de Gestão, os Comitês Revolucionários e os Guardas Vermelhos só poderiam

continuar existindo (e atuando sobre a organização do processo de trabalho, à revelia do Estado) como resultado de ininterrupta e intensa mobilização das massas. Isso, obviamente, não seria possível eternamente. Não é viável sustentar as massas em permanente estado de tensão, com ações arrojadas de abnegação e heroísmo, sempre, em todos os instantes das vidas das pessoas. O próprio Mao reconheceu isso ao falar em revoluções culturais cíclicas.

SEGUNDO PONTO: PROPRIEDADE SOCIAL E DESCENTRALIZAÇÃO (a) As empresas eram de propriedade do Estado ou de um coletivo de trabalhadores. A gestão das grandes (e médias) empresas cabia ao Estado (governo central, provincial ou municipal); das pequenas (e médias) empresas urbanas (de propriedade coletiva) cabia a uma organização de bairro ou rua e ao seu Comitê Revolucionário; das pequenas empresas industriais (de propriedade coletiva) na área rural cabia às comunas populares e brigadas de produção. As empresas estatais eram responsáveis por 96% da produção industrial, enquanto as pequenas e médias empresas coletivas forneciam 4% (BETTELHEIM, 1979b, p. 60). A Revolução Cultural teria dado um novo impulso a essa descentralização do plano e da gestão das empresas, em um movimento iniciado em 1957. Em Shangai, nesse mesmo ano, as empresas dirigidas pelo governo central produziam 46% da produção industrial, mas em 1970 esse valor da produção caiu para somente 6,8%, enquanto 93% da produção já se encontravam em empresas de gestão local (BETTELHEIM, 1979b, p.61).

(b) O rápido ritmo de crescimento econômico na China tinha muito a ver com a política de descentralização econômica. O esforço chinês buscou preservar a coordenação política do plano e, ao mesmo tempo, ampliar as iniciativas locais e provinciais. Isso poderia resultar em melhor incorporação das informações da vida econômica local e abertura para maior democratização, no que dizia respeito à participação dos trabalhadores nas decisões durante o processo de elaboração do plano. “(E)stimulando as inovações”, haveria a gestão local e a integração das produções em cada província. Além das metas, o plano trataria das medidas de

“revolucionarização técnica, a fim de economizar as matérias-primas, melhorar os equipamentos, aumentar a produtividade e melhorar a qualidade” (BETTELHEIM, 1979b, p. 74).

(c) Na China, os trabalhadores nas empresas estavam assumindo o poder, em contraste radical com o tipo de autonomia dos executivos de empresa na reforma, naquele momento, na União Soviética. A flexibilização do plano econômico soviético servia à desregulação dos preços e maior importância do lucro, enquanto os chineses sustentavam os preços planificados e a estabilidade monetária, conforme os custos efetivos. Na China, os preços, sob planificação e estabilidade, preços permitiam comparações dos resultados de cada empresa em cada período. As conclusões advindas do cálculo monetário em cada unidade de produção, segundo as informações dos preços, influenciavam secundariamente as decisões sobre o que e como (técnica e matérias-primas) produzir na empresa, e, ademais, se subordinavam às principais decisões e objetivos globais do plano. A política de comercialização estabelecia a ausência de lucros e concedia subsídios eventuais nos artigos de primeira necessidade (alimentos); atribuía preço de custo para os medicamentos; fixava preços baratos com margem de lucro em outros bens de primeira necessidade; mantinha a precificação histórica no caso dos bens que não são de primeira necessidade, destinando, para o fundo de acumulação social, os ganhos advindo da redução dos custos de produção.

TERCEIRO PONTO: NOVAS RELAÇÕES DE PRODUÇÃO

(a) Se o socialismo, como transição, pode ser compreendido como mudança nas relações de produção, o que foi feito, neste sentido, na construção socialista na China? As transformações nas relações de produção teriam experimentado maior desenvolvimento durante o Grande Salto e, sobretudo, com a Revolução Cultural. Mao Zedong teria sistematizado os princípios da gestão socialista na Carta de Anchan, em 22 de março de 1960, enfatizando os objetivos políticos da construção do socialismo, a saber: as duas participações – dos operários na gestão e dos quadros (dirigentes) no trabalho manual e diretamente produtivo -, a tripla união dos quadros, técnicos e operários (1979a, p. 22-3; 94-5; 102). Alguns eixos da gestão soviética eram defendidos pela chamada linha revisionista chinesa, liderada pelo presidente Liu

Shaoqi. São eles: a estreita prioridade da produção, o poder decisório autônomo do diretor da fábrica, o excessivo peso e os privilégios dos especialistas na gestão, a ênfase nos estímulos monetários, os lucros no posto de comando.

(b) A divisão entre as tarefas de direção e tarefas de execução estava sendo reduzida através da substituição da gestão da minoria pela gestão da maioria. Essa gestão pelas massas se materializava pelo controle e direção das empresas pelos Comitês Revolucionários. Estes comitês eram eleitos pelas massas diretamente e integravam o poder do Estado, em sentido amplo, nos âmbitos da província, dos distritos e das municipalidades. A suposta luta das massas trabalhadoras pelo domínio coletivo das ciências e da técnica e a liberação das inovações, a partir das contribuições diretas dos operários, levaram Bettelheim (1979b, p. 109) à seguinte conclusão exagerada: “Presencia-se um acontecimento que tem uma importância histórica, acontecimento esse que constitui provavelmente – se esse termo tem algum sentido – a verdadeira revolução científica e técnica de nossa época”. Contudo, esse avanço científico e técnico dificilmente seria efetivo já que, entre outros fatores, na Revolução Cultural, as universidades sofreram uma grande redução na sua atividade, como critica HOBSBAWN (1995, p. 291). Ainda para Bettelheim, na China, havia o desenvolvimento socialista das forças produtivas, colocando em segundo plano a necessidade da acumulação prévia de capital. Ele explicava que o rápido crescimento

da produção estaria se apoiando, sobretudo, na força transformadora das massas

diretamente no processo de trabalho.

(c) As pequenas e médias empresas estavam se multiplicando e se desenvolvendo com autonomia, com suas próprias forças. A oposição entre a cidade e o campo estava sendo combatida pelas milhares de pequenas e médias empresas do desenvolvimento industrial rural. Essa produção industrial elementar consistia em geração de eletricidade, fundições e aço, materiais de construção, metais diversos, fios metálicos, instrumentos agrícolas, adubos, têxteis, alguns produtos químicos e farmacêuticos etc. (BETTELHEIM, 1979b, p.115) A revolucionarização das relações de produção foi impulsionada pela Revolução Cultural, porque as massas puderam avançar na apropriação da ideologia proletária. Essa ideologia do primado dos interesses coletivos estaria, na China, favorecendo a apropriação dos meios de produção de modo real, gradualmente, pelas massas. A Revolução Cultural teria sido

uma etapa da luta de classes, sem precedentes, mas seriam necessárias várias revoluções culturais. Isso seria preciso para que as massas trabalhadoras pudessem apreender o processo social de produção, em seu conjunto, como um processo único, e como um processo que é uma obra sua, dos produtores imediatos. Assim, a longo prazo, as sobrevivências ideológicas burguesas deixariam de subsistir, abolindo as relações de privilégio e exploração, cessando a divisão de classes, edificando o socialismo.

Como se constatou acima, Bettelheim enxergou, no período maoísta, a tentativa revolucionária dos trabalhadores de construir o socialismo por si próprios. Mas o economista francês não estava só em sua avaliação otimista. Até mesmo recentemente, em 2004, o estudioso da China Jack Gray (2006, p. 666) ressaltou que alguns mesmos aspectos da concepção de Mao para a estratégia econômica do Grande Salto foram retomados, a partir de 1970, com muito sucesso53. Gray teria visitado fábricas que começaram em 1970 ou 1971 ou que tinham sido criadas em 1958 e “sobreviveram ao ataque de Liu Shaoqi”. Todavia, de qualquer forma, Bettelheim subestimou a abrangência dos erros políticos, marcados por voluntarismo e sectarismo, e superestimou os efeitos das ações das massas na Revolução Cultural, para especificamente consolidar o socialismo na China.

Há, hoje, a condenação da Grande Revolução Cultural como simplesmente um “bizarro cataclismo”, “loucura política”, conforme o julgamento de Hobsbawn (1995, p. 437). Entretanto, nas décadas de 1960 e 1970, a intelectualidade de esquerda no Ocidente animou- se com a Revolução Cultural. As Panteras Negras, um movimento anti-racista nos Estados Unidos, com muita repercussão internacional, divulgou entusiasticamente o Livro Vermelho com as citações do presidente Mao.

Guo Jian (1999) lembra o posicionamento de importantes intelectuais à época. Assim, por exemplo, Jean-Paul Sartre apoiou Mao e divulgou, no jornal Les Temps Modernes, a Revolução Cultural como inspiração do movimento de maio de 1968 dos jovens franceses. Para Michel Foucault, as massas, com sua autonomia, tinham engendrado um aparato estatal revolucionário exemplar. Jüergen Habermas enxergou a China como o único país onde ainda

53 “Jack [Gray] foi um dos mais importantes nomes da Inglaterra nos estudos da China contemporânea ...”, observa o editor

havia interesse em uma identidade coletiva, experimentando um processo de formação de valores e normas, socialmente. Louis Althusser criticou o economicismo soviético, propondo o modelo da sobredeterminação (importância conjunta de múltiplas estruturas – culturais, políticas, ideológicas e econômicas), e, repetindo Mao, afirmava que o avanço ou regressão de um país socialista dependia, principalmente, da ideologia e da luta de classes.

Em 2004, Jack Gray (2006) afirmou, sobre a experiência maoísta, que, em vez de condenar, seria preciso elogiar e encorajar a criação de pré-condições da democracia. Essa busca da democracia seria atestada pelas críticas de Mao a Stálin e da tentativa de um tipo de democracia participativa no Grande Salto e na Revolução Cultural, em que a população assumiria a geração e os benefícios do crescimento econômico. Para Gray, quem escreve sobre a China atualmente não enxerga que as comunas populares e as brigadas de produção falharam no Grande Salto, mas foram um exercício de constituição das massas como força econômica dirigente. Tratou-se, assim, de uma experiência ditada pela iniciativa das massas, com as decisões tomadas democraticamente, pela base, em 500 mil aldeias, além da realização de obras importantes.

Contudo, há que se reconhecer que, no curso da Revolução Cultural, Mao, muitas vezes, não soube compreender as peculiaridades das distintas etapas, os necessários processos intermediários, a trajetória de longo prazo na construção econômica e no desafio ideológico do socialismo. Todos esses aspectos eram fundamentais nas difíceis condições de um país imenso e complexo como a China, imerso em uma conjuntura política de atritos internacionais e de isolamento global. As ponderações, ressalvas, críticas, divergências foram, muitas vezes, ignoradas ou tomadas como indicação de políticas do caminho capitalista.

É possível que Mao estivesse certo, do ponto de vista geral, sobre a natureza das divergências com outros líderes chineses. É possível que políticas e estratégias de importantes dirigentes, como Liu Shaoqi, contivessem traços, objetivamente, revestidos de economicismo e burocratismo, prejudicando as transformações políticas e ideológicas favoráveis à nova