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Sobre a necessidade de mudanças curriculares, do curso de formação e da mentalidade dos futuros professores de Ciências

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CARACTERÍSTICAS DOS PROFESSORES DAS CIÊNCIAS DO SÉCULO XXI: CONFIGURANDO UMA VISÃO PROSPECTIVA

V. Autoritarismo – Em resposta ao autoritarismo da Secretaria de Estado da Educação (SEE) – contratante do PEC – interrompendo o programa de

3. Sobre a necessidade de mudanças curriculares, do curso de formação e da mentalidade dos futuros professores de Ciências

Para a área de Ciências – como elemento pedagógico curricular do ensino fundamental - selecionei como sujeito uma professora doutora em Ciências Humanas e Educação, livre-docente em Metodologia do Ensino de Ciências, vinculada a programa stricto sensu de Educação-Formação de Professores em uma universidade confessional privada da região metropolitana de São Paulo. Com uma vasta experiência acadêmica e relevantes publicações tem investigado a formação de professores de Ciências, sobretudo a introdução e o desenvolvimento de conceitos científicos nos anos iniciais de escolaridade, em termos investigativos e sobremaneira preocupada com as características do presente, deste século XXI.

A trajetória formativa da pesquisadora revela um aspecto interessante. Sua formação não ocorre prioritariamente no âmbito das ciências da natureza, sendo doutora em Ciências Humanas e livre docente em Metodologia de Ensino – Educação.

Sua aproximação junto à área da ciência foi deflagrada através da percepção das atitudes dos universitários frente ao conhecimento científico; por sua inquietação quanto à ‘falta de ousadia’ dos alunos egressos da Universidade em compreender a ciência, questioná-la e até mesmo apresentar suas próprias hipóteses acerca dos fenômenos científicos.

Portanto, sua experiência no ensino básico ocorreu nas disciplinas de Português e Inglês, e contribuiu para o aporte didático-pedagógico no sentido de considerar a voz e a vez dos alunos, incluindo a importância em atentar para suas histórias de vida e reais necessidades.

Justamente pensando nas “novas características” (e necessidades!) deste século XXI investiguei uma de suas mais recentes publicações9, a qual trata da urgente mudança de paradigmas que alicerçam os cursos de formação de professores, tomando como objeto de investigação e análise cursos de Licenciatura em Ciências Biológicas e Matemática.

Segundo a professora-autora, em consonância com a acelerada mudança científica e tecnológica que influi e transforma a sociedade deste século, essa mudança paradigmática na formação docente não pode ocorrer apenas em termos formais do currículo, mas, sobretudo, em termos de idéias e concepções dos sujeitos implicados no processo de ensinar e aprender. Mas, como explicita a pesquisadora, por mudança de mentalidade, isto é, das idéias e da forma de pensar dos professores formadores.

De forma bastante contundente a professora-pesquisadora apresenta argumentos em favor da superação da racionalidade técnica que insiste em balizar a formação de professores nas instituições responsáveis pela formação docente, posto que estas tratam o conhecimento como algo acabado, pronto para ser transmitido, inquestionável, ainda como ‘verdade absoluta’. Dessa forma, o processo educativo é tratado de forma hermética, em uma visão simplista e parcial de causa e conseqüência que precisa ser re-vista com outros olhos...

Uma nova/outra visão, ao seu ver, precisa ser construída com base em uma ação formativa reflexiva, a partir de outra proposta de Licenciatura pautada na interdisciplinaridade – evitando o cultivo da fragmentação - na relação teoria-prática, na indissociabilidade ensino-pesquisa-extensão e no desenvolvimento profissional antecipado.

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Aragão, Rosália Maria Ribeiro de. Atributos de qualidade da formação de professores. Revista de Educação do COGEIME, n. 26, 2005.

Corroborando suas proposições, a autora transcreve o relato de uma professora-formadora atuante na Licenciatura em Biologia10, cujo comentário de sua prática explicita uma mudança possível nos cursos, contemplando a interdisciplinaridade, quando ressalta o seguinte:

...Eu dou a informação de que esse osso sustenta o tecido tal e aí a Fisiologia vem e diz como é que ele faz esse movimento de contração... São conteúdos integrados nos quais o conhecimento desenvolvido em conjunto com professores diferentes, força o aluno a escutar e leva em conta o professor de uma área vizinha.

Em um curso organizado dessa forma, segundo este meu sujeito de pesquisa, como se tem evidenciado, os alunos compreendem a dinâmica e a qualidade positivamente diferenciadas de sua formação e passam não só a enxergar-se como professor, como também a valorizar a profissão, dado o estreitamento entre as disciplinas específicas e as didáticas de modo a facilitar sua construção identitária como profissional. A partir dos primeiros semestres, o aluno, progressivamente, interage com o outro - professor e seus pares - edificando pari pasu seu saber docente.

Nesse sentido, como a professora-pesquisadora assinala, a teoria deixa de ser vista como suporte da prática e passa a se relacionar com ela; passa a fazer parte da práxis docente. O professor em formação pode, então, compreender o que, como e para que ensinar Ciências no percurso formativo e ainda entender sua ação docente frente à realidade concreta. Desta maneira o ensino e a pesquisa se aliam à extensão, pois estabelecem laços mais estreitos com a sociedade em termos reais e complexos.

Atinente a uma visão prospectiva do ensino e da formação de professores das Ciências, a contribuição deste sujeito de pesquisa se dá no âmbito de uma nova/outra forma de organização curricular, implicando, além disso, a necessidade de imbricar à formação algumas idéias presentes em algumas vertentes pedagógicas, a saber:

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De dados coletados na Universidade Federal do Pará que vem desenvolvendo experiência curricular diferenciada – licenciatura temática – para formação de Professores de Biologia.

i. Desenvolvimento profissional: os conhecimentos ligados especificamente à Educação em Ciências precisam ser organizados de forma tal que possam ser oferecidos aos licenciandos desde o primeiro semestre do curso de formação, constituindo um tipo de formação antecipada;

ii. Constituição identitária: à medida que o aluno lida com os desafios de ensinar, já se constitui e se assume como professor e passa a assumir a profissão não como algo exógeno, mas algo endógeno, algo que lhe é inerente;

iii. Reflexão e pesquisa sobre a própria prática: como atitudes imprescindíveis à formação diferenciada e resultantes (a) do questionamento de ações usuais de aulas ou (b) de situações problematizadoras acerca de conhecimentos e saberes da docência, sobretudo das práticas de ensino. Nos termos da prática reflexiva, os alunos-professores-em-formação aprendem a fazer fazendo.

Romper com o atual modelo de formação e permitir-se outros olhares para/na profissão docente requer que pautemo-nos pela natureza relacional do conhecimento, sobretudo no âmbito de cursos de formação de professores. Isto quer dizer que o saber docente se constitui paulatina e progressivamente à medida que compartilhamos experiências, idéias, concepções.

Com a intenção de aprofundar minha visão sobre as concepções/proposições deste meu sujeito de pesquisa, investigo um segundo artigo, cuja discussão, não menos instigante trata da abordagem científico- pedagógica do corpo humano no interior de uma sala de aula de Ciências da 4ª série do Ensino Fundamental de uma escola pública do estado de São Paulo.

As observações, os registros e as inferências realizadas a partir das aulas de Ciências - e nas aulas - permitiram às pesquisadoras11 se

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posicionarem não só em defesa de uma aprendizagem significativa do corpo humano, mas também da autonomia de voz e da palavra de cada aluno, da manifestação de seus pensamentos e de suas ações nas aulas. As professoras assinalam que já é hora de ouvirmos o que as crianças têm a nos dizer e considerarmos suas idéias, suas emoções, seus temores, suas certezas, suas necessidades, suas dúvidas, nas aulas de Ciências.

Para além dos textos estereotipados do livro didático, o professor deste século deve investir na relação entre os sujeitos – aluno-aluno, aluno- professor, aluno-comunidade – corroborando uma visão do ‘corpo’ que supere a concepção bio-física, uma vez que se precisa tratar do ‘corpo humano’ em todas as suas dimensões: bio-física-psiquíca-social-estética- afetiva...

A postura científico-pedagógica das professoras-autoras possibilita que se observe a realidade da sala de aula a partir de suas concepções, ou seja, como explicitam, com os olhos carregados de teorias, manifestando-se como professoras de Ciências a lidar com o inesperado e a redimensionar sua prática pedagógica em termos qualitativamente diferenciados.

Ao ressaltarem a necessidade de uma mediação de fato significativa que contribua para a (re)construção de conceitos, procedimentos e de atitudes, as autoras recorrem a Lemke (1997) quando assumem a importância de reconstruir a maneira de ensinar Ciências na escola, privilegiando a palavra dos alunos, as conversas entre eles sobre o corpo humano, no caso dessa pesquisa.

Nesse sentido, configuram a aprendizagem como um processo não apenas cognitivo, mas principalmente social, na medida em que os alunos podem aprender ciência de formas diferentes quando confrontam idéias, dúvidas, concepções.

As pesquisadoras ressaltam, pois, a importância da interação social para o contexto de construção de conceitos sobre o corpo humano, sobretudo

considerando os conhecimentos prévios e as visões alternativas dos alunos sobre o tema antes de tratar da visão científica.

Atinente à ação cognitiva, esses conhecimentos prévios constituem “marcos interpretativos” a partir dos quais são edificados novos conhecimentos. Nesses termos, os alunos precisam falar para conhecer o que sabem; dar-se conta do seu próprio saber.

No contexto da pesquisa, a preocupação dos pesquisadores estava na atribuição do significado do corpo humano, trabalhado pedagogicamente.

Historicamente, o conteúdo vem sendo abordado de maneira prescritiva e descritiva, com etapas de aprendizagem, priorizando as informações isoladas sobre os “órgãos do corpo”, sem considerar o “corpo humano do próprio aluno”. Ao passo que o desejável seria assumir e vivenciar uma visão de corpo que vá além da materialidade bio-física, que seja visto de forma total, holística, considerando o sujeito do corpo, sua vontade, seu desejo, seu medo, assim explicitado por elas:

Ao nosso ver, o tipo de mediação significativa, que buscávamos encetar, implica, necessariamente, uma compreensão do aprender como processo do`corpo todo´ e não de uma racionalidade abstrata, dicotômica, distanciada e, muitas vezes, sem sentido para o aluno. Associado a este debate sobre a forma de entender o corpo humano, está a discussão sobre como fazer para entendê-lo, isto é, de quais procedimentos os professores devem lançar mão para que os alunos se apropriem desta visão holística e complexa do corpo, sem perder de vista seus aspectos conceituais.

Dentre as alternativas, as pesquisadoras apontam o “diferente” e o “inovador” como atributos importantes aos professores que têm também a intenção de aprender ou compreender como e o que trabalhar nas aulas de Ciências. Para tanto, recorrem aos aspectos relevantes do projeto educativo da

escola que favorecem especialmente a inovação e espaços para o desenvolvimento (Cf. Carbonell, 2002), a saber:

a. Possibilitar a coexistência plural entre os sujeitos, independentemente de quaisquer aspectos, sejam sociais, econômicos ou de outra ordem, oferecendo respostas a todos;

b. Considerar o conflito um cenário de (auto)reflexão e educação de valores;

c. Favorecer maior transparência e melhor comunicação, valorizando a relação humana, assumindo as facetas do “currículo oculto”;

d. Propiciar a elaboração de projetos coletivos, cultivando a cooperação e a aprendizagem compartilhada;

e. Substituir o autoritarismo nas ações escolares e dar lugar à autoridade do docente, conquistada coletivamente.

Entre os desafios postos aos professores deste século XXI, as pesquisadoras lembram da necessidade de serem considerados outros paradigmas científico-pedagógicos e conseqüentemente outros caminhos de construção da socialização frente às novas realidades que se apresentam na vida, na escola.

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