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NATUREZA JURÍDICA

No documento Direito Comercial II - Otávio Augustus (páginas 90-96)

LETRA DE CÂMBIO: ENDOSSO

2. NATUREZA JURÍDICA

Assim como qualquer declaração cambial (aval, aceite, saque, emissão), é um ato  jurídico unilateral; o endosso entra no plano da existência e da eficácia somente com a declaração de vontade de uma pessoa. É diferente da cessão, que é ato bilateral no plano da formação – na execução e das contraprestações, pode ser unilateral (se gratuita, gerando aproveitamento econômico somente para o cessionário).

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OTÁVIO AUGUSTUS CARMO

Outra característica do endosso, e das demais declarações cambiais, é a necessidade da forma escrita. É decorrência do princípio da literalidade, já abordado anteriormente. Na visão de Otávio Augustus, “título de crédito é como vinho, quanto mais velho melhor”. A “idade” do título não se refere ao aspecto temporal, mas sim à sua circulação. Quanto mais vezes o título circulou, mais coobrigados se formaram na cadeia de regresso – pois as declarações cambiais que geram obrigações se sobrepõem: quando entra um coobrigado no título, outro não sai. Por exemplo, a letra de câmbio nasce com apenas um obrigado, o sacador (pois o seu saque é, também, uma promessa de pagamento indireta); no momento em que a letra recebe o seu primeiro endosso, surge o segundo coobrigado; sendo avalizada, endossada novamente, aceita pelo sacado, a lógica é a mesma: não há substituição123.

Antes mesmo de o princípio da literalidade estabelecer que o endosso deve constar no título124, ele deve se revestir da forma escrita. Só que isso não basta para o Direito Cambiário, é preciso que, conforme aquele princípio, esteja no documento que incorpora o direito creditício, e não em cártula à parte. Não é possível se fazer uma declaração de transferência de um título por um documento apartado (esse ato pode até valer no âmbito do direito comum), pois, sob o ponto de vista do Direito Cambiário, tal endosso é inexistente (assim como as demais declarações cambiárias).

3. LOCAL

O local próprio para se realizar a declaração cambial do endosso é o verso do título. É  próprio, pois está previsto como regra na legislação, e, também, por ser o local onde a mera assinatura do proprietário (tomador e endossatário, no caso de títulos à ordem; títulos ao portador circulam pela tradição, não por endosso), sem qualquer outra menção, nem mesmo o nome do beneficiário, funciona como endosso.

Contudo, o endosso pode ser prestado no anverso (frente) do título. Mas, nesse caso, é necessário identificar essa declaração, já que a simples assinatura nesse local (até mesmo a do proprietário do título125) deve ser interpretada como aval. A identificação, no anverso, deve constar de uma expressão que mencione que a declaração tem efeito de transferência: “endosso”, “transfiro a ...”, “pague-se a ...”.

Isso é uma aspecto importante, pois não decorre de lógica pura e simples; se o tomador assinou o título, logicamente, poder-se-ia inferir que ele o endossou. Mas, no Direito Cambiário, conforme o princípio da literalidade, não é bem assim que ocorre; em não havendo identificação, a assinatura será interpretada como sendo a declaração que tem aquele local como próprio para a sua realização (se no verso, pelo proprietário, endosso; se no anverso, aval).

123 Nem no BOPE, pois não dá pra “pedir pra sair”. 124 NO TÍ-TO-LO!

125 Mas é proprietário e avalista ao mesmo tempo? Esse cara não faz mais nada na vida a não ser ficar assinando

títulos de crédito? Segundo Otávio Augustus, não gera variação nas regras o fato de os figurantes do título serem a mesma pessoa. Ex.: Pedro saca em favor de si mesmo uma letra de câmbio. Ele terá sua figuração no título regulada tanto como sacador quanto como tomador; a coincidência não altera os direitos e obrigações de Pedro decorrentes de cada um dos papéis – são como pessoas distintas. Se alguém exercer qualquer direito contra o sacador ou tomador, não se alteram as situações jurídicas da mesma pessoa como outro figurante do título – da mesma forma, se o sacado aceitar o título.

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Aula n.º 15 17 de maio de 2008 4. EFEITOS

O primeiro e principal efeito do endosso é a transferência da propriedade do título, bem como do respectivo direito nele incorporado. O segundo é a garantia, pelo endossante, do pagamento do título – de maneira semelhante a um aval. Nesse último contexto, ambas as declarações se equivalem quanto à formação uma coobrigação. Essa garantia é, comumente, desdobrada em:

a) garantias veritas , bonitas126 ou da verdade – aquele que transfere o título garante a veracidade das declarações cambiais já contidas nele, mas no plano da regularidade formal, aparente. Perante o endossatário imediato, assim como os que o sucederem como figurantes da relação cambiária, o endossante não pode alegar qualquer irregularidade anterior ao seu endosso. Mas essa garantia só se opera em relação ao endossante; se o saque foi realizado por meio de assinatura falsa, o sacador não pode ser responsabilizado por conta da declaração do endossante. É uma garantia implícita (o endossante não escreve “presto a garantia veritas”), pois decorre, necessariamente, do endosso.

b) garantia do pagamento ou solidariedade cambial –  A solidariedade cambial é diferente daquela do direito comum. Há coincidência quanto à situação jurídica de mais de um obrigado ser responsável pela dívida inteira, podendo o credor exigir o pagamento integral de qual ou quais deles quiser. Todavia, a solidariedade cambial tem um aspecto importantíssimo, muito vinculado à sua essência, que é uma questão  geográfica, de local em que o sujeito figura no título – a depender de sua posição na cadeia de regresso, alguém pode ou não ser obrigado em face de outrem. Na solidariedade comum, não há relativização da obrigação. A questão geográfica refere-se ao caminho percorrido pelo título – o título vai, quando circula, até chegar ao sacado, e quando este não paga o seu valor, o título volta. Quando volta, surge o direito de regresso, exercido contra os coobrigados indiretos. É a garantia do pagamento pelo endossante que confere circulação rápida ao título.

No caminho percorrido pelo título, há obrigados diretos e obrigados indiretos. O que caracteriza o obrigado direto é a possibilidade de o título lhe ser exigido independentemente de qualquer fato atribuído a outrem; já o indireto só paga se o direto não fez. Por exemplo, o aceitante (anteriormente sacado, que, com o aceite, passou a ser obrigado pelo pagamento da letra) deve pagar o título, no dia do vencimento. É por isso que, para se executar um obrigado direto (aceitante na letra de câmbio, emitente na nota promissória), não se faz necessário o protesto.

Ao contrário do que se diz (e da própria lei), o protesto não prova o inadimplemento da obrigação, ou seja, débito127; a rigor, prova-se que o título foi apresentado para determinado sujeito, que não pagou (protesto por falta de pagamento), não aceitou (protesto por falta de aceite do sacado) ou não devolveu (protesto por falta de devolução, exclusivo da duplicata). É por meio do protesto que o proprietário do título pode exercer o seu direito em face dos obrigados indiretos ou de regresso (inclusive o sacador) – pois é necessário se provar que o documento foi apresentado (“que o título foi”), mas não foi pago, aceito ou devolvido. Já para o obrigado direto, não é necessária essa formalidade – ou ele paga ou não paga; não é possível

126 Pronunciem “bônitas” (vem de “bom”, garantir que o título seja válido). Esse assunto não é bonito. 127 Assim, se você tem protestados 516 cheques, pode dizer que é tudo mentira e que você não deve nada.

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se atribuir uma situação a terceiro, que requer prova; dispensa-se, logo, o protesto para se exigir o pagamento do emitente da nota promissória ou do aceitante da letra de câmbio.

Após o vencimento, não pode o obrigado direto do título protestado alegar que não pagou porque não foi procurado128 – afinal, o protesto prova justamente o contrário. No protesto, o devedor é intimado, contra o proprietário do título, a, em 72 horas, justificar as razões do não-pagamento, do não-aceite ou da não-devolução (no caso de duplicata), ou a pagar a dívida. Se, antes da sua lavratura, o obrigado direto pagou em cartório, extingue-se o protesto.

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Se Crazy Frog aceita o título, se torna um obrigado direto. Chris Brown, pode, dessa forma, exigir dele, sem protesto, o pagamento. Caso ele não pague (ou ainda, se não tivesse aceitado o título), poderá exercer o seu direito de regresso contra Avril Lavigne, Beyoncé, Britney Spears e Lil’ Wayne (sacador), por lhe serem anteriores na cadeia de circulação do título. Todavia, o direito a ser exercido contra Britney Spears não existe por conta de ela ter figurado como tomadora (pois o tomador não tem obrigações), mas como primeiro endossante.

Há solidariedade entre as celebridades, uma vez que o proprietário do título poderá exigir o pagamento do título, na sua totalidade, em face de qualquer uma delas. Se Chris Brown cobrou de Beyoncé, e ela pagou o valor integral do título, poderá esta exercer seu direito regressivo contra Britney Spears e Lil’ Wayne, jamais contra Avril Lavigne, pois esta está à frente na cadeia de circulação. Em havendo cobrança diretamente contra Lil’ Wayne, com o devido pagamento, todos se desoneram. Como sempre, quem paga, sub-roga-se nos direitos do título, e fica com o documento – se houver, simplesmente, a quitação num documento separado, havendo nova circulação (o título circula indo e vindo), pode alguém ser obrigado, com base no título, a pagá-lo duas vezes –, até que ele volte às mãos do sacador129.

Já Crazy Frog (sacado), se pagar o título, não poderá se voltar contra Lil’ Wayne, pois o título se extinguiu com o cumprimento da ordem. Os motivos para se acatar a ordem não interessam ao Direito Cambiário – pode ser o adimplemento de obrigação de direito comum, uma ajuda humanitária, ou até uma “média”, já que Crazy Frog pode ser fã de rap.

Outra questão é a possibilidade de o proprietário do título exigir o pagamento, após o protesto, diretamente do sacador. Este (como nenhum outro na cadeia de circulação) não

128 E, muito menos, exigir perdas e danos por conta de protesto feito nessas condições. A ritualística do protesto

não dá azo a iniqüidade por parte do proprietário do título.

129 Ou se perca numa chuva desgraçada.

SACADOR  SACADO CELEBRIDADES COOBRIGADAS Tomadora/ Endossante 1 Endossatária 1/Endossante 2 Endossatária 2/Endossante 3 Endossatário 3/Proprietário atual

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tem qualquer benefício de ordem (de exigir que o direito de regresso seja exercido contra o endossante direto, por exemplo), já que sua responsabilidade não é subsidiária130.

5. ESPÉCIES

5.1. Endosso em branco

É aquele realizado sem que haja identificação do endossatário. Há a transferência do título com a mera assinatura do endossante no verso do documento.

5.2. Endosso em preto

É o endosso que identifica o endossatário, seja no verso, seja no anverso. Em qualquer das hipóteses, é necessária a assinatura do endossante complementada com a expressão “pague-se a ...”, “transfiro a ...”, seguida do nome do endossatário. Já foi abordado anteriormente que o endosso, no verso, não precisa ser identificado como tal131; no anverso, são necessárias aquelas mesmas expressões, mesmo no endosso em branco, mas em o nome do endossatário (“pague-se”, “transfiro”, “endosso”). Logo, todo endosso em preto acaba por ser uma declaração identificada, seja no verso, seja no anverso.

Com o endosso em preto, o título que era nominativo à ordem132, continua nominativo. Com o endosso em branco, o título se torna ao portador. O endosso em branco, dessa forma é um meio de se evadir da responsabilidade solidária. Se Ronaldo endossa em branco uma letra de câmbio a Carla, esta, para transferir o título novamente, bastará realizar a tradição. Assim, se o título voltar, Carla não poderá ser compelida a pagar o valor monetário correspondente, uma vez que não realizou declaração cambial alguma. Economicamente, a operação de Carla foi a mesma de Ronaldo, mas, juridicamente, possui diferenças significativas, uma vez que Carla não se torna coobrigada de regresso, diferentemente de Ronaldo, que assinou a letra.

O título pode fazer o caminho inverso: voltar a ser nominativo. No mesmo exemplo, a letra nasceu nominativa a Ronaldo, que endossou em branco a Carla. O título, então, circula ao portador133. Mas pode o atual proprietário endossar em preto, tornado a letra de câmbio novamente nominativa – e esse endossante será um coobrigado indireto.

5.3. Endosso-mandato

Nessa modalidade de endosso, alguém confere a outrem a legitimidade para o exercício do direito do título, sem, no entanto, transferir-lhe a propriedade. O endosso, por natureza, implica a translação da propriedade do título; já o endosso-mandato não tem o mesmo efeito: o mandante apenas confere ao mandatário poderes de legitimação para se exigir o pagamento do título. O endosso-mandato é muito útil aos serviços de cobrança (bancária ou não), em que o dinheiro pago, descontada a comissão, será entregue àquele que legitimou o cobrador no exercício daquela prerrogativa.

130 É importante ressaltar que a solidariedade cambial não se aplica somente ao endossante; diz respeito a todos

os coobrigados cambiários.

131 Só pra registrar uma curiosidade inútil, endosso vem de “in dorso” , ou seja, nas costas, no verso do título. 132Títulos nominativos puros não são suscetíveis de transmissão por meio de endosso, somente por meio de cessão. 133 É necessário cautela quanto aos títulos ao portador, porque, se você perdeu, já elvis. Há a ação de anulação de

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Há, aqui, “uma das discussões mais interessantes do Direito Privado”134, embora poucos autores façam a ressalva: o endosso-mandato não é um mandato, mas um ato unilateral de legitimação, por meio de declaração no título, enquanto o mandato, per si, é um contrato (negócio jurídico bilateral). A nomenclatura mais adequada, pra Otávio Augustus, seria endosso apenas para legitimação. No entanto, aplicam-se, naquilo que couber, as regras do mandato às relações endossante-mandante/endossatário-mandatário.

5.4. Endosso-caução

O endosso-caução também é uma modalidade de endosso de legitimação, mas a sua finalidade não é simplesmente legitimar o exercício do direito contido no título, mas também conferir ao endossatário a posse do documento enquanto objeto de uma garantia de cumprimento de obrigação determinada. Por exemplo, A se obriga a dar 10.000 reais a B, e presta caução por meio de uma letra de câmbio de mesmo valor. Se A não legitima B no exercício do direito do título, a caução se torna vazia, ineficaz, pois não poderá B receber o valor da letra – uma vez que esta está nominativa a outrem. Não é um endosso ordinário, já que a propriedade do título não foi transferida – o que só ocorrerá quando o credor executar aquela garantia; a propriedade, então, será transmitida pela execução, não por endosso.

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