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Noções gerais de interpretação dos registos

1. Metodologias de estudo

1.1. Reflexão sísmica

1.1.2. Noções gerais de interpretação dos registos

A interpretação de perfis de reflexão sísmica (sismostratigrafia) baseia-se na assumpção de que há uma correspondência directa entre a chegada de um eco e a presença de uma descontinuidade física que se traduz, regra geral, num horizonte geológico. Todavia, podem existir alguns artefactos que se não forem tidos em consideração poderão induzir a interpretações erróneas.

Em levantamentos de reflexão sísmica marinha, o sinal que é reflectido a partir das interfaces existentes no sub-fundo é registado à superfície, através de hidrofones, com um ângulo próximo da normal de incidência do impulso acústico. Esse sinal de retorno designa-se por reflexão primária. Todavia, existem múltiplos caminhos que o sinal poderá percorrer após reflexão numa interface, designando-se por reverberações. Na Fig. III.5 são mostrados vários caminhos possíveis para o sinal.

Fig. III. 5 – Diagrama do registo da reflexão do fundo e reverberações de superfície, numa superfície regular (A) e

numa superfície acidentada (B). Legenda: z1 refere-se à coluna de água menos a média das profundidades a que se encontra a fonte acústica (a1) e os hidrofones (a2); z2 refere-se ao dobro da coluna de água menos a média das profundidades a que se encontra a fonte acústica [(a1 + a2)/2]. Adaptado de Applied Acoustics Engineering (1998).

De um modo geral, as reflexões múltiplas tendem a ter menores amplitudes do que as reflexões primárias, devido ao facto do sinal perder energia ao longo do processo de reflexão (atenuação). Não obstante, existem dois casos de reverberações com elevado coeficiente de reflexão e, por essa razão, tendem a apresentar amplitudes comparáveis às reflexões principais, designadamente a reflexão da superfície da coluna de água e a reflexão do fundo (e de toda a sequência subsequente). No presente estudo, como não se empregaram sistemas de reboque em profundidade (deep tow), o problema do primeiro não se coloca, mas a identificação do segundo é crucial para uma interpretação correcta do registo. Os múltiplos mimetizam sempre uma reflexão principal e podem ser distinguidos dos restantes reflectores porque o seu espaçamento é aproximadamente igual à distância que separa o hidrofone do fundo (Fig. III.6).

A onda directa é outro sinal de elevada amplitude que normalmente fica registado num perfil de reflexão sísmica. Se a distância da fonte acústica ao hidrofone for menor do que o dobro da distância do hidrofone ao fundo, o primeiro sinal registado após a emissão será a onda directa (Fig. III.5). Por diversas razões existem situações em que é aplicado um atraso (delay), não ficando assim registada a onda directa. Porém, o seu registo é de extrema importância no processamento de sinal, uma vez que este contém a assinatura da fonte acústica, a qual será necessária para remover do sinal primário as reverberações produzidas na superfície da água (Fig. III.6).

Fig. III. 6 – Esquema dos caminhos possíveis que o sinal percorre na coluna de água. Legenda: 1 – reflexão a partir

do fundo; 2 – reflexão a partir da superfície da coluna de água, seguida de reflexão no fundo; 3 – reflexão a partir do fundo, seguida de reflexão na superfície da coluna de água; 4 - a partir da superfície da coluna de água, com reflexão no fundo, terminada por nova reflexão na superfície. Adaptado de Applied Acoustics Engineering (1998).

Estas reverberações de superfície, ou múltiplos de caminho curto (short-path multiples) geram- se porque a fonte acústica irradia energia (som) em todas as direcções do espaço, viajando uma porção do impulso acústico em direcção à interface ar-água, sendo aí posteriormente reflectida para o hidrofone. Dado que apenas um dos caminhos corresponde ao registo real do fundo, os restantes caminhos carregam um sinal (ruído) que vai adulterar o sinal primário. Este fenómeno é mais notório na reflexão do fundo, onde o coeficiente de reflexão é mais elevado, mas todo o registo ao longo do traço (disparo) é afectado. Uma vez que este ruído está contido no espectro de frequências da reflexão primária, não sendo por isso possível removê-lo através da aplicação de filtros passa-banda, a sua atenuação é conseguida através da desconvulsão da onda directa (spike deconvolusion).

Dadas as propriedades únicas da sismostratigrafia é possível aplicar directamente os conceitos da estratigrafia sequencial nos perfis de reflexão sísmica (Fig. III.7), baseando-se estes, principalmente, na análise sísmica sequencial e análise da fácies sísmica (Vail & Mitchum, 1977). A análise dos parâmetros da fácies sísmica baseia-se na identificação primária dos atributos sísmicos de uma determinada unidade (configuração da reflexão, continuidade e amplitude) e sua respectiva forma externa (Fig. III.8). Logo que a fácies sísmica esteja descrita e mapeada, enquadrada portanto no espaço, é possível extrair informação relativamente ao ambiente sedimentar que presidiu à sua formação (Mitchum et al., 1977).

Autores como Vail et al. (1977), Vail et al. (1984) ou Van Wagoner et al. (1988) desenvolveram técnicas em que sequências estratigráficas são inferidas a partir de perfis de reflexão sísmica, assumindo que os reflectores sísmicos estão intimamente relacionados com superfícies crono- estratigráficas, nomeadamente superfícies de deposição ou discordâncias. Para além do estabelecimento das relações espacio-temporais das diferentes unidades sísmicas presentes numa determinada área de estudo, a partir da geometria dos reflectores é ainda possível classificar geneticamente as unidades, determinar a sua espessura, o seu ambiente deposicional e inferir a paleo-fisiografia da área de estudo.

Estes conceitos foram inicialmente empregues na reflexão sísmica multicanal, mas a utilização dos mesmos princípios aplicados à reflexão sísmica de elevada resolução (frequências centrais superiores a 1 kHz) têm provado bons resultados em inúmeros estudos de plataformas continentais, tais como no Mar de Alboran (Hernández-Molina et al., 1994 ou Fernández-Salas et

al., 1996), Mar de Marmara (Smith et al., 1995), costa de Nova Jersey (Duncan et al., 2000), Golfo

de Cadiz (Lobo et al., 1999; 2001; 2002), Golfo da Biscaia (Lericolais et al., 2001), Mar da China (Berné et al., 2002), ou na Baia de Fundy na Nova Escócia (Dashtgard et al., 2007), entre tantos outros.

Fig. III. 7 – Registo típico de um sismograma de reflexão sísmica monocanal após processamento (aplicação de

filtros passa-banda, ganhos e correcção estática). A resolução vertical prática (gráfica) neste registo é de aproximadamente 0.4 m. A onda directa regista um afastamento da fonte acústica ao hidrofone de cerca de 15 m (tempo directo). Perfil adquirido com um sistema boomer operado a 100 Joules. Legenda: T – início da transmissão do sinal (0 ms); D – onda directa; F – fundo do mar; Rc – topo da rocha consolidada (formações sedimentares basculadas do Cretácico); M – múltiplo do fundo; S1, S2 e S3 – três unidades sísmicas da cobertura sedimentar superficial que se distinguem pela fácies e por estarem limitadas superior e inferiormente por reflectores terminais, respectivamente no topo e base; Hm – fácies hummocky; Tr – fácies sísmica semi-transparente; Ol – terminação offlap; Dl – terminação downlap; Te – truncatura por erosão; Cf – fácies de preenchimento de vale (channel fill).

A análise sísmica sequencial é baseada na identificação de unidades sismostratigráficas constituídas por uma sucessão relativamente estável de estratos, designada por sequência deposicional. As reflexões sísmicas são empregues para definir unidades crono-estratigráficas, uma vez que cada interface que separe dois tipos de rocha diferente produz reflexões sísmicas. Estas podem tratar-se de conformidades ou inconformidades. Os limites superiores e inferiores das sequências deposicionais são reconhecidos nos perfis sísmicos pela identificação de reflexões causadas pelas terminações laterais dos estratos, conforme ilustrado na Fig. III.9.

Relativamente à análise estrutural, são vários os elementos que podem ser identificados. Em regime de tectónica dúctil as dobras apresentam formas características de antiforma ou sinforma. Porém, em regime de tectónica frágil as principais características dos diferentes elementos estruturais são: (1) falhas normais – a estratigrafia encontra-se subtraída ou removida, verificam- se interrupções sistemáticas dos reflectores, ocorrem difracções com os vértices alinhados e há distorção ou desaparecimento das reflexões abaixo do plano de falha suspeito; (2) falhas inversas – a estratigrafia encontra-se repetida, ocorrem frequentemente antiformas a tecto do plano de falha suspeito e há um aumento súbito da velocidade de propagação do som no meio (velocity pull-

up); e (3) falhas de desligamento – verifica-se uma faixa de reflectividade incoerente ao longo do

plano de falha suspeito (usualmente sub-vertical), ocorrendo por vezes flower structures.

Em regime de tectónica salífera regista-se que: (1) domas salíferos – evidenciam ausência de reflexão frequentemente delineada pela terminação dos reflectores adjacentes que enquadram um

sinforma anelar; e (2) “tifonismo” – ocorrem estruturas de colapso normalmente seladas por deposição de estratos de maior velocidade de propagação de som no meio.

Fig. III. 8 – Exemplos de padrões de reflexão interna dentro das sequências sísmicas paralelas e progradantes

(Mitchum et al., 1977).

Fig. III. 9 – Terminações observáveis numa sequência estratigráfica ideal (Mitchum et al., 1977).