• Nenhum resultado encontrado

NININE: PROJETO SOCIAL E EMPREENDEDORISMO

CAPITULO 7 O TRABALHO E O CONSUMO: COEXISTÊNCIAS

7.2. NININE: PROJETO SOCIAL E EMPREENDEDORISMO

Aos 27 anos, Ninine parece mais nova. Há vários anos atua como dirigente social da União de Núcleos, Associações dos Moradores de Heliópolis e Região, a UNAS, entidade social sem fins lucrativos que surgiu em meados dos anos 80. No momento, ela e mais três amigas administram o projeto Facebook na Comunidade, dedicado a dar cursos de empreendimento e amparo ao comércio de dentro da favela de Heliópolis. Ninine estuda Publicidade e Propaganda na Faculdade Anhanguera, está no último ano, sétimo semestre, já se preparando para fazer o trabalho de conclusão de curso. Ela trabalha para a UNAS, registrada, há oito anos. Sempre trabalhou com projetos que tinham um determinado tempo de contrato. Os projetos eram sempre voltados para empreendedorismo social, cidadania, com o jovem adolescente, passando por vários projetos na UNAS. “Então eu já passei por vários projetos na UNAS. Fui educadora, fui jovem de projeto também, entrei tipo que nem o pessoal indo pro CCA, entrei em um projeto que trabalhava cidadania, questão política da gente ser um cidadão, da gente cobrar os nossos direitos. Aí depois entrei num projeto que trabalhava o empreendedorismo, que era… a gente montar uma marca dentro de Heliópolis. Aí não rolou muito porque tipo naquela época acho que tava começando essa cultura das

pessoas serem empreendedoras, de criar cooperativa, trabalhar em grupo e isso era muito complicado, mas tudo que eu aprendi lá é o que me deu vontade de fazer o curso que eu faço hoje que é Comunicação. Tanto que você que eu falo pra caramba, né? Eu gosto de falar, de criar, gosto de ver, gosto de tudo que tem a ver com comunicação. Aí eu trabalhei nesses projetos, trabalhei como educadora no projeto com a Coca Cola, que é o Coletivo Coca Cola. Eu fui a primeira educadora do projeto, então quando instalou aqui em Heliópolis, eu… eu que iniciei assim, tudo muito novo né? Por que, não tinha nada aqui pra jovem. E era muito bacana. Vai fazer agora… entrou em 2010, 7 anos já de parceria com a Coca Cola. Eles.. Aí tinha aqui e em mais dois lugares, que era no Campo Limpo se eu não me engano e o outro eu não lembro. Daí desses três projetos foi quando ele foi surgindo no Brasil inteiro né? Então eles têm no Brasil inteiro agora. Se não me engano foi no Campo limpo a primeira. Aí foi o primeiro lá, um aqui em Heliópolis e outro no Grajaú. Aí os três primeiros foi aqui. Aí eu fiquei durante um ano, a Deise foi umas das minhas educandas, aí a gente dava essa aula de dois meses pros jovens, que eles aprende as técnicas de como ser um… De vender o produto, se você trabalhar no mercado do varejo, como você trabalha essa coisa do marketing. Eles ensinavam tudo isso. Preparava pro primeiro emprego. Aí eu saí e depois eu entrei no projeto Cultura com o Itaú, a ideia era pegar os jovens da comunidade e ir explorar a cidade de São Paulo de ônibus, pegava 30 jovens e andava de ônibus pro Pacaembu, pro Centro, pra Paulista, era meio uma loucura, mas a gente fazia. Acho que foi um dos melhores projetos assim que a gente trabalhou, por que ninguém quer investir cultura pra ninguém, e o Itaú fez essa questão de investir cultura pros jovens. Então os jovens começaram a andar, tinha jovem que nunca tinha ido pro terminal Sacomã, que nunca tinha saído daqui da comunidade. A gente ficava impressionado. Aí acabou também, não funcionou mais, acho que acabou a verba do Itaú. Foi em 2011. Aí ficou um ano, e depois eles não renovaram. A gente ficou muito triste, porque não tinha mais projeto pra jovem, quase não tem projeto de desenvolvimento pro jovem. Aí depois desse projeto, eu trabalhei no Jovens Álcool Consciente, que trabalha a questão da prevenção com álcool, com o Reginaldo, não sei se você conhece, que ele coordena. Era... foi uma parceria… tem até hoje, acho que vai fazer seis anos de projeto, já vai renovar agora de novo. Aí eu fui assistente de coordenação, cuidava… Foi aí quando eu trabalhei com o Vinicius que fez o aplicativo, com o Bruno também, o Felipe que eles foram jovens do projeto. A AMBEV que repassa o dinheiro para a UNAS, e a gente que escreveu o projeto. Esse projeto do Jovens Álcool Consciente também, é um projeto que foi escrito

pela UNAS, pelas pessoas da UNAS e que AMBEV gostou muito da forma que a gente fazia, da metodologia que a gente fez. E aí eles pegaram e conversaram com a LINKS que faz essa ponte de ONGs com AMBEV. Aí eles começaram a criar o projeto Na Responsa, que eles têm no Brasil inteiro, mas a metodologia, toda a ideia foi daqui da UNAS. Chegou até do tempo do Alckmin, o governo eles aderirem ao projeto, aí acho que eles tentaram fazer nas escolas, só que não funcionou, não sei por que. Acho que não procurou a gente, não conversou, por que é a metodologia que você tem que trabalhar. E era... é muito legal, projeto de um ano, os jovens recebem bolsa pra ficar nesse projeto, são 20 jovens e eles tinha oficina todos os dias da semana pra trabalhar a questão da prevenção do álcool, pra quem é menor de 18 anos e quem é maior beber conscientemente. Então a ideia é não era falar pra ele “não bebe por que você é menor de idade ou não bebe muito por que faz mal pra você”. É ensinar a ele quais efeitos que vão causar nele daqui um tempo, é… não falar “não, não, não, não” por que é muito fácil fazer propaganda e falar “não bebe”, o jovem vai querer beber, vai querer consumir. Daí a gente ensinava esse tempo todo, mostrava pra eles, aí durante um tempo eles recomeçava a replicar tudo que eles tinham aprendido. Então era bem legal, eu gostava. Eu não sei se você conhece o Alexandre de Maio, aquele do Catraca Livre, que ele desenha. Ele vinha, dava aula de sexta pra trabalhar essa coisa das mídias sociais, de como usar o Facebook pra fazer montagem, pra tipo fazer alguns GIFs. Pra essa questão do álcool era muito bacana. Tinha um professor, o Silvio Ayala, que ele dá formação de redação pra gente criar uns textos bacanas. Tinha a de produção de eventos, porque todo último sábado do mês a gente fazia a Balada Black, que era a balada sem álcool e ninguém acreditava, mas meu, lotava, mil pessoas, jovens dentro da balada. Aí saí do Álcool consciente e surgiu a oportunidade de trabalhar como coordenadora aqui no Facebook.”

A trajetória de Ninine entre os projetos sociais da associação UNAS expõe uma política que faz parte da construção do indivíduo como um produtor consumidor, sendo elevado a posição de coordenador social criativo, apresenta-se como uma questão importante da inclusão cultural contemporânea das trocas de mercadorias. Isso se soma à concepção do eu como capital de si mesmo.

Esses projetos não pretendem dirimir a desigualdade social, mas possibilitar a convivência nessa desigualdade propondo uma produção da comunidade mais alinhada a um nível individual de proteção social. O caminho tem sido tudo menos linear, a tal ponto que “o resultado é uma forma nova e crescentemente abstrata de dominação, que

sujeita as pessoas a imperativos e coerções estruturais impessoais que não podem ser adequadamente compreendidos em termos de dominação concreta (por exemplo, dominação pessoal ou de grupo), que também gera uma dinâmica histórica contínua” (POSTONE, 2014, p. 18).

Essa reinterpretação trata o neoliberalismo menos como uma teoria das formas de exploração e dominação na sociedade e mais como uma teoria social crítica da própria natureza da modernidade. Nesse sentido o neoliberalismo é percebido pelos indivíduos como um sistema que desenvolve uma ordem que produz uma verdadeira “naturalização do social”. Ou seja, as formas de trabalho e consumo se entrelaçam possibilitando a ascensão social no espaço do cotidiano pelo status de uma posição diferencial na comunidade, sem representar com isso mudanças estritamente de ordem econômica. A própria ideia de liderança, nesses casos, estaria deslocada de sujeito capaz de mobilizar a comunidade para reivindicação política, em direção aos indivíduos com potencial criativo para gerir o próprio trabalho-negócio-comunidade.

Estariam sendo experimentadas nessas periferias formas de fazer política associadas à responsabilidade social corporativa e à proposição criativa da sociedade civil, captando assim como ativo econômico os bens imateriais. E a série de consequências que se deram ao nível social, cultural e político, engendram uma adesão a partir das consciências do modelo e também uma experiência múltipla de coerções e submissões a um sistema tentacular.

Estimula-se a criatividade e a criação de novos coletivos e grupos por “indústrias criativas” voltadas para ampliação do consumo de serviços e bens. Setores como artesanato, design, moda, filme e vídeo, música, artes performáticas, software, computadores e videogames estão mais abertos a esse tipo de estratégia política, e são mais facilmente absorvidos pelo mercado. Desta forma, reconfiguram-se as dimensões cotidianas, as práticas de consumo, as formas de sociabilidade e as formas de expressão dessas populações.

Neste sentido, é possível refletir sobre uma reconfiguração dos serviços de saúde de modo ambivalente, já que ao mesmo tempo em que se está mais próxima do público historicamente excluído, se distancia pelas terceirizações via ONGS, OSS, etc. A contradição é aprofundada ao micro, penetrada no nível individual, em que a invasão da vida privada das pessoas se faz através de um conjunto de planejamentos sociais privados de gestão, com agentes de saúde e de cultura e o trabalho no território. A

contradição posta é que isso não implica em melhoria ou mais proteção social, mas se realiza em programas mais fragmentados à luz da eficiência e do acesso.