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Sobre a Educação Matemática e a formação de professores: derrubando mitos

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CARACTERÍSTICAS DOS PROFESSORES DAS CIÊNCIAS DO SÉCULO XXI: CONFIGURANDO UMA VISÃO PROSPECTIVA

V. Autoritarismo – Em resposta ao autoritarismo da Secretaria de Estado da Educação (SEE) – contratante do PEC – interrompendo o programa de

5. Sobre a Educação Matemática e a formação de professores: derrubando mitos

A formação de professores de Matemática encontra seus pressupostos discutidos e analisados a partir de discussões trazidas por um sujeito de pesquisa com formação nitidamente diferenciada em termos de qualidade. Trata-se de um mestre em Educação Matemática e doutor em Educação, professor-formador em cursos de licenciatura e em um programa de pós- graduação stricto sensu em Educação - Educação Matemática, em uma universidade pública estadual do interior do Estado de São Paulo, com produção acadêmica de pesquisa relevante e conhecida.

A aproximação com a educação ocorreu enquanto lecionava Matemática no Ensino Fundamental e no Ensino Médio, ainda durante sua graduação, marcada por uma visão crítica sobre ensinar e aprender Matemática.

Após o mestrado em Educação Matemática, no embate com seus pares nos cursos de formação de professores, percebeu sua grande necessidade em buscar aportes teóricos que dessem conta de suas preocupações acerca da dimensão sócio-histórica da Matemática e como poderia ser contemplada nas escolas.

Sua inquietação é ainda presente, uma vez que reflete sistematicamente sobre a prática e o desenvolvimento de projetos de pesquisa em grupos de investigação em parceria com professores da escola básica.

Cultura, formação e desenvolvimento profissional de professores de matemática no contexto pós-moderno e Estado d’Arte da pesquisa brasileira sobre a formação de professores que ensinam Matemática são exemplos de suas atuais linhas de investigação.

Junto aos futuros professores, orienta sua prática no sentido de refletir a respeito da didática para o ensino da Matemática e sobre seus fundamentos

metodológicos, além de abordar tópicos da história da matemática e da educação matemática propriamente dita.

Embora o autor explicite em artigo19 selecionado como objeto de investigação uma significativa produção nacional em termos de educação matemática, também aponta sua ineficiência no sentido da incorporação dos resultados nas reformas curriculares dos cursos de licenciatura em matemática.

E diante de tais considerações podemos entender que as pesquisas acadêmicas permanecem confinadas no receptáculo exclusivo, inacessível aos professores do ensino fundamental e médio.

Contudo, a preocupação dos autores consiste não apenas na formação dos professores que formam professores de matemática, mas, sobretudo em seu desenvolvimento profissional, campo esse quase inane no que se refere às pesquisas acadêmicas já publicadas.

Em pesquisa anterior (2002) dos próprios autores, foram identificadas pesquisas que investigavam a formação, o pensamento e a prática de formadores de professores de matemática, mostrando que: (i) a formação desses professores foi predominantemente técnica e enfatizava a formação matemática; (ii) uma parte dos professores tem uma concepção reflexiva da função rigorosa da prova em matemática, enquanto outros apresentam ainda uma concepção técnica; (iii) a maioria dos professores tem visão dicotômica entre licenciatura e bacharelado, além de desvalorizar a licenciatura e (iv) os futuros professores não incorporam outras estratégias em sua prática docente, senão aquelas utilizadas em sua própria formação.

Na presente investigação os autores trazem a hipótese de que o formador de professores do curso de licenciatura em matemática também reflete e investiga sua própria prática enquanto formador, transformando sua

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Fiorentini, Dario, Gonçalves, Tadeu Oliver. Formação e Desenvolvimento profissional de docentes que formam matematicamente futuros professores in Cultura, formação e desenvolvimento profissional de

professores que ensinam matemática: investigando e teorizando a partir da prática. São Paulo: Musa

sala de aula em um “laboratório de estudo”, onde leva os seus alunos a também refletirem e investigarem práticas docentes em matemática.

A formação do formador de professores de matemática se configura objeto de investigação dos autores desde o ano de 1996, das discussões junto ao grupo de pesquisa20 constituído na própria instituição, cujo foco estava tanto na formação inicial, quanto na continuada de professores de matemática.

Em continuidade às suas pesquisas, três categorias de profissionais atuantes no grupo foram identificadas: o pesquisador-formador; o formador- pesquisador e o formador-prático.

O pesquisador-formador é o profissional que privilegia a pesquisa à docência, sendo geralmente um bacharel que se identifica como físico ou matemático. Talvez constitua uma “casta” bastante comum, principalmente por ocorrer na área das chamadas ciências duras.

O formador-prático, ao contrário, lida prioritariamente com o fazer docente, desprezando as atividades de pesquisa e investigação que, certamente enriqueceriam e contribuiriam sobremaneira à sua prática docente. Segundo o autor, também representa “um profissional de baixo custo”, fato relevantíssimo neste cenário neoliberal.

E o formador-pesquisador reúne simultaneamente a ênfase docente e a investigação científica no sentido de aprimorar sua prática como professor e atualizar-se academicamente. Segundo o autor, estes deveriam constituir em sua maioria o grupo base de um curso de licenciatura, sendo “mais qualificados teórica e metodologicamente”.

Tendo em vista a constatação (ou não) dos aportes teóricos explicitados, os autores iniciaram uma pesquisa junto a oito professores de uma universidade federal do norte do país, com o objetivo de investigar a formação

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inicial e continuada de cada um, a visão de cada um sobre a licenciatura de matemática na instituição e os aspectos profissionais e pessoais dos formadores.

A formação profissional dos entrevistados foi investigada a partir de quatro eixos, a saber: formação matemática, formação geral, formação científico-pedagógica e formação como docente no sentido da relação ensino e aprendizagem da matemática. Portanto, a formação profissional assume uma posição decisiva no modo como o sujeito é professor, agregando simultaneamente teoria e prática, conceitos e procedimentos no sentido de associar saber fazer e saber ser.

Atinente aos resultados, a investigação sobre a formação matemática dos entrevistados revelou a tendência dos cursos de pós-graduação em matemática priorizar a formação do pesquisador em matemática e não do “pesquisador em ensino da matemática superior”. Isto quer dizer que há uma preocupação maior em formar o matemático e não o professor de matemática.

Nessa perspectiva, evidencia-se que conhecimentos fundamentais ao trabalho do professor de matemática lhe são negados em sua formação – tanto inicial quanto continuada – o que dificulta ou impede a apropriação dos saberes referentes ao papel da matemática na formação do pensamento humano. Dentre esses situam-se as seguintes:

a) as relações entre matemática, sociedade e cultura;

b) as diversas maneiras de sistematizar e produzir conhecimentos matemáticos;

c) a matemática relevante ao homem do século XXI e, sobretudo, d) as diferenças entre a matemática praticada sócio-culturalmente, a

escolar e a acadêmica.

A formação geral – humana e cultural - dos sujeitos da pesquisa não foi intencionalmente trabalhada, sendo verificada apenas no âmbito das tecnologias de informação e comunicação (TICs). Isto não desqualifica nem

minimiza a importância do conhecimento dos professores em tecnologia de informação, necessária à sua inclusão no mundo contemporâneo.

A investigação referente à formação científico-pedagógica do formador, aqui compreendida como o aporte teórico que sustenta a função de educador e formador de professores, evidencia uma tendência de isolar os conhecimentos pedagógicos dos matemáticos, ou seja, uma visão dual ou dicotômica do que e como os saberes devem ser trabalhados no curso.

A atividade profissional da docência tem um lugar de destaque na pesquisa, pois explicita a visão/tendência dos autores em agregar o fazer ao ser professor, traduzido em saberes práticos ou da experiência (Tardif, 2002).

Esses saberes dizem respeito tanto à prática profissional dos professores de ensino fundamental e médio, quanto à prática profissional dos professores formadores de professores.

Os saberes experenciais (Larrosa, 1998 apud Gonçalves e Fiorentini, 2005) se constituem no confronto com os demais saberes e revelam o caráter plural e complexo, reflexivo, histórico e provisório do saber docente à medida que se faz cotidianamente na relação com os alunos.

Todavia, as pesquisas também revelam um déficit no aspecto teórico- prático da formação profissional do professor, aliada a uma inócua formação geral e científico-pedagógica. Diante do desafio de formar professores de matemática para o ensino fundamental e médio, então, como (e quando) se constituem os saberes experenciais? Como (e quando) se aprende a ensinar matemática às crianças e aos jovens da escola básica?

A partir dos relatos dos sujeitos da pesquisa, uma fala evidenciou o que outras pesquisas já apontaram: se aprende a ensinar ensinando. Nesse sentido, é evidente a importância da relação com o outro na constituição do sujeito e, neste caso, a relação professor(a)-aluno(a) possibilita a apropriação

dos saberes pedagógicos da matemática, isto é, na sala de aula se aprende a ensinar matemática.

Paralelamente à experiência docente, a experiência enquanto aluno da graduação também muito contribui – segundo as pesquisas de Liston e Zeichner (1993) – para a aquisição dos saberes docentes na medida em que essa experiência discente o permite decidir sobre o tipo de aula/ambiente que será tecido em seu lócus profissional.

Os autores enfatizam Larrosa, já citado, e corroboram com a idéia do saber experencial determinante do fazer docente enquanto conhecimento imprescritível, irrepetível e idiossincrático .

Barth (1993) e Gauthier (1998) são também apontados no sentido de que consideram a experiência um saber individual, mas também coletivo, contudo, consideram não ser a experiência em si que determina o saber docente, mas as relações estabelecidas entre os sujeitos que as realiza em termos de improviso, isto é, de maneira não programada.

Freire (1996) re-significa a natureza experencial educativa ao considerar que aprendemos ao ensinar e ensinamos ao aprender, reflexão que ressalto justamente por constituir o pano de fundo da presente investigação e a base ideacional da concepção central que intenciono tecer entre as áreas das ciências.

Os sujeitos da pesquisa dos autores por ora investigados apontam a relevância da experiência docente no ensino fundamental e médio como forma de apropriação dos saberes atinentes ao conhecimento matemático e ao contexto de atuação daquele que está sendo formado, ou seja, o futuro professor.

Portanto, o curso de licenciatura em matemática é um lugar de reflexão e de investigação sobre a educação matemática como forma de diminuir a distância existente entre o ensino acadêmico e o escolar.

Em função dessas considerações a respeito do ensino da matemática e sobre a formação dos professores que formam os professores de matemática, os autores ainda apresentam aspectos docentes e institucionais dos sujeitos investigados, a saber:

(i) sua formação acadêmica é predominantemente técnico-formal, além de inócua para a docência nos cursos de licenciatura em matemática;

(ii) suas oportunidades de estudo e reflexão sobre os aspectos epistemológicos e histórico-sociais da educação matemática são escassas;

(iii) seus saberes sobre a prática docente são construídos a partir da própria experiência, sem relação nem teórica nem prática com a formação acadêmica desejável dos professores de matemática;

(iv) suas oportunidades de debates inexistem sobre temas e questões do presente tais como: (a) o papel social e político da matemática, (b) o tipo mais adequado de abordagem junto ao homem contemporâneo, (c) a delimitação entre a matemática escolar, a popular e a acadêmica, bem como sobre (d) as contribuições das TICs para a educação matemática, (e) a articulação entre as diferentes linguagens e (f) os conteúdos matemáticos e sua inserção na escola básica.

Articular a formação didático-pedagógica e a formação matemática do futuro professor se põe como um dos maiores desafios deste século em termos da consolidação de uma formação acadêmica coerente e adequada que vislumbre minimizar a distância entre o ensinar e o aprender matemática na escola básica. Para tal, a universidade não pode (mais) permanecer à margem da realidade sócio-cultural atual, mas pode articular grupos de estudos, nos quais os saberes sejam de fato compartilhados, re-significados e re- construídos.

CAPÍTULO III

ANÁLISE DAS TENDÊNCIAS DE FORMAÇÃO DOCENTE:

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