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2. O DIREITO FUNDAMENTAL À SAÚDE NO BRASIL À LUZ DA ORDEM

2.5 A noção do mínimo existencial

O mínimo existencial pode ser considerado como prestações materiais mínimas, que garantam qualidade de vida aos cidadãos de uma forma de vida digna. A doutrina majoritária, assim, compreendende o mínimo existencial como relacionado estreitamente com a os direitos fundamentais. Apesar de não estar expressamente previsto na Constituição de 1988, é recorrente que seu embasamento é proveniente do Estado Democrático de Direito e à dignidade da pessoa humana, no sentido de que, para a existência desta, é necessário o atendimento de condições básicas.

Ingo Scarlett afirma:

embora não tenha havido uma previsão constitucional expressa consagrando um direito geral à garantia do mínimo existencial, não se poderia deixar de enfatizar que a garantia de uma existência digna consta do elenco de princípios e objetivos da ordem constitucional econômica (art. 170, caput), no que a nossa Carta de 1988 resgatou o que já proclamava a Constituição de Weimar, de 1919.” (SARLET e FIGUEIREDO, 2008, p. 24).

John Rawls, no século XX, propõe o princípio do ‘’véu da ignorância’’, ficção baseada na suposição de que, no contrato social, cada indivíduo não sabe, a princípio, qual porção de bens lhe será destinada. Em razão de tal desconhecimento, seria necessário que cada pessoa fosse capaz de colocar-se no lugar do outro, a fim de compreender que, assim como pode ter parte considerável de bens, pode também não tê- lo, sendo tal princípio denominado pelo autor como Maximin.

A partir disso, é desenvolvido que todas as pessoas, dentro do mesmo sistema, são detentoras dos mesmos direitos e liberdades, devendo este ser um princípio constitucional. Qualquer alteração nessa configuração deverá ter por intuito o beneficiamento dos que são menos favorecidos, sendo tal principio de natureza legislativa.

No período posterior à Segunda Guerra Mundial, com destaque de defesa aos direitos fundamentais após todos os abusos cometidos na Alemanha Nazista, Otto Bachof destaca-se ao considerar a importância de um mínimo de garantia para que exista de fato dignidade da pessoa humana, com a existência de segurança social, é necessária também prestação material, uma vez que, o direito à vida está também relacionado a esta.

No Brasil, Ricardo Lobo Torres é pioneiro na adoção da ideia de um mínimo existencial, ao considerar que a dignidade da existência de um ser humano compreende prestações positivas por parte do Estado:

O mínimo existencial é direito protegido negativamente contra a intervenção doEstado e, ao mesmo tempo, protegido positivamente pelas prestações estatais. Dizse,pois, que é direito de status negativus e de status positivus, sendo certo que, não raro se convertem uma na outra ou se coimplicam mutuamente a proteçãoconstitucional positiva e negativa (Torres, 1990 p. 69)

Assim, o mínimo existencial faz-se elemento essencial, que, antes de fim a ser estipulado pelo legislador, é um direito assegurado constitucionalmente, independentemente da iniciativa do Poder Legislativo, apesar de que, qualquer prestação que ultrapasse tal mínimo será estipulada por meio de lei. O mínimo existencial está ligado à pobreza absoluta a ser combatida pelo Estado, e apesar de não

estar expresso explicitamente na constituição, tem-se que está atrelado à ideia de Direitos Fundamentais, sendo possível encontrar algumas alusões a este na legislação vigente:

A Lei Federal 8.742, de 1993 faz alusão ao mínimo existencial., no art 1º: A assistência Social, direito do cidadão e dever do Estado, é política de Seguridade Social não contributiva, que provê os mínimos sociais, realizada através de um conjunto integrado de ações de iniciativa pública e da sociedade, para garantir o atendimento às necessidades básicas. (Brasil, 1993)

O art 25, da Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948, também se refere ao mínimo existencial:

Toda pessoa tem direito a um nível de vida suficiente para assegurar a sua saúde, o seu bem-estar e o de sua família, especialmente para a alimentação, o vestuário, a moradia, a assistência médica e para os serviços sociais necessários.(ONU, 1948)

Agindo o Poder Executivo sem inércia justificável, com o compriometimento da efetivação dos direitos fundamentais, poderá o Poder Judiciário, a depender do caso concreto e de forma ponderada, com a identificação de descumprimento de dever estatal, e a fim de promover o bem-estar aos cidadãos, intervir no descaso, como forma de resguardar o mínimo existencial, apesar da caber aos Poderes Executivos e Legislativos a garantia primordial deste.

Ana Paula de Barcellos, em análise a respeito da garantia de condições mínimas de garantia de direitos fundamentais aos cidadãos, defende que o mínimo existencial a ser prestado pelo Estado convém ser atendido pela internvenção do Poder Judiciário:

O plano que trata apenas de atendimento ambulatorial (art. 12, I, da Lei n. 9.656/98) – o mais limitado de todos, note-se – terá de oferecer, obrigatoriamente, nos termos da lei: (i) consultas médicas, em número ilimitado, em clínicas básicas e especializadas; (ii) serviços de apoio diagnóstico; e (iii) tratamento e demais procedimentos ambulatoriais. Estas prestações, sem exclusão de outras, são certamente espécies do gênero

medicina preventiva, de modo que deverão ser oferecidas obrigatoriamente pelo Estado. Ou seja, o particular poderá exigir, e o Judiciário determinar, que o sistema público de saúde realize gratuitamente, e.g., o parto, forneça a vacina necessária, faça o acompanhamento pós-natal da criança, ofereça o atendimento preventivo de clínica geral e especializada, entre outros.( BARCELLOS, 2008, P 133)

A noção de mínimo existencial busca, ainda, a superação do coneito de que a falta de recursos pode justificar toda e qualquer ausência de prestação do direito à saúde, essencialmente naquilo que deve ser prioritário dentro da previsão constitucional.