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A tragicidade da visão de Nelson fica esclarecida e justificada com as múltiplas experiências trágicas que ele viveu em sua família, e nos fazem sentir a necessidade premente de tor- nar a ler sua obra dramática, onde a presença da morte, dos perigos do ciúme e do adultério, das implacáveis consequ- ências de escolhas e atos explodem nas ações avassaladoras que tanto chocaram leitores e espectadores de sessenta anos atrás. (HELIODORA, 2015)

Para escrever este item, foram utilizados como base o livro de Castro (1992), assim como os textos autobiográficos do próprio dramaturgo, posteriormente reunidos e organizados no livro

Memórias: a menina sem estrela (2015).

Nelson Rodrigues nasceu em Recife, Pernambuco em outubro de 1912. Filho de Mário Rodrigues, jornalista e político, e Maria Esther; Nelson foi o quinto dos quatorze filhos do casal. Em 1916, partiu com a família (ainda não tão populosa) para a, então, capital federal, Rio de Janeiro.

Era uma criança muito inteligente e, desde cedo, já se atentava a questões como o pudor, a morte e o sexo. Ainda adolescente, começou a trabalhar no jornal do pai, A Manhã, na seção poli-

cial. Ali, mesmo com o simples trabalho de ligar para as delega- cias em busca de uma notícia, Nelson passou a ter contato com diversos crimes passionais, que viriam a ser notórios em suas

histórias. Mesmo naquela época, ele já impunha aos relatórios trazidos pelos repórteres de campo um tom dramático, que im- pressionava a todos. Os casos que mais o interessavam eram, sem dúvidas, aqueles nos quais um casal de jovens namorados se matavam por algum motivo simbólico.

Com mais de uma década de residência dos Rodrigues na cida- de do Rio de Janeiro, a situação econômica familiar melhorou consideravelmente. Nelson, em 1927, abandonou a escola e passou a se dedicar a seu emprego no jornal, sendo promovido à seção dos editorialistas, escrevendo artigos assinados, junto a grandes nomes, como Monteiro Lobato.

Em 1928, em razão de questões econômicas, Mário Rodrigues perdeu o jornal A Manhã para seu sócio. Semanas depois,

lançou o jornal Crítica, que foi considerado seu jornal mais

célebre. Nelson acompanhou o pai na mudança e passou a tra- balhar no novo jornal, na seção de esportes, outra paixão sua. No ano seguinte, passou por uma experiência que deixou marcas profundas. Testemunhou um atentado contra seu irmão mais velho, Roberto, que morreu em razão da ocorrên- cia: um crime passional que, na verdade, visava seu pai, Mário Rodrigues, em represália a uma notícia lançada por seu jornal. Nelson, em suas memórias, afirmou: “[...] o meu teatro não seria como é, nem eu seria como sou, se eu não tivesse sofrido na carne e na alma, se não tivesse chorado até a última lágrima de paixão o assassinato de Roberto.” (2015, p. 89)

Não muito tempo depois da perda de Roberto, o patriarca da família, Mário Rodrigues, morreu, em 1930, de encefalite aguda

e hemorragia. Mais uma tragédia familiar permeando a vida de Nelson, que creditava a morte de seu pai à tragédia de seu irmão: “Foi uma tragédia que quase destruiu minha família. Pensei, em certos momentos, que nenhum de nós sobreviveria; e que aquilo era o fim de cada um e de todos. Foi o fim de meu pai, que mor- ria dois meses depois. A mesma bala que se cravou na espinha de Roberto, ah, matou o velho Mário Rodrigues.” (2015, p. 90) No dia em que completou dezoito anos, há a notícia de que a mulher que assassinou seu irmão mais velho foi absolvida. Ain- da em 1930, o jornal Crítica deixou de ser lançado em função

da revolução que abalou as mídias impressas e levaram Getúlio Vargas – que era criticado ferozmente pelo jornal – ao poder. A partir de então, a queda social e econômica da família se iniciou. Tentativas de arrumar emprego fracassadas, vendas de objetos familiares e despejos de inúmeras casas marcaram os próximos meses da família, até que, em 1931, Nelson e seus ir- mãos conseguiram emprego em alguns jornais cariocas. Apesar de novamente empregados, a renda dos irmãos era o suficiente apenas para sustentar a família, nada mais.

Acometido por paixões súbitas e melancolias profundas, além da fome propriamente dita, Nelson vivia tão profunda e tragicamente quanto suas personagens. Em 1934, adoeceu em razão da tuberculose e teve que ir para Campos do Jordão se tratar, permanecendo lá por catorze meses. Lá no Sanatorinho, como era chamado o local de tratamento, Nelson escreveu sua primeira “peça”: um sketch cômico sobre a situação dos que estavam ali internados, estrelando os próprios enfermos.

Mesmo depois de ter sido liberado para voltar para casa, a do- ença o acompanhou durante quinze anos, fato que o levou a ter pelo menos cinco recaídas graves nos anos a vir. Além dele, seu irmão mais novo, Joffre, também descobriu possuir a doença e, em 1936, foi para um sanatório em Petrópolis se tratar, Nel- son o acompanhou. Ao final de sete meses no sanatório, Joffre morreu. Nelson testemunhou seu sofrimento e, mais uma vez, assistia à morte de um familiar.

Não muito depois, a doença voltou a se manifestar e Nelson teve de retornar ao sanatório em Campos de Jordão para se cuidar, onde permaneceu alguns meses. De volta ao Rio, reto- mou seu trabalho no jornal O Globo, desta vez como crítico de

óperas e peças de teatro.

Durante o ano de 1938, a doença não o afligiu e Nelson iniciou um relacionamento com Elza Bretanha, que começara a traba- lhar na redação de O Globo. Apesar da desaprovação da mãe

da menina, o casamento foi marcado para maio de 1939. Um mês antes do casamento, Nelson teve de voltar ao Sanatorinho por causa de outra recaída da tuberculose, permanecendo lá quatro meses. O casamento, enfim, ocorreu em 1940. Em meados de 1941, com Elza grávida de seu primeiro filho, escreveu sua primeira peça: A mulher sem pecado. A peça só foi levada aos palcos depois de mais de um ano e muita insistência do autor, porém não obteve resposta positiva do público. Em janeiro de 1943, escreveu Vestido de Noiva, que teve sua estreia dia 28 de dezembro daquele ano. A obra foi um sucesso e o consagrou como dramaturgo.

Se Nelson obteve uma grande resposta com Vestido de Noiva, o alvoroço trazido por Álbum de Família, sua terceira peça, não poderia ter sido preconizado. A peça, de 1946, foi proibida em todo o país pela Censura Federal por incitar ao crime e conter temas como incesto. A liberação só veio em 1965 e a peça foi levada ao público pela primeira vez em 1967.

Nos anos que seguiram, mais peças polêmicas foram escritas:

Anjo Negro, em 1946; Senhora dos afogados, em 1947; e Dorotéia,

em 1949. Destas, apenas Anjo Negro foi levada aos palcos na época, as outras duas peças foram interditadas pela Censura. Além das peças, Nelson escreveu folhetins nesta época sob o pseudônimo de Suzana Flag. Depois se tornou correspondente de um correio sentimental no jornal, sob o pseudônimo de Myrna. Em 1951, escreveu o monólogo Valsa nº 6, que não teve pro- blemas com a Censura, porém, tampouco obteve sucesso com o público. Nesta mesma época, começou a trabalhar no jornal

Última Hora, no qual publicou as crônicas de “A vida como ela

é…”, que trouxeram mais frutos que suas últimas peças. Nelson voltou às boas graças do público em 1953 com sua peça

A falecida, uma trama tipicamente carioca que, embora clas-

sificada como tragédia, trazia quês de comédia que a torna- vam agradável e destoante das últimas peças que escrevera. Também conseguiu que sua peça Senhora dos afogados fosse liberada e levada ao público no ano seguinte, pela primeira vez desde que fora escrita, em 1947.

Em 1957, Nelson escreveu Perdoa-me por me traíres e chocou a todos quando, pela primeira vez, foi aos palcos como tio Raul, uma das personagens chave da trama (Figura 29). A peça foi re- cebida de maneira negativa pelo público, sendo até censurada logo após sua estréia. Porém, após ter sido liberada mais uma vez, perdurou por dois meses a mais que os dez dias planeja- dos. Só que com outro ator no papel de tio Raul, pois Nelson declarou, ali, o fim de sua carreira de ator. Naquele mesmo ano,

Viúva, porém honesta foi escrita e levada aos palcos.

No ano seguinte, lançou Os sete gatinhos, que foi considerada por alguns sua melhor peça, e rechaçada por uns tantos ou- tros. Odiada ou não, a peça teve casa cheia durante toda sua permanência em cartaz.

Em 1959, Nelson escreveu Boca de Ouro, que foi interditada por alguns meses. Em 1960, foi apresentada em São Paulo, onde não obteve sucesso; no Rio, no ano seguinte, deu-se o contrá- rio. Ainda em 1961, Beijo no Asfalto também foi a cartaz e, ape- sar da trama polêmica, permaneceu rodando por sete meses, a maior duração de uma peça de Nelson Rodrigues. A duração da peça culminou com a saída de Nelson do jornal Última Hora,

onde trabalhava, e seu ingresso no Diário da Noite e, poste-

riormente, em O Globo.

Em 1963, Nelson se separa de Elza e casa com Lúcia Cruz Lima, que estava grávida de um filho seu. Neste mesmo ano, é lan- çada a peça Bonitinha, mas ordinária ou Otto Lara Resende, em homenagem ao amigo mineiro de Nelson.

Figura 29 - Nelson Rodrigues, como Tio Raul, ao lado de Léa Garcia na peça Perdoa-me por me traíres, em 1957. Fonte: site Funarte.

Daniela, terceira filha declarada de Nelson (a primeira de seu relacionamento com Lúcia), nasceu prematura de seis meses e houve severas complicações em razão disso, a exemplo da paralisia cerebral, além da mudez e da cegueira. O primeira ano da criança foi passado em uma tenda de oxigênio. Nelson, em suas memórias (2015, p. 50-3), afirma que desde jovem acredi- tava que ficaria cego um dia; no final das contas, aconteceu algo bem pior: a “maldição” foi passada para sua filha.

Ainda neste ano, Boca de Ouro foi adaptada para cinema com di- reção de Nelson Pereira dos Santos. Filmagens de Bonitinha, mas

Ordinária e Anjo Negro já haviam sido anunciadas para compor

aquele movimento que estava apenas se iniciando, o Cinema Novo. Ao contrário de Bonitinha, mas Ordinária e Boca de Ouro que obtiveram considerável sucesso, o filme de A Falecida foi um fiasco comercial, embora tenha sido premiado em festivais. O fracasso do filme afetou, e muito, Nelson e seu filho Joffre, que tiveram que vender imóveis para tentar quitar a dívida deixada. Em razão disso, Nelson aceitou escrever telenovelas, escreveu três ao todo, que rodaram nos anos de 1963 e 64 (não sem sofrer alguns empecilhos com a censura, como de praxe): “A morta sem espelho”, “Sonho de amor” e “O desconhecido”.

Em 1965, foi aos palcos Toda nudez será castigada, que obteve bastante sucesso apesar da dificuldade em encontrar atores que estivessem dispostos a encená-la. Ainda endividado, Nelson tinha a televisão como sua maior fonte de renda. Seu programa de entrevistas na TV Globo, “A cabra vadia”, fez considerável sucesso, mas não o suficiente para que fosse sua única fonte de

renda. Nelson ainda escrevia textos para outros programas e colunas de jornal para dar conta dos gastos.

Em 1966, o irmão mais velho de Nelson, Mário Filho, morreu de um enfarte fulminante, deixando para trás livros escritos e uma sólida carreira como jornalista esportivo. Sua esposa, Célia, matou-se no ano seguinte bebendo veneno.

No ano seguinte, Nelson se junta ao Correio da Manhã, jornal no

qual começou a escrever uma coluna com suas memórias que, posteriormente, foram reunidas no livro Memórias: a menina sem estrela (o subtítulo foi dado em homenagem a sua filha,

Daniela). Em fevereiro deste mesmo ano, o irmão de Nelson, Paulo Rodrigues, morreu, juntamente a sua esposa, sogra e filhos, quan- do o prédio onde morava desabou por causa de uma tempestade. Sobre a morte de seus dois irmão, Nelson escreveu:

Quando meu irmão Mário Filho morreu, escrevi que a morte é anterior a si mesma. Ela começa muito antes, é toda uma luminosa e paciente elaboração. [...] O que me pergunto é se também Paulinho, sua mulher, seus filhos, sua sogra come- çaram a morrer antes. E só peço que nem meu irmão, nem meus sobrinhos, nem minha cunhada tenham percebido nada. Imagino uma morte compassiva, sem tempo para o medo e para o grito. (2015, p. 37)

Em 1969, após oito anos de relacionamento, Nelson separou-se de Lúcia e foi morar com Helena Maria, 35 anos mais jovem que ele.

Na década de 1970, Nelson teve complicações médicas em virtude de um problema que já tratava há anos: sua úlcera. Estava com duas úlceras perfuradas e, durante sua estadia de alguns dias no hospital a espera de cirurgia, sofreu uma bron- copneumonia, uma parada respiratória e um enfarte. Quando pôde voltar para casa, passou a necessitar de cuidados médicos 24 horas por dia. Não muito tempo depois, em janeiro de 71, voltou a se sentir mal e teve de ser internado com insuficiência coronária aguda. Enquanto estava internado, pediu para que Helena Maria saísse da casa onde moravam juntos.

Em 1972, Nelsinho, o caçula de Nelson com Elza, foi preso e torturado pelos militares. Nos últimos dois anos havia se mantido na clandestinidade e se tornado um elo importante do grupo revolucionário MR-8, que lutava contra a ditadura militar. Nelson só pôde ver o filho cerca de uma semana depois de sua captura e o fez visitas sempre que pôde, durante os sete anos em que o filho permaneceu preso.

Nestes anos, a família de Nelson se tornou ainda menor: seu irmão, Milton, morreu em 72 de uma trombose cerebral; e sua mãe, Maria Esther, faleceu no ano seguinte de um edema pul- monar. Ainda neste ano, Arnaldo Jabor lançou o filme de Toda

nudez será castigada, que foi um sucesso de público e crítica e

foi enviado para o Festival de Berlim, porém foi censurado e retirado dos cinemas. Nos anos seguintes, Jabor fez mais adap- tações de obras de Nelson para o cinema, algumas bastante aclamadas como A dama do lotação, de 1978.

Em 1974, após oito anos sem escrever peças, Nelson lança

Anti-Nelson Rodrigues. A partir deste ano, Nelson passou a

apresentar quadros de saúde cada vez mais agravados, muitos em consequência da tuberculose que o afligira na juventude. Apesar das ordens médicas que já se repetiam há anos, Nelson permaneceu fumando até o fim de sua vida.

Em 77, Nelson e sua primeira (e, oficialmente, única) esposa, Elza, decidem voltar a morar juntos. Nos últimos anos, o casal se reaproximou, especialmente em razão da prisão de Nelsinho. Em 1979, Nelson escreveu sua última peça, A serpente.

No dia 21 de dezembro de 1980, aos 68 anos, Nelson faleceu de trombose e de insuficiência cardíaca, respiratória e circulatória. Naquele dia, durante a partida de futebol, esporte que tanto amava, do Brasil contra a Suíça, fez-se um minuto de silêncio durante o jogo em sua homenagem.

As obras de Nelson Rodrigues marcaram a literatura, o teatro, a televisão e o cinema brasileiro, tornando-o uma das figuras mais influentes e, certamente, polêmicas do país no século XX.

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