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Nas Trincheiras Inimigas O que Ensinavam os Casuístas

No documento Pascal (páginas 40-49)

Sendo que as acusações mais veementes de Pascal se dirigem contra o "laxismo moral" dos casuístas Jesuítas, passaremos a transcrever desses livros uma série de textos impugnados pelo indignado autor de "Lettres Provinciales". O leitor que quiser inteirar-se da razão ou sem-razão de Pascal ou dos seus adversários, poderá consultar por si mesmo as respectivas fontes, que passaremos a indicar.

O livro mais violentamente impugnado por Pascal é um exaustivo tratado de Teologia Moral, da autoria do Jesuíta espanhol, Antônio de Escobar y Mendoza, de Valladolid, obra cujo título latino completo é o seguinte: Liber theologiae moralis,

viginti-quatuor Societatis Jesu doctoribus reseratus: quem E. P. Antoinus Escobar et Mendoza, Vallisoletanus, ejusdem Societatis theologus, in examen confessariorum digessit. Post 32 editiones hispânicas et 3 lugdu-nenses editio novíssima auctior et correctior, additionobus illustrata. Bruxellae. 1651.

Diz, pois, o subtítulo do citado livro que o mesmo é uma compilação da doutrina de 24 teólogos Jesuítas, para o uso dos confessores; que desta obra já foram feitas 32, edições na Espanha e 3 em Lyon, França, sendo esta 36ª impressa em Bruxelas, Bélgica, aumentada e melhorada, e acrescida de aditamentos. Ano da presente edição, 1651. No título diz que foi publicada a obra com as respectivas licenças dos Superiores da Ordem, etc.

Este livro foi por Pascal submetido à mais terrível vivissecção por que já passou um livro da parte de um dos grandes gênios da humanidade.

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Vejamos alguns tópicos impugnados.

No "Segundo Exame", que trata do primeiro mandamento do Decálogo e da obrigação de amar a Deus, estabelece o autor diversos períodos em que parece ser de obrigação grave amar a Deus positivamente. Alguns moralistas, diz Escobar, julgam necessário amar a Deus expressamente em cada dia festivo; outros, uma vez por ano; um dos citados doutores da Companhia de Jesus acha que é permitido deixar de amar a Deus por mais de 3 a 4 anos.

Quem conhece o caráter do célebre autor da frase "o coração tem razões de que a razão nada sabe", bem pode imaginar a revolta íntima que semelhante burocratismo teológico provocou na alma de Pascal; pois, para ele, o amor de Deus não era apenas o maior de todos os mandamentos, mas a mais querida necessidade de toda a alma cristã.

No mesmo capítulo, tratando do culto prestado aos santos, diz Escobar, de acordo com seus patronos, que "homens santos, enquanto não forem canonizados, podem ser venerados e adorados com um culto privado, mas não público".

Diz ainda que "Agnus Dei feitos de cera devem ser adorados da mesma forma que a imagem de Jesus; mas é proibido, sob pena de excomunhão, pintá-los com alvaiade, ouro ou outras tintas."

Pascal, como católico, admitia a veneração dos santos, mas não a adoração; muito menos a adoração de uma figura de cera, uma vez que a adoração é devida a Deus somente. Escobar e seus patronos teológicos não vêem pecado na adoração de uma figura de cera, mas pecado gravíssimo, crime horrendo, em pintar esses ídolos, porque, neste caso, podia ser que fosse adorado o alvaiade, o ouro ou outra tinta profana, e não a cera sagrada.

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Entretanto, a posição inimiga contra a qual o austero eremita assestou a artilharia pesada da sua arrasadora dialética e tremenda sátira foi a famosa "restrição mental" ensinada por quase todos os moralistas, e que equivale praticamente a uma verdadeira mentira; e, mesmo que não fosse pecado, seria em todo o caso o sepulcro da sinceridade e o assassino do caráter. "Seja o vosso falar um simples sim, um simples não, diz o divino Mestre, o que passa daí vem do mal." Escobar e seus 24 doutores da Companhia de Jesus arvoraram-se em estrênuos paladinos da "restrição mental", que é na realidade uma engenhosa iniciação na "arte de mentir". Para comprovação, vejamos alguns espécimes dos produtos dessa fábrica:

l — No "Exame Terceiro" do referido livro, tratando do juramento e da blasfêmia, escreve o douto compilador das opiniões de duas dúzias de eminentes teólogos da Companhia de Jesus:

"No juramento, não é mau em si mesmo dar às palavras um sentido diferente daquele que elas têm em si mesmas; muitas vezes, porém, pode ser pecado. É permitido, quando as palavras são ambíguas. Se a ambiguidade não está nas palavras, mas apenas no pensamento de quem jura, é sentença provável ser ilícito esse juramento; mas é sentença mais provável que seja lícito."

Será isto Cristianismo'?

"Ê permitido induzir alguém a jurar falso, quando ele, por ignorância, julga ser verdadeiro? O P. Hurtado (um dos 24 Jesuítas) responde que sim, porque o que jura não peca, ao passo que a matéria do juramento em si é, neste caso, antes boa que má; pois o juramento é um ato de religião pela glória de Deus."

Não é fácil descobrir com que artes mágicas conseguiram Escobar e Hurtado harmonizar essa liceidade do juramento com aquilo que Jesus diz em MT. 5,22 ss: "Ouvistes que foi dito: Não jurarás falso!. .. Eu, porém, vos digo: Não jureis de forma alguma! seja o vosso modo de falar um simples sim, um simples não — o que passa daí vem do mal."

"Sanchez (um dos 24 moralistas) afirma que se pode fazer um juramento que pelos circunstantes seja entendido no sentido comum, mas pelo que jura tenha secretamente outro sentido". E exemplifica: "Se o vendedor, segundo sentença provável, acha que o preço de uma mercadoria é injusto, pode vendê-la com peso falso, ou de outro modo conservar-se indene dessa injustiça; e se for sobre isto interrogado pelo juiz, pode negar tudo com juramento, pensando lá consigo mesmo que não agiu injustamente."

"Uma mulher adúltera interrogada por seu marido se adulterou, pode negá- lo com juramento, subentendendo consigo mesma, por exemplo, que não o fez num dia diferente daquele que seus acusadores supõem."

"Alguém que vem de um lugar tido como pestoso pode jurar que não vem desse lugar, subentendendo como sendo um lugar pestoso."

Assim ensinaram Sanchez e outros — e chamam isto "moral cristã"...

Pergunta-se se é pecado mortal jurar, por justa causa e com palavras ambíguas, por exemplo: "o príncipe está na corte", subentendendo consigo mesmo "em pintura”? O Jesuíta Lessius, citado por Escobar, acha que é ilícito; o Jesuíta Sanchez acha mais provável não ser pecado mortal, a não ser que daí resulte grave prejuízo para terceiros, ou o juramento seja exigido oficialmente pelo juiz; porquanto, 'diz Sanchez, "trata-se apenas de um erro de distinção; mas um juramento assim, onde há apenas um erro de distinção, não passa de pecado venial".

2 — No "Exame Sétimo" trata Escobar das leis, sobretudo em relação com o quinto mandamento e o pecado do homicídio.

Pergunta: "Sabendo eu que uma falsa testemunha ou um acusador injusto pretende publicar, de encontro à justiça legal, um crime verdadeiro, mas oculto, é- me lícito 'matá-lo, se da acusação receio sentença de morte ou grande prejuízo material?”

Opina o Jesuíta Banez "que é lícito, no caso que o acusador, previamente admoestado, não desista do seu intento, e se para o culpado não há outra possibilidade de escapar ao castigo".

Pergunta: "Posso matar alguém que quer apoderar-se dos meus bens?"

Resposta: "Pode, com o fim de evitar notável prejuízo, uma vez que os bens materiais são meios para a conservação da vida, da honra e do estado de vida."

O Jesuíta Molina estende esta permissão de matar também aos clérigos. Tanner inclui também os monges, embora estes não possuam propriedade senão em comum. Entretanto, não é lícito matar o ladrão por uma coisa de pouco valor, por exemplo, um florim, segundo diz Molina (Vol. I pg. 122, § 43, 44).

Prossegue Escobar:

"Uma vez que é permitida a todo homem, em defesa de sua honra e com a devida moderação, matar a outrem, pergunta-se se é lícito ao monge matar o caluniador que contra sua Ordem espalha graves acusações? Amicus, cujos oito volumes De Cursu Theologico só nos últimos tempos me chegaram às mãos — diz Escobar — não ousa aderir à sentença afirmativa, para não contrariar a opinião comum, mas reforça aquela com um argumento, dizendo: "Se a um leigo, para salvaguardar a sua honra e seu bom nome, é lícito matar, por maioria de razão parece ser lícito a um clérigo e monge; porquanto, os votos, a sabedoria e virtude, de que nasce a honra do clérigo, são bens maiores do que a habilidade no manejo das armas, em que se baseia a honra do leigo. De resto, uma vez que aos clérigos e monges, em defesa de sua fortuna, é lícito matar o ladrão, se não houver outro meio, o mesmo também será lícito em defesa da sua honra." (§ 46).

"Quando um homem da nobreza recebe de alguém uma bofetada, pode matar o ofensor? O Jesuíta Lessius responde que sim, porque para algumas classes é considerado suprema vergonha receber bofetadas ou pauladas sem se vingar."

"Entretanto — diz Escobar — eu por mim limito esta sentença aos nobres, porquanto, para os burgueses não é grande vergonha receberem bofetadas e pauladas."

E acrescenta: "Muitos afirmam que é lícito perseguir e matar o homem que, depois de dar bofetada, foge, a não ser que disto se receie, para o Estado, excessivo

derramamento de sangue. A honra, à guisa de um bem roubado, não pode ser recuperada, se o desonrado não der prova de maior excelência, e assim reconquis- tar o respeito perante os homens; pois, não é que um homem esbofeteado é tido por um homem sem honra, enquanto não matar a seu adversário ?"

Será que Escobar e seus 24 Jesuítas leram alguma vez o que Jesus disse, segundo o Evangelho de São Mateus, 5,38 ss: "Tendes ouvido que foi dito, olho por olho, dente por dente. Eu, porém, vos digo: Não vos oponhais ao malévolo! Mas, quando alguém te ferir na face direita, apresenta-lhe também a outra... Se alguém pleitear contigo em juízo para te roubar a túnica, cede-lhe também a capa... Amai os vossos inimigos, e fazei bem aos que vos fazem mal, para serdes filhos do vosso Pai celeste"... Esses moralistas ensinam diametralmente o contrário, e fazem crer a seus penitentes que isto é "moral cristã". Se um homem "nobre", depois de ofendido, tem de provar a sua "maior excelência" vingando a injúria, ao ponto de matar o ofensor, não estará abolido radicalmente todo o espírito do Cristianismo? Não equivale isto a uma recaída aos tempos da primitiva ética de Israel, quando vigorava a "moral": "Olho por olho, dente por dente"? Que é "honra"? Que é "desonra'"? É o conceito variável e incerto que os homens têm de nós? — ou é aquilo que nós somos diante de Deus e da nossa própria consciência l.. Compreende-se a indignação de um intransigente discípulo do Evangelho como Pascal em face dessa imoralidade dos moralistas arvorados em mentores do povo católico. "Eis aí os homens que tiram os pecados do mundo!"

Se Pascal, sabendo de tudo isto, sabendo que livros dessa natureza, aprovados pela competente autoridade eclesiástica, inundavam o país em dezenas de edições e serviam de guias espirituais para as almas, não abandonou o catolicismo nem se revoltou contra a Igreja como tal, é sinal de que ele tinha de Catolicismo e Igreja conceito incomparavelmente mais alto e puro do que o comum dos católicos, que identifica a Igreja com os seus eventuais representantes humanos.

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Continuaremos a ler a grande obra do P. Antônio Escobar y Mendoza "Liber Theologiae Moralis". Onde ele trata do quinto mandamento e do homicídio, escreve:

"Uma mulher está para cometer suicídio a fim de escapar à desonra da gravidez; é permitido sugerir-lhe o aborto? O cardeal De Lugo responde que sim, se de outra forma não for possível dissuadi-la do seu intento; pois isto não é induzi-la ao mal, mas apenas dar-lhe a escolha de um mal menor." Quer dizer que, segundo o conhecido teólogo cardeal De Lugo, pode-se aconselhar aborto e infanticídio para evitar suicídio — fantástica essa "moral"! Prossegue Escobar:

"É permitido declarar guerra a um povo pagão, ou em geral, não-cristão, sobretudo quando este obsta à pregação do Evangelho." Foi o que Mussolini fez com a Etiópia, a fim de evangelizá-la — à força de canhões e metralhadoras, embora esse país não fosse pagão. Esse senhor Benito Mussolini deve ter sido um fervoroso católico, segundo Escobar e companhia.

"É permitido ao nobre aceitar duelo para defender a sua nobreza e suas dignidades, como também para salvar bens materiais."

3 — "Exame Undécimo". Sobre as leis em particular, com relação ao primeiro mandamento da Igreja, de ouvir Missa.

Neste capítulo ensina Escobar e seus patronos o seguinte: Para satisfazer à obrigação de ouvir Missa é necessária a presença corporal do sujeito, moralmente considerada, assim que ele possa ver o que acontece, e que tenha ao menos a intenção virtual de ouvir Missa. Não obsta que com esta intenção coexista outra, como seja, por exemplo, a de "olhar libidinosamente para as mulheres" (sic) contanto que não exclua a intenção dirigida para as coisas e atos sagrados.

"A presença corporal é necessária, mas aconselha-se também a presença espiritual. Hurtado e Coninck afirmam que a presença corporal é suficiente, para satisfazer a obrigação de ouvir Missa, ainda que se esteja espiritualmente distraído."

No intuito de facilitar o mais possível a "vida espiritual", dão esses moralistas as seguintes diretivas:

"É permitido, para satisfazer essa obrigação, ouvir ao mesmo tempo duas metades de duas Missas, contanto que essas metades não sejam iguais; isto é, por exemplo, quando uma Missa está em princípio, e a outra está no meio. Se alguém tem obrigação de ouvir três Missas, pode ouvi-las todas ao mesmo tempo se três sacerdotes celebrarem simultaneamente."

O Deus desses moralistas, como se vê, é muito camarada. Resta apenas saber se esse Deus é o Deus de que Jesus Cristo nos fala no Evangelho. . . Se esse Deus-camarada aceita duas metades de Missa diversas, para não debitar pecado mortal ao católico domingueiro, porque não aceitaria também três terços, quatro quartos, dez décimos, e outros inteiros fracionados — ele, que é perfeito matemático? Desconfio, porém, que a esse mesquinho regateio e a essa moral fragmentária corresponda também um céu em prestações fracionadas — se é que há céu para semelhante traficância...

Continua Escobar, apoiando seu colega Filufius:

"Se um sacerdote é pago por alguém para celebrar Missa, pode, contudo ceder a um terceiro, por dinheiro, a parte do sacrifício e seus méritos que tocaria ao celebrante; não pode, porém, ceder-lha como sacrifício inteiro, mas cerca de um terço." O mérito ex opere operato - diz alhures — pertence sempre integralmente àquele que pagou a Missa.

Para que o leitor não formado em teologia compreenda essa traficância sagrada, patrocinada por Escobar e seus 24 insignes doutores, convém saber que, segundo a doutrina católica romana, há na celebração da Missa um mérito chamado ex opere operato, e outro denominado ex opere operantis. O primeiro, dizem os moralistas, cabe sempre, integralmente, ao dono da Missa (para usar de linguagem pitoresca e intuitiva do nosso povo), àquele que a encomendou e pagou; este valor é considerado como algo inteiriço e indivisível, razão por que deve ser cedido inteiramente a quem adquiriu direito sobre a Missa mediante pagamento. Do outro valor, porém, pode o celebrante dispor livremente, pode ficar com ele e pode também cedê-lo a outrem, gratuitamente, ou contra pagamento, isto é, pode vender esse quinhão sagrado que lhe toca. Para ilustrar e concretizar a idéia de Escobar e seus exímios moralistas, diríamos que eles consideram a Missa como constante de duas partes distintas: uma espécie de medula ou caroço (ex opere operato), e uma espécie de polpa ou casca (ex opere operantis). O caroço é sempre indivisível, ao passo que a casca pode ser dividida à vontade, e podem os seus fragmentos ser vendidos a fregueses diversos. Se lá em cima, no reino de Deus, é ratificada semelhante diplomacia comercial — isto é outra questão! Em todo o caso, cá embaixo ela é válida — e é o que interessa aos ditos moralistas.

Pascal, como fervoroso católico, desencadeou sobre essa caricatura de catolicismo as vagas salgadas da mais tremenda sátira do seu grande Espírito.

Prossegue Escobar:

"Se a hóstia for devorada por um animal, deve ela, possivelmente, ser extraída do corpo dele e conservada; o animal, porém, deve ser queimado, e suas cinzas ser lançadas à piscina."

4 -"Décimo Terceiro Exame Sobre o quarto mandamento da igreja concernente ao jejum".

"Tudo que é bebida não quebra o jejum, nem o vinho, mesmo quando condimentado com especiarias da índia. Quando tomado em excesso, é pecado contra a temperança (mas não quebra o jejum)."

Chocolate, segundo Escobar, é bebida, podendo, pois, sem escrúpulos, ser tomado em qualquer quantidade pelo devoto jejuador, bem como vinho; não quebram o jejum (1). Assim, corno o leitor vê, é uma delícia jejuar, por tempo

indefinido, sem possuir os segredos de Gandhi, e passar, ainda por cima, por um grande asceta.

5 — "Décimo Sexto Exame. Sobre a dispensa como privilégio".

Segundo Hurtado, pode o Papa, por justo motivo, permitir o matrimônio entre irmão e irmã, embora seja isto proibido por lei divina. Assim por exemplo — expõe Escobar — se o rei da Espanha não tivesse possibilidade de contrair matrimônio digno dele senão com uma herege ou pessoa suspeita de heresia, de que resultasse perigo que o reino fosse contaminado, poderia o Papa conceder-lhe a devida dispensa para casar com sua própria irmã, sobretudo se ela não fosse filha da mesma mãe (Exame 16, § 44, pág. 238).

(1) Trata-se aqui do jejum quaresmal, e não eucarístico.

Segundo todos os moralistas da época é o cristão proibido de comprar mantimentos ou outras mercadorias aos turcos ou infiéis; só é permitido em tempo de grave carestia.

Jesus Cristo, que comia "com publicanos e pecadores", como diz o Evangelho, e aceitava sem escrúpulos alimento dos pagãos da Decápole e dos hereges da Samaria, evidentemente ignorava a moral cristã que seus futuros discípulos iam descobrir, abolindo ao mesmo tempo uma boa dezena de pecados reais e gravíssi- mos...

6 — "Sexto Tratado. Exame quinto. Das indulgências".

"Quem dá esmola à qual esteja anexa uma indulgência — diz Escobar — mesmo que o faça parcialmente por vangloria, não deixa por isso de lucrar a indulgência."

"Quem morre imediatamente depois de lucrar penitência (indulgência) plenária, vai direto ao céu."

"O purgatório é um lugar nas entranhas da terra. Também o inferno está situado no interior da terra. É esta a opinião geral dos doutores, e mesmo doutrina certa da Igreja, de maneira que é temerário negá-la. O lugar do purgatório fica acima do inferno, e o fogo é o mesmo que o do inferno."

É pena que esses doutores não tenham sido convidados para chefiar uma expedição científica para o interior da terra - tanto mais que sua grande santidade os teria imunizado contra quaisquer surpresas diabólicas!... Semelhante teologia de jardim de infância é um dos melhores meios para atrair o ridículo sobre a religião c afugentar da Igreja todos os homens pensantes e sérios.

"Para aplicar uma indulgência a um defunto, por meio de certa obra, não é necessário que se esteja em estado de graça, porque o efeito das indulgências vem

das satisfações de Jesus Cristo e dos Santos; as obras impostas são apenas necessárias como condição. Por isto não importa que sejam feitas em estado de pecado. Lucra-se a indulgência, ainda que as boas obras a que estão anexas sejam obras más no respectivo indivíduo." (pág 849-50).

7 — "Tratado sexto. Exame nono. Do Matrimônio".

"O pagão que se torna cristão pode abandonar sua esposa, se esta se negar a fazer o mesmo; e pode casar com outra. Se alguém se converte em Madrid e lhe é difícil buscar sua mulher na África ou na América, pode calar o fato e casar de novo."

"Benigno, grande senhor feudal, casou com Isabel, filha de um dos seus colonos e vassalos, segundo o rito da Igreja, mas com intenção fraudulenta, isto é, sem consentimento interno. Depois de viver alguns dias maritalmente com Isabel, declara ao pároco que não teve intenção de a tomar por esposa, provando-o pelo conteúdo de uma carta que, em vésperas do casamento, entregara, fechada, ao pároco. Que deve fazer o pároco ?

Resposta: Ainda que Benigno seja culpado diante de Deus pelo fato de ter enganado a Isabel e haver cometido sacrilégio, concordam contudo os teólogos em que, num caso desses, um homem de tão desigual posição e de tão superior condição social à da jovem, não pode em absoluto ser obrigado a renovar o seu consentimento

No documento Pascal (páginas 40-49)