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Capítulo II Metodologia

3. Natureza do estudo

Qualquer investigação, independentemente da sua natureza, assenta num eixo metodológico, segundo o qual se regem os procedimentos a adotar, sendo esta a principal preocupação dos investigadores. Galego e Gomes (2005, p. 173) sustentam que “a metodologia, o enquadramento teórico e a habilidade do investigador na construção do trabalho científico compõem o tríptico que sustenta a investigação científica”, suscitando frequentes preocupações ao investigadores aquando da definição do percurso metodológico

43 a seguir. Dentro da multiplicidade de técnicas de recolha de dados e de tratamento da informação recolhida, nem sempre é linear o percurso conducente ao estabelecimento do fio condutor investigativo, por maior que seja a experiência adquirida do investigador. A este propósito, Flick (cit. por Coutinho, 2011, p. 288) refere que aquilo que identifica uma investigação qualitativa é a sua “não linearidade”, isto é, o modelo metodológico clássico dá lugar à “interatividade em todas as fases do processo da pesquisa (problema, recolha de dados, hipótese, constituição da amostra)”, onde a “circularidade é a característica central”.

Esta investigação está centrada no estudo da representação dos professores de uma organização educativa, mais concretamente de um Agrupamento de Escolas, dotada de uma cultura própria, e sujeita a uma liderança, como toda e qualquer organização, segundo a qual se desenvolvem as ações dos diversos atores. Neste sentido, foi seguida uma abordagem qualitativa, não obstante serem também utilizadas técnicas e instrumentos de base quantitativa. Procedeu-se à recolha de informação fiável e sistemática sobre aspetos específicos da realidade social que é o Agrupamento através de um conjunto de procedimentos de base empírica, os quais tiveram como objetivo promover a inter-relação de conceitos que, por sua vez, permitem interpretar essa mesma realidade.

Segundo Bogdan e Biklen (1994),

“a grande maioria das investigações qualitativas são aquilo que se designa por investigação do

“cavaleiro solitário”, isto é, o investigador enfrenta, isoladamente, o mundo empírico, partindo só, para voltar com os resultados” (p. 108).

Tal afirmação remete-nos para o facto de, numa investigação qualitativa se procurar “compreender e explicar o mundo social a partir do ponto de vista dos atores diretamente envolvidos no processo social” (Burrel e Morgan, cit. por Afonso, 1994, p.142), pelo que utilizamos dispositivos de recolha de informação que caracterizam a perspetiva dos participantes em relação às interações sociais no contexto em estudo.

Assumindo-se desde logo como uma abordagem que carece de alguma objetividade, dado se centrar num contexto individualizado e nas representações dos atores individuais, a investigação qualitativa assenta no contexto natural enquanto fonte de obtenção de dados e informação, daí também se designar por investigação naturalista, por privilegiar a inserção do investigador num contexto real, caracterizada pelo estudo de “situações concretas

44 existentes e identificáveis pelo investigador, sem intervenção, em termos de manipulação, física e deliberada, de quaisquer variáveis” (Afonso, 2005, p.43).

Segundo Fernandes (1991, p.3), o foco da investigação qualitativa é a compreensão mais profunda dos problemas, procurando investigar “o que está ‘por trás’ de certos comportamentos, atitudes ou convicções”, sem que haja especial preocupação com a dimensão das amostras nem com a generalização de resultados.

Berger e Luckmann (cit. por Afonso, 2005), salientam a subjetividade do conhecimento sobre a realidade social, pelo que, a abordagem qualitativa, mais do que testar hipóteses e teorias, procede à descrição e interpretação de acontecimentos, de factos e de processos, não se despojando por completo da subjetividade dessas interpretações e sem se desligar dos pressupostos teóricos que funciona como “pano de fundo conceptual para a análise de dados” (Glaser e Strauss, cit. por Afonso, 1994, p.147).

Estratégia de pesquisa: estudo de caso

No âmbito da abordagem qualitativa, foi seguida a estratégia de pesquisa de estudo de caso enquanto “pesquisa empírica conduzida numa situação circunscrita de espaço e de tempo” (Bassey, cit. por Afonso, 2005, p.70), ou seja, o estudo de caso concentra-se naquilo que é singular, que é único, particular e específico de uma organização, neste caso um Agrupamento, e tem como objetivo fundamentar decisões políticas ou teorias sociológicas, permitindo assim esmiuçar aspetos relevantes do contexto da organização e formular explicações sobre o conteúdo investigado, seja através da sua construção, ou relacionando- as com perspetivas teóricas de referência.

O estudo de caso é a estratégia mais utilizada quando se pretende conhecer o “como?” e o “porquê?” de acontecimentos atuais sobre os quais o investigador tem pouco ou nenhum controlo (Yin, cit. por Coutinho e Chaves, 2002), quando o investigador detém escasso controlo dos acontecimentos reais ou mesmo quando este é inexistente, e quando o campo de investigação se concentra num fenómeno natural dentro de um contexto da vida real. Outro autor, Merriam (1998), considera que o estudo de caso é a metodologia que melhor se coaduna com a abordagem qualitativa e carateriza-se pelo seu caráter descritivo, porque o produto final é uma descrição rica do fenómeno que está a ser estudado; indutivo, porque a maioria destes estudos tem como base o raciocínio indutivo; particular, por se focar na especificidade de uma situação e num determinado contexto; heurístico, por levar à

45 compreensão do fenómeno em estudo; e holístico, na medida em que tem em consideração a realidade na sua globalidade.

O estudo de caso que fizemos enquadra-se na tipologia proposta por Stake (2007), por se tratar de um estudo de caso intrínseco, isto é, que promove um conhecimento em detalhe de uma situação no que esta tem de singular e específico, por oposição ao estudo de caso instrumental (compreensão de um problema com vista a desenvolver uma teoria explicativa) e ao estudo de casos múltiplos. Embora o investigador não possa compreender determinado caso sem que conheça outros, quando estuda uma realidade específica, concentra-se nela e tenta perceber a sua complexidade (Stake, 2007). Apesar de se poderem vir a verificar semelhanças com outros casos e situações, o estudo de caso pretende analisar e compreender aquilo que ele tem de único, particular e singular, sem que seja pretensão do investigador a generalização dos resultados. Aliás, aquele autor salienta mesmo que nos estudos de caso é raro alcançar um entendimento totalmente novo, apesar de se conseguir um aperfeiçoamento desse entendimento, ou seja, uma generalização modificada.

De acordo com Yin (cit. por Coutinho e Chaves, 2002), o estudo de caso tem vindo a ganhar popularidade crescente na investigação educativa, constatável pelo número cada vez maior de projetos de investigação que utilizam este método de pesquisa, o que se explica pela desvalorização da investigação desenvolvida sob o paradigma positivista por parte significativa da comunidade de investigadores em educação (Cohen e Manion, cit. por Coutinho e Chaves, 2002). Tal levou a que se desenvolvesse com o estudo de caso algo parecido com uma moda, dada a profusão de trabalhos que recorrem a este tipo de estudo. Tratando-se de uma investigação centrada nas perceções dos atores face a uma e só uma realidade organizacional, contextualizada, identificando representações dos professores relativamente à ao papel desempenhado pela liderança na cultura de Agrupamento, o estudo de caso parece ser a metodologia mais adequada, uma vez que neste tipo de abordagem se pretende compreender de forma profunda os problemas, isto é, conhecer a origem de certas atitudes e representações dos diferentes atores, conforme sustenta Fernandes (2002). Neste tipo de metodologia, os processos de investigação e os significados obtidos são mais importantes que os resultados ou os produtos. A abordagem metodológica deverá ser, dada a natureza do objeto em estudo, local e contextualizada, não

46 se pretendendo de modo algum produzir teorias nem explicações universais e generalizáveis a outros contextos.

O estudo das interpretações dos atores organizacionais acerca da realidade social deve ocorrer a um nível local e imediato, em que se consideram várias interpretações da realidade, tantas quantos indivíduos existem e pretendem interpretá-la. De facto, como sublinham Bogdan e Biklen (1994, p. 48), o investigador torna-se um elemento fundamental da investigação pois “frequentam os locais de estudo, porque se preocupam com o contexto. Entendem que as ações podem ser melhor compreendidas quando são observadas no seu ambiente habitual de ocorrência”, reconhecendo e fundamentando novos significados (Stake, 2007). De acordo com este autor, o investigador de caso estabelece novas ligações e torna-as compreensíveis para os outros, relacionando-as com as coisas conhecidas.

Dada a metodologia escolhida para a investigação ser qualitativa, recorrendo ao estudo de caso, serão utilizados vários instrumentos e estratégias de recolha de dados, assentes no trabalho de campo, reforçando o caráter naturalista da investigação, e, deste modo, se justificam as várias estratégias utilizadas na recolha de dados (inquéritos por questionário, “focus group”, bem como análise documental) a diversos atores educativos possibilitando uma maior compreensão da realidade a estudar.

Aqui, todas as técnicas disponíveis podem ser utilizadas, e pela conjugação de técnicas de natureza predominantemente qualitativa e quantitativa, as quais não são, por princípio, antagónicas, é possível efetuar a triangulação da informação conduzindo a uma maior profundidade e compreensão dos resultados.

No papel de investigador, procurou-se cumprir os princípios éticos partilhados pela comunidade científica, assumindo que a Escola existe, sobretudo, para cumprir o seu papel formativo e não necessariamente para ser investigada. O relacionamento com os atores escolares que foram objeto desta investigação pautou-se pela ênfase na confiança, no anonimato e na neutralidade, procurando aceder às suas diferentes racionalidades, à forma como desenvolvem os seus quadros de referência e descobrir as suas perceções face aos problemas em estudo.

É assumida a proximidade do investigador relativamente aos temas que são objeto de estudo, sendo que essa proximidade não deve, de acordo com Afonso (2005), ser arredada

47 do processo de conceptualização da investigação porquanto permitirá um distanciamento epistemológico relativamente ao objeto de estudo, colocando em causa o que parece óbvio. Este autor defende mesmo que “o investigador não surge de “mãos vazias” perante a necessidade de conceber e desenvolver o seu projeto” (Afonso, 2005, p. 50), mas deve mobilizar as aquisições que resultam da sua experiência, como mais-valias e não como limitações ao seu trabalho.