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Sobre a construção de conceitos da Física e o papel do professor de Ciências

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CARACTERÍSTICAS DOS PROFESSORES DAS CIÊNCIAS DO SÉCULO XXI: CONFIGURANDO UMA VISÃO PROSPECTIVA

V. Autoritarismo – Em resposta ao autoritarismo da Secretaria de Estado da Educação (SEE) – contratante do PEC – interrompendo o programa de

2. Sobre a construção de conceitos da Física e o papel do professor de Ciências

O debate sobre o processo de ensinar e aprender Física tem como deflagrador e interlocutor um sujeito de pesquisa que é professora doutora em Educação com grande know-how na área e também com uma vasta produção acadêmico-científica nacional e internacional.

Docente em programa de graduação e pós-graduação de uma universidade pública estadual da capital paulista, suas pesquisas tratam do ensino de ciências numa linha construtivista, baseando-se nos estudos da psicogênese e na história da ciência. Trata continuadamente da formação de professores de Ciências para o Ensino Fundamental e de professores de Física para o Ensino Médio, bem como, mais recentemente, da produção de vídeos para formação de professores de ciência.

Sua trajetória formativa revela uma preferência pela docência, em detrimento de uma carreira ‘técnica’, em um conceituado Instituto de Pesquisa. A possibilidade em compartilhar conhecimentos com outras pessoas de uma forma diversificada a levou a lecionar no Ensino Médio, e, durante um tempo, concomitantemente na Escola de Aplicação da Universidade na qual hoje leciona na pós-graduação.

A experiência com os jovens do Ensino Médio contribuiu sobremaneira ao dimensionar o percurso de sua atual disciplina: Metodologia do Ensino da Física, ao passo que vivenciou o ensinar e o aprender Física.

Para que se possa conhecer o pensamento e as contribuições deste meu sujeito de pesquisa, vale apresentar algumas das idéias de uma de suas recentes publicações5.

No textosob enfoque, esta professora formadora propõe a verificação da hipótese acerca da estrutura das explicações dos alunos sobre fenômenos físicos e a relação entre suas próprias ações e as variáveis dos objetos. Nesse sentido, investiga o como e o porquê da construção dos conceitos físicos dos alunos a partir de uma aula experimental.

A própria opção quanto ao tipo de aula já configura uma posição metodológica da professora-autora ao trabalhar no cenário experimental, uma vez que se trata de uma ação que não se limita à simples manipulação ou observação.

A natureza da ciência e suas especificidades no tocante ao ensino também são objeto de análise do artigo com as citações de Lemke (1997) quanto à necessidade do aprender a falar ciência e de Sutton (1998) na necessidade de aprender a escrever ciência.

De acordo com o maior interesse da professora-pesquisadora – entender a tomada de consciência dos alunos e as suas explicações frente aos desafios – o papel desempenhado pelos professores merece análise à medida que são os sujeitos que garantem o espaço de discussões, argumentações, hipóteses, enfim, de um dinamismo peculiar (e desejável) à atividade científica escolar.

Segundo a professora-autora, a metodologia qualitativa da pesquisa é decorrência da interpretação das falas de alunos e professores durante aulas experimentais de Ciências Naturais em séries iniciais do Ensino Fundamental: o problema do pêndulo desenvolvido com crianças de nove anos de idade e o

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Carvalho, Anna Maria Pessoa de. Construindo as explicações no ensino de Física (texto aceito para publicação na revista International Journal of Research in Science Education).

problema da cestinha aplicado em crianças de oito anos de idade, ambas as situações das classes de uma escola de aplicação6.

As ações, relações, percepções, gestos e até os conceitos espontâneos dos alunos foram elementos observados e analisados, pois o objeto maior da pesquisa consistia justamente na construção do pensamento, ou seja, na significação feita pelos alunos.

A partir da riqueza de dados coletados através da filmagem das aulas práticas, a pesquisadora pôde inferir não apenas sobre a construção de conceitos dos alunos, mas também sobre o papel do professor de Ciências e a importância desta pesquisa para o ensino de Ciências nas séries iniciais do Ensino Fundamental.

A construção das explicações causais das crianças se explicitou no percurso da tomada de consciência sobre o problema em questão e as sucessivas ligações lógicas entre suas ações e as reações dos objetos: nessa passagem – das ações executadas pelo próprio sujeito para a relação entre os atributos do objeto – vai se iniciando a conceituação.

No âmbito da atuação dos professores, a necessidade de garantir uma aula na qual os alunos argumentem e busquem resolver suas dúvidas, obter respostas às suas perguntas já não é novidade alguma, segundo a pesquisadora-autora; o desafio atual é preparar um professor que faça as perguntas certas, argumente com novas idéias e contra-exemplos, a fim de proporcionar um ambiente criativo intelectualmente.

Nesse sentido, tais proposições - na perspectiva da formação de professores de ciências - ressaltam a natureza da abordagem do ensino de Ciências nas séries iniciais do Ensino Fundamental, enfocando a criação de um espaço para os alunos (a) construírem relações entre grandezas, (b) contemplarem diversas linguagens, além de (c) ultrapassarem a simples

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observação e descrição de fatos. Da mesma forma que conceitos, procedimentos e atitudes também são aprendidos, tendo em vista que a construção dos conceitos que é – para este meu sujeito de pesquisa - um processo gradual e pessoal.

A preocupação com as ferramentas culturais da leitura e da escrita constitui objeto de pesquisa em várias áreas do conhecimento, sobretudo na área das ciências da natureza. Apesar da grande ênfase na leitura, a escrita tem seu papel definidor no contexto da aprendizagem uma vez que formaliza o que foi aprendido, afirma este meu sujeito de pesquisa em outro7 artigo analisado.

O artigo é resultado da pesquisa realizada em aulas de Ciências da terceira série do Ensino Fundamental na Escola de Aplicação da FEUSP. As atividades escritas foram solicitadas às crianças ao participarem das aulas: “O problema do submarino”, “O problema do barquinho” e “O problema da pressão”.

Na pesquisa, a autora buscou identificar os tipos de textos que as crianças utilizam ao registrar explicações sobre os fenômenos físicos observados nas atividades propostas a partir da relação entre os aspectos tipológicos e as capacidades de linguagem, a saber:

NARRAR Refere-se à cultura literária ficcional,

predominância do discurso monologado e frases declarativas.

RELATAR Destina-se ao domínio social da

comunicação voltado para documentação e memorização de ações humanas, exigindo uma representação pelo discurso de experiências vividas situadas no tempo.

ARGUMENTAR Trata da discussão de problemas

controversos, exige a sustentação, refutação e negociação de tomadas de posição.

EXPOR Reporta a transmissão e construção dos

saberes acumulados pela humanidade apresentando suas diferentes formas.

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DESCREVER AÇÕES

Diz respeito a instruções e prescrições, tende a regrar o comportamento humano.

Segundo a autora, falar, ouvir e procurar uma explicação sobre os fenômenos, depois escrever e desenhar, isto é, se expressar em diversas linguagens, solidifica e sistematiza os conceitos aprendidos. Nesse sentido aprender ciências pressupõe que os alunos experimentem, hipotetizem, argumentem e comuniquem conceitos científicos.

A discussão de idéias entre os alunos possibilita que seus saberes sejam socializados e esclarecidos para o grupo e para os próprios estudantes, pois ao compartilhar hipóteses e explicações, as idéias acerca do fenômeno físico são reconstruídas e avaliadas.

A escrita, como ferramenta cognitiva discursiva, tem a função de organizar e consolidar as idéias iniciais em conhecimento estruturado, sistematizado. Nesse contexto, o discurso escrito ganha força enquanto ferramenta de construção sócio-cultural que exige maior esforço cognitivo e “uma posição lógica reflexiva que estimula os estudantes a refinar seu pensamento, aumentando assim seu entendimento do tema estudado” (Rivard e Straw apud Carvalho, 2000:2).

A metodologia de ensino em questão – associação entre discussão de idéias e escrita - pressupõe uma postura mais questionadora do professor, que através de situações problemáticas instiga seus alunos a fazerem relações, conectarem conceitos e formularem suas próprias hipóteses acerca do tema discutido. O dinamismo entre falar e escrever faz parte de um processo de apropriação do conhecimento científico de maneira mais sólida e significativa para os alunos. O registro é a fase em que os alunos põem em xeque suas conclusões; explicitam e formalizam seus pensamentos.

Nos termos das situações problemáticas experimentais – que possibilitam que os estudantes hipotetizem e testem suas hipóteses – o

Laboratório de Pesquisa e Ensino de Física8 desenvolveu uma metodologia de investigação científica para os alunos do ciclo I do Ensino Fundamental que contempla discussões, relatos, reflexão, explicações, ponderações. A compreensão dos estudantes sobre os fenômenos físicos observados nas atividades experimentais é gradativamente e socialmente construída a partir da reflexão do ‘como’ e do ‘por que’.

Para efeito de análise, este estudo se deteve na fase dos registros dos alunos, que escreveram e desenharam os procedimentos e explicações, sendo investigada a tipologia do gênero discursivo – narrar, relatar, argumentar, expor e descrever ações – em função da capacidade de linguagem.

Um outro aspecto de análise consiste no tipo de explicação das crianças frente ao fenômeno físico observado: a explicação do tipo legal está no domínio dos observáveis, obtida por constatação do sujeito frente ao objeto; a explicação causal consiste em relação de transposição do observado no sentido da inserção de palavras novas e de superação das explicações legais.

Na análise das produções de dois alunos – dentre os registros de dez alunos que participaram das três atividades - houve a predominância do aspecto relatar e, em menor escala, expor, visto a intenção comunicativa dos alunos de ‘contarem’ a atividade que estava relacionada com a experiência vivida, ou seja, a atividade realizada.

Quanto aos fenômenos explicativos, as explicações legais apareceram mais, o que leva as autoras a concluírem que os alunos que não alcançaram a causalidade do fenômeno estão a caminho de alcançá-la quando percebem a legalidade do fenômeno trabalhado, tendo em vista a descrição das ações dos sujeitos nos objetos e suas regularidades.

A autora aponta como fundamental a atitude do professor enquanto mediador da aprendizagem dos alunos, no sentido das crianças se apropriarem dos conhecimentos a partir de investigações e questionamentos. A escrita é a

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forma como os alunos organizam esses conhecimentos e os tomam para si, os (re)formulam para fazerem parte deles próprios.

3. Sobre a necessidade de mudanças curriculares, do curso de formação

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