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NATURALISMO CIENTÍFICO

No documento nancy-pearcey-verdade-absoluta.pdf (páginas 82-90)

O QUE HÁ NUMA COSMOVISÃO?

NATURALISMO CIENTÍFICO

Os Seres Humanos São Máquinas

Agora entendemos por que Schaeffer intitulou um de seus livros de A Morte da

Razão. Esta é a grande perda intelectual de nossos tempos: que muitos são forçados a

depender todas as esperanças de dignidade e significado de um reino do pavimento de cima, o qual consideram não-cognitivo e inverificável.

GUERRA DE COSMOVISÕES

Para mostrar como é comum este padrão, consideremos mais alguns exemplos. Marvin Minsky, colega de Pinker no MIT, é famoso por sua frase facilmente lembrada de que a mente humana nada mais é que "um computador de um quilo e trezentos gramas de carne". Mas no livro A Sociedade da Mente, ele também dá um salto de fé. "O mundo físico não fornece espaço para a liberdade da vontade", escreve ele. E mesmo assim, esse conceito é essencial a nossos modelos do reino mental. Grande parte de nossa psicologia está baseada nesse reino para que jamais o abandonemos. [E assim] Somos praticamente forçados a

defender essa crença, mesmo que saibamos que é falsa".24

Trata-se de declaração espantosa. Pelo fato de as pessoas terem sido feitas à imagem de Deus, elas não podem deixar de crer em coisas como a liberdade humana. Baseando-se na filosofia materialista, elas "sabem" que essas idéias são falsas. O pavimento de cima foi reduzido a um reino de ilusões falsas, mas necessárias.

O filósofo John Searle afirma que há dois quadros do universo que "de fato estão em guerra" um com o outro. A ciência desenha um quadro do universo como uma máquina enorme e regular, e de comportamento segundo a lei. Mas a experiência cotidiana desenha um quadro de seres humanos como agentes capazes de tomar decisão consciente e racional. Esta experiência universal é tão coagente, diz Searle, que "não podemos abandonar a crença que temos em nossa liberdade, embora não haja base para isso".25 Não há base, quer dizer,

dentro do materialismo científico.

O que Searle está dizendo é que ele tem de dar um salto ao pavimento de cima, onde ele crê em coisas mesmo que não haja base racional para elas.

Esta é a tragédia da era pós-moderna: as coisas que são mais importantes na vida — liberdade e dignidade, significado e significância — foram reduzidas a nada mais que ficções vantajosas. Pensamento tendencioso. Misticismo irracional.

SUA COSMOVISÃO É MUITO PEQUENA

A chave para entender a dinâmica dos dois pavimentos é reconhecer a relação simbiôntica entre eles. É porque o pavimento de baixo foi definido em termos de naturalismo científico que "não há base" para crenças no pavimento de cima. O naturalismo conduz a um modelo mecanicista e determinístico da natureza humana que reduz idéias como liberdade e dignidade a ficções vantajosas. Poderíamos dizer que é porque o modernismo está no pavimento de baixo que o ceticismo pós-moderno assumiu o comando do pavimento de cima.

Sempre que ouvimos a expressão "reinos separados", estejamos certos de que um deles receberá o status de verdade objetiva, ao passo que o outro é degradado à ilusão particular. Desde o Iluminismo, o reino do fato vem ampliando seu território continuamente no reino do valor, até que pouco ou nada reste do seu conteúdo. Foi reduzido a palavras vazias que meramente expressam nossos desejos e fantasias irracionais, sem base na realidade conforme o naturalismo científico a define. Usando termos gráficos, Schaeffer adverte que o pavimento de baixo "come" o pavimento de cima, dissolvendo todos os conceitos tradicionais de moralidade e significado.26

Esta não é mera análise intelectual. Estamos falando sobre uma divisão que separa a vida interior da pessoa, criando enorme tensão. Quando evangelizamos indivíduos que aceitaram um campo dividido de conhecimento, temos de pressioná-los a enfrentar com honestidade a realidade terrível desta divisão pontiaguda que percorre o mundo do seu pensamento. O próprio fato de que as pessoas têm de dar um salto de fé mostra que o naturalismo científico que aceitaram no pavimento de baixo não é uma cosmovisão adequada. Não explica a natureza humana como todos a experimentam — nem como eles mesmos a experimentam.

Quando a cosmovisão é muito "pequena", sempre há elementos na natureza humana que não se ajustam ao paradigma. É como enfiar uma pessoa numa lata de lixo (segundo a analogia de Schaeffer) — um braço ou uma perna sempre fica de fora. 7 Os partidários do naturalismo científico reconhecem que na vida cotidiana eles têm de mudar para um paradigma diferente. Isso deve lhes dizer algo. Afinal de contas, o propósito da cosmovisão é explicar o mundo, e se não explica parte do mundo, então há algo errado com ela.

"Embora o homem diga que não é mais que uma máquina", escreve Schaeffer, "sua vida interior o nega."28

No evangelismo, nossa tarefa é colocar as pessoas cara a cara com esta contradição — entre o que a pessoa diz que acredita e o que sua vida inteira está lhe dizendo. O evangelho se torna de fato boas novas: a doutrina de que fomos criados à imagem de Deus dá fundamento sólido para a liberdade humana e significação moral. Não temos de recorrer a saltos irracionais para o pavimento de cima. Dado o ponto de partida de um Deus pessoal, nossa própria personalidade é inteiramente explicável. Já não "fica de fora da lata de lixo". A cosmovisão cristã proporciona base firme para os mais elevados ideais humanos.

Agora podemos entender por que é tão importante não pôr o cristianismo no pavimento de cima, porque então não teremos nada a oferecer às pessoas presas na

dicotomia de dois pavimentos. Estaremos oferecendo apenas mais uma experiência

irracional do pavimento de cima — "verdade para mim", mas não universal e objetivamente verdadeiro.Temos de insistir em apresentar o cristianismo como uma cosmovisão abrangente e unificada, que trata de todos os aspectos e áreas da vida e da realidade. Não é somente verdade religiosa, mas verdade absoluta.

"FATOS"IMPERIALISTAS

A dicotomia fato/valor nos dá as ferramentas para explicar numerosas tendências culturais e intelectuais. Por exemplo, tomemos o processo do reducionismo, ou o que Schaeffer denominou o pavimento de baixo "corroer" o de cima. Em nossos dias, este processo está bem adiantado. Se o pavimento de cima é tradicionalmente o reino para o espírito ou a alma — ou, como dizem os modernistas, o self—, hoje estes conceitos estão sob pesado bombardeio da ciência cognitiva (a filosofia da mente). Na melhor das hipóteses, nosso senso de self é considerado subproduto acidental da interação de partículas. "O mundo físico é um lugar perfeitamente natural", escreve Searle. "Consiste em partículas organizadas em sistemas, alguns dos quais evoluíram em consciência e intencionalidade."29 Quer dizer, você e eu somos meras partículas que de alguma maneira evoluíram até formar uma consciência e um senso de identidade pessoal.

Muitos materialistas científicos até afirmam que o self absolutamente não existe, que não há um "eu" central que reside no corpo e toma decisões, assume opiniões, ama e odeia. A teoria computacional popular da mente fragmenta-se em uma ordem de módulos evoluídos de forma independente — um conjunto de computadores cada um dos quais executando uma função altamente especializada. Em um recente foro público, Pinker argumentou que o conceito de um self unificado é pura ficção:"É mera ilusão que haja um presidente em seu gabinete do cérebro que vigia a atividade de todas as coisas".30 De forma apropriada, o foro tinha o título: "A Ciência Está Matando a Alma?"

Certa escola filosófica chamada materialismo eliminatório chega a ponto de rejeitar a consciência, reputando-a como algo ilusório. Os proponentes insistem que os estados mentais não existem, e exortam que substituamos a linguagem sobre crenças e desejos por declarações sobre o mecanismo físico do sistema nervoso — a ativação de neurônios e coisas assim.31 Searle sugere que descrevamos o produto dos processos mentais como "mentação", da mesma maneira que o produto dos processos digestivos é digestão. Podemos

pensar que agimos deliberada e conscientemente, mas na realidade o cérebro age por conta

própria, e depois nos engana, fazendo-nos pensar que agimos de modo intencional. Daniel Wegner, psicólogo de Harvard, escreveu um livro com o título The Illusion of Conscious

Will (A Ilusão da Vontade Consciente), no qual demonstra que as forças inconscientes

Contudo, na verdadeira forma kantiana, até os materialistas eliminató-rios admitem que o conceito de self ainda é uma ficção conveniente — uma ficção que, na prática, não podemos dispensar. Como escreve Wegner, ainda que nossas ações sejam produzidas por forças inconscientes, o sentimento de uma vontade consciente é uma ilusão vantajosa, porque nos ajuda a determinar quem fez o quê, para que aceitemos responsabilidade moral por nossas ações (embora na verdade não escolhemos fazê-las).

Está reconhecendo o salto de fé? O naturalismo científico exclui a existência objetiva da vontade consciente; mas na experiência cotidiana não podemos nos dar bem sem ela. E assim é lançada no pavimento de cima com outras ficções vantajosas.

Em tendência semelhante, o filósofo Daniel Dennett afirma que a linguagem acerca de propósitos, intenções, sentimentos e assim por diante não pertence à ciência, mas ao que ele denomina "psicologia popular" — a linguagem do discurso cotidiano. No entanto, isso é quase indispensável. Predizer com acerto o comportamento das pessoas é muito mais seguro se pensarmos nelas "como se" tivessem crenças, desejos e propósitos, do que se presumíssemos que elas são mecanismos físicos. (É mais fácil predizer que Sally irá à geladeira, se soubermos que ela quer um copo de leite e acredita que o leite está na geladeira.) Mas essa frase kantiana "como se" é unia denúncia certeira de que Dennett está descrevendo o conceito do pavimento de cima — conceito que é vantajoso, mas tecnicamente falso. Certo filósofo diz que a psicologia popular é vantajosa se mantermos em mente que é, "no sentido exato ou em certo sentido, um modo falso de ver as coisas".33

Não há dúvida de que o reino dos fatos ficou cada vez mais agressivamente imperialista e em pouco tempo colonizou o reino dos valores, reduzindo os conceitos tradicionais do self e da responsabilidade moral a ficções convenientes.

CONFLITOS UNIVERSITÁRIOS

A dinâmica entre o pavimento de cima e o de baixo leva à hostilidade franca entre os representantes dos dois lados. No campus universitário de hoje, o antagonismo entre eles é quase palpável. No lado dos fatos em universidades, nas ciências físicas, um ideal de conhecimento objetivo ainda detém o controle. Muitos cristãos que freqüentam universidades seculares podem contar histórias horripilantes sobre professores darwinistas que ridicularizam os alunos por crerem em Cristo. Em contrapartida, no lado dos valores em universidades, nas ciências humanas e ciências sociais idéia de verdade objetiva há muito ficou obsoleta, e o subjetivismo domina na forma de pós-modernismo, multiculturalismo, desconstrutivismo e justeza política. Dizem-nos que a verdade é relativa a comunidades interpretativas particulares, e que as afirmações do conhecimento são, na melhor das hipóteses, construções sociais e, na pior das hipóteses, nada mais que jogos de poder. Quando eu era estudante universitária, o desafio mais difícil para minha fé recentemente encontrada ocorreu em uma aula de sociologia: a suposição do relativismo era tão influenciadora que foi difícil manter esperança na simples possibilidade da verdade objetiva, sem falar na crença de que só o cristianismo era a verdade. Em recente pesquisa de opinião pública da Zogby, 75% dos universitários americanos prestes a concluir o curso disseram que os professores ensinam que não há a divisão entre certo e errado em sentido universal ou objetivo — "o que é certo e errado depende das diferenças em termos de valores individuais e diversidade cultural".34

Poderíamos explicar os conflitos universitários dizendo que à medida que o reino dos

fatos fica cada vez mais imperialista, o reino dos valores reage. Os pós-modernistas visam

aos conceitos iluministas de racionalidade e ciência para desmascará-los como expressões do poder ocidental, branco e masculino. Na álgebra feminista, a linguagem comum de

"atacar" problemas matemáticos é denunciada como ato opressivo e violento. Na biologia feminista, o conceito de DNA como a"molécula-mestre"que dirige as atividades das células é denunciado como produto do preconceito masculino. O próprio método científico é criticado por incorporar conotações machistas de domínio e controle masculino, o que justifica o "estupro da terra". A feminista Sandra Harding é notória por sugerir que os princípios da mecânica de Newton deveriam ser chamados de o "manual de estupro" de Newton.35 As mulheres têm apresentado novas perspectivas úteis para a erudição, mas aqui estou falando sobre um feminismo radical e ideológico que trabalha falsamente com o pós- modernismo e o multiculturalismo para ridicularizar a própria idéia de racionalidade e objetividade.

Por que estes movimentos são impulsionados por tamanha hostilidade ao racionalismo ocidental? E importante recordar que o surgimento da linguagem científica do Iluminismo põe não só a religião na defensiva, mas também as artes e as ciências humanas. Tradicionalmente, as artes foram consideradas expressão da verdade. Embora façam uso do mito e da metáfora, as artes transmitem verdades profundas sobre a condição humana No Iluminismo, porém, os críticos racionalistas passaram a denunciar as artes. Argumentavam que a poesia e conto de fadas — com unicórnios e dragões, monstros e fadas — eram nada mais que ilusões prejudiciais. O "verdadeiro mundo" revelado pela ciência foi contrastado com o "falso mundo" inventado pelos poetas e pintores.

"A ciência persuadira os inteligentes de que o universo era nada mais que a interação mecânica de partículas de matéria sem finalidade", escreve o historiador Jacques Barzun. Em conseqüência disso, "pessoas pensativas dos anos noventa [década de 1890] disseram para si mesmas com toda a seriedade que já não deviam admirar um pôr-do-sol. Era nada mais que a refração de luz branca por partículas de pó em camadas de ar de densidade variável". 6 Justamente por isso, por que pintar um pôr-do-sol? Estaria pintando apenas uma ilusão. Na melhor das hipóteses, a arte não passava de uma falsidade agradável, uma mentira nobre.

Quando as artes perderam status e prestígio, os artistas e escritores se acharam à deriva, sem sua função histórica na sociedade. Muitos reagiram partindo para a ofensiva, atacando a ciência mecanicista e a sociedade industrial que eles consideraram desumanizadoras e que tornara suas condições tão precárias.37 Hoje, continuam buscando solução demonstrando a superioridade de seu novo ferramental analítico de análise e desconstrução literária. E por que não aplicar estas ferramentas na área sacrossanta da ciência? Se todos os textos podem ser desconstruídos, o que torna os textos científicos imunes a esse processo?

Testemunhei há muitos anos altercação fascinante numa conferência realizada na Universidade de Boston sobre ciência e pós-modernismo. Os filósofos pós-modernistas começaram argumentando que "não há metanarrativas", querendo dizer que inexistem verdades abrangentes e universais. Respondendo em nome dos cientistas, Steven Weinberg, ganhador do Prêmio Nobel da Física, disse:"Mas claro que há metanarrativas. Afinal de contas, há a evolução, que é uma enorme metanarrativa do Big Bang para a origem do sistema solar e da vida humana. E visto que a evolução é verdadeira, prova que há pelo menos uma metanarrativa".

Diante disso, os filósofos pós-modernistas responderam, sempre muito educadamente: "Esta é apenas a sua metanarrativa". Disseram que a evolução é somente um construto social, como todos os outros esquemas intelectuais — uma criação da mente humana.

sociais relativísticos e presos à cultura. Além disso, age em nome da "libertação" dos bens inalienáveis do racionalismo e da sociedade impessoal e industrializada que o racionalismo produziu. Até irracionalidade pura, às vezes, é retratada como fuga da "máquina" naturalista do pavimento de baixo. Isto explica a celebração da irracionalidade que testemunhamos na cultura de drogas dos anos sessenta, no movimento da Nova Era dos anos setenta e no pós- modernismo de hoje. Em 1978 um artigo do New York Times comentou que a Califórnia foi o primeiro Estado a mudar "do aço para o plástico, do hardware para o software, do materialismo para o misticismo, da realidade para a fantasia".38 Misticismo? Fantasia? Exemplo atordoante de pós-modernismo romântico oferecido como alternativa redentora ao impacto mortal do materialismo.

A medida que o pavimento de baixo fica cada vez mais naturalista e mecanicista, o pavimento de cima compensa ficando cada vez mais irracional e fantasioso. O vôo da lógica e racionalidade foi adotado como fuga para uma experiência de maior significado.

SOBRAS DO LIBERALISMO

A mudança para uma opinião da verdade em dois pavimentos também ajuda a explicar o surgimento da teologia liberal. O liberalismo pode ser difícil de determinar, porque cada teólogo retém fragmentos diferentes da doutrina cristã histórica. Um aceita que Jesus era divino, enquanto o outro nega. Um aceita a realidade da ressurreição, ou o nascimento virginal, ou os milagres de Jesus, enquanto o outro nega. E assim por diante. Por muito tempo, os teólogos conservadores tentaram opor-se ao liberalismo • passando apressadamente em pontos doutrinários discutíveis, ponto por ponto. Mas um modo muito mais eficiente de criticar o liberalismo é expor-se à sua epistemologia (teoria da verdade). A falha crucial no liberalismo é que adota o conceito da verdade em duas camadas. Aceita um relato naturalista da ciência e da história no pavimento de baixo, e relega a teologia ao pavimento de cima, onde é degradado à experiência pessoal e não-cognitiva.

Isto explica por que os teólogos liberais insistem que a Bíblia está cheia de enganos. Afinal de contas, a ciência e a história naturalista decretam que milagres e outros acontecimentos sobrenaturais são impossíveis. Convencidos de que têm de se acomodar ao naturalismo, os liberais negam os elementos sobrenaturais da Bíblia ou os traduzem em termos naturalistas. Por exemplo, certo ministro irlandês escreveu recentemente um artigo dizendo que "há possíveis explicações naturais" para todos os milagres bíblicos: "Uma explicação natural do milagre da multiplicação é ue as pessoas da multidão, movidas pelas palavras de Jesus, compartilharam de modo tão eficaz e generoso o pouco que tinham que bastou para todos". De forma surpreendente, o ministro pretendia que isso fosse uma Mesa do cristianismo contra os detratores científicos. Cheio de esperança, conclui:"Pense nisso, pode dar certo".4 Duvido que os oponentes científicos tenham ficado impressionados.

Depois de aceitar o naturalismo no pavimento de baixo, a teologia liberal tenta reconstruir uma nova forma de cristianismo estritamente no pavimento de cima, sem qualquer raiz na natureza ou história. "Criação" não é algo que Deus fez; é mero termo simbólico para descrever nossa dependência de Deus. "Queda" não foi um acontecimento histórico; é mero símbolo de corrupção moral penetrante. "Redenção" diz respeito a um senso de significado e propósito, não tendo nada a ver se o túmulo de Jesus estava vazio como fato histórico. A teologia que sobra depois deste processo é tão tênue que o liberalismo tem de se servir da estrutura interpretativa de outra fonte: do existencialismo (neo-ortodoxia), ou do marxismo (teologia da libertação), ou do feminismo (teologia feminista), ou do processo de pensamento (teologia do processo), ou do pós-moder-nismo. As categorias cristãs são reinterpretadas em termos desta estrutura conceituai externa.

A característica definidora do liberalismo não está nos detalhes de sua interpretação bíblica, mas em sua visão da verdade em dois reinos. O liberalismo arranca o cristianismo de suas raízes no fato histórico e o lança no pavimento de cima, onde é degradado a símbolos subjetivos e metáforas sem significado. Na prática, torna-se pouco mais que a janela espiritualizada ajustada a um outro sistema de pensamento mais significativo.

Esta segmentação do conceito da verdade é de todo alienígena ao cristianismo histórico que ensina que as verdades espirituais estão firmemente arraigadas nos acontecimentos históricos. Paulo foi tão longe quanto dizer que se a ressurreição de Cristo não tivesse acontecido na história real — se não tivesse havido o túmulo vazio —, então nossa fé teria sido inútil (ver 1 Co 15). Ele até afirmou conhecer umas quinhentas pessoas que foram testemunhas oculares do fato de que Cristo estava vivo depois da crucificação. Esta declaração significava que ele tratava a verdade religiosa como suscetível aos meios habituais de verificação de acontecimentos históricos. Claro que a ressurreição não é apenas um acontecimento histórico; tem implicações espirituais profundas e de longíssimo alcance. Mas o ponto é que os dois não estão separados um do outro: um aconteci mento que não ocorreu não pode ter implicação espiritual. Os cristão ortodoxos defendem um campo unificado da verdade, porque o De que age em nosso coração também é o mesmo que age

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