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1. Metodologias de estudo

1.2. Sonar de varrimento lateral

1.2.1. Generalidades

Um sistema de sonar de varrimento lateral consiste, basicamente, numa unidade processadora (transceiver), um cabo electro-mecânico para condução de sinal e reboque, uma unidade de sub- superfície que transmite e recepciona os impulsos acústicos, e uma unidade para visualização e registo dos dados.

A unidade de sub-superfície é normalmente um corpo fusiforme (vulgarmente designada por peixe) com cerca de 1.5 m de comprimento onde estão instalados dois transdutores, um em cada bordo (Fig. III.10). O transdutor, na maioria dos sistemas, é uma placa de cerâmica piezoeléctrica. É a sua vibração que gera o impulso acústico (ou “feixe”), o qual é direccionado favoravelmente para o fundo em virtude dos transdutores estabelecerem um certo ângulo com a horizontal, normalmente superior a 10º (tilt angle). Este “feixe” é estreito no plano horizontal (<1.5º), o que permite varrer uma fatia muito precisa do fundo, mas é suficientemente largo no plano vertical (>40º), o que associado ao basculamento dos transdutores permite uma insonificação eficaz da coluna de água abaixo da linha dos transdutores.

Fig. III. 10 – (A) Peixe de sonar lateral com depressor instalado; (B) Peixe de sonar lateral em fase de recuperação.

Na grande maioria dos casos, o peixe de sonar de varrimento lateral é rebocado em profundidade por uma embarcação (Fig. III.11) a uma distância do fundo que deve variar 10 a 20% do alcance lateral (Fig. III.12). O som viaja na coluna de água até que alcança um obstáculo (fundo ou alvo na coluna de água). Parte dessa energia acústica, sob a forma de som é então reflectida ou retro- reverberada (backscattered) em direcção ao transdutor. O mesmo transdutor que produziu o impulso acústico é agora usado para receber o sinal de retorno. O material do transdutor é mecanicamente excitado pela variação de pressão do impulso de retorno, transformado em sinal eléctrico, amplificado e impresso directamente em papel através de um registador oceanográfico, conforme descrito anteriormente para os registos de reflexão sísmica, ou digitalizado e visualizado/armazenado em computadores. Em virtude do peixe ter instalado um transdutor em cada bordo, a imagem que se obtém do fundo aparece em duas faixas, designando-se por sonografia (Fig. III.12). A largura de terreno que é coberta, ou seja, o alcance lateral vem em função do intervalo de tempo que medeia o disparo de dois “feixes” consecutivos.

Fig. III. 11 – Esquema de operação com um sonar de varrimento lateral rebocado. Obtido de Klein Associates

Fig. III. 12 – Exemplo de um registo de sonar de varrimento lateral (não corrigido). A linha vermelha representa o

seguimento do fundo. No canal de estibordo (direita) é possível observar uma série de sulcos sobre o fundo. No canal de bombordo (esquerda) é possível observar o enrocamento de um molhe de protecção. Notar na dimensão dos objectos que jazem sobre o fundo (bombordo). Sonografia adquirida em formato digital através de um sistema Klein 5000, com um alcance lateral de 50 m.

A intensidade do sinal que retorna aos transdutores (backscatter) está relacionada com uma série de factores, entre os quais a natureza e geometria do fundo, o ângulo de incidência (Fig. III.13) e atenuação das ondas acústicas (Blondel & Murton, 1997). Se o fundo do mar fosse uma superfície plana, a quantidade de energia reflectida obedeceria unicamente à Lei de Snell (ângulo de incidência igual ao ângulo de reflexão), sendo muito baixa para ângulos de incidência baixos. Contudo, como o fundo do mar é irregular, à micro-escala, essa micro-fisiografia é que permite que a energia incidente em determinados pontos seja preferencialmente redireccionada de volta ao transdutor (Fig. III.14). Por exemplo, para um fundo de natureza sedimentar, teoricamente o meio onde o fundo se apresenta mais regular, quanto mais grosseira for a granulometria do sedimento (cascalheira) maior será a quantidade de energia reflectida. Por oposição, um sedimento de granulometria fina (lodo) reflectirá menos energia, em parte por apresentar uma superfície menos irregular, e por outro lado porque tende a absorver mais energia (efeito de amortecimento).

Fig. III. 14 – Esquema que mostra a diferença entre reflexão pura do sinal quando incide sobre o fundo (A) e retro-

reverberação ou backscatter (B). Adaptado de Mazel (1985).

No que concerne às resoluções físicas dos sistemas de sonar de varrimento lateral de elevada frequência (100 e 500 kHz), há a considerar: (1) resolução transversal (across-track); e (2) resolução longitudinal (along-track). A resolução transversal corresponde a metade do comprimento do impulso, o qual está directamente relacionado com a sua duração (Fig. III.15). Por seu turno, a resolução longitudinal (along-track) não é constante e piora com o aumento da distância ao transdutor, estando directamente dependente da abertura horizontal do “feixe” e da sua geometria, isto é, com o efeito de campo próximo e campo distante (Fig. III.16).

Para os sistemas convencionais de feixe simples, pode afirmar-se que até uma determinada distância, o “feixe” insonifica uma faixa de terreno igual à largura do transdutor. Essa distância designa-se por campo próximo (Cp) e baseia-se na seguinte expressão empírica:

λ

2

L

Cp = (m) ( E q . I I I . 5 )

onde L é a largura do transdutor e λ o comprimento de onda do impulso.

Porém, a partir do limite do campo próximo, a faixa de insonificação aumenta. A deterioração da resolução longitudinal é tanto maior quanto maior é θ (ângulo de abertura do “feixe”). O efeito prático deste fenómeno é que dois alvos separados por uma distância menor do que a largura do transdutor (campo próximo) ou menor do que a resolução longitudinal para o campo distante aparecerão como um alvo único no registo. A resolução longitudinal resulta assim na distância mínima entre dois objectos, paralelos à direcção de progressão do peixe, que permite o seu registo como objectos separados (Fig. III.17). Esta distância está dependente da velocidade de reboque e da taxa de disparo dos impulsos acústicos, mas a largura do feixe é o factor mais crítico na sua determinação.

Fig. III. 15 – Exemplos de

interacção entre o comprimento do impulso acústico e a morfologia do fundo. No caso (A) a largura do trem de ondas não consegue resolver dois alvos próximos entre si, enquanto que no caso (B), uma vez que o comprimento do impulso é menor, já se torna possível o sistema discriminar esses mesmos alvos. Adaptado de Mazel (1985).

Fig. III. 16 – Esquema do campo próximo e campo distante. As unidades mencionadas representam os seguintes

parâmetris: L é a largura do transdutor; λ o comprimento de onda do impulso; e θ o ângulo de abertura do “feixe”.

Retirado de Mazel (1985).

Fig. III. 17 – Exemplo do efeito da abertura do ângulo e como tal afecta a resolução longitudinal. Retirado de Fish &

Carr (1990).

1.2.2. Noções gerais de interpretação dos registos

O emprego da técnica de visualização do fundo subaquático através de sonar de varrimento lateral (Flemming, 1976; Johnson & Helferty, 1990; Fish & Carr, 1990; Blondel & Murton, 1997) permite, entre outras, as seguintes tarefas:

• Cartografar depósitos sedimentares de diferentes granulometrias e texturas. • Cartografar afloramentos rochosos.

• Cartografar falhas e outros lineamentos morfológicos com expressão superficial.

• Detectar objectos antrópicos ou elementos característicos do fundo (feature) que sobre este repousem.

Uma sonografia de sonar lateral é uma imagem acústica do fundo subaquático, normalmente exibida numa palete de tons cinza a 8 bits, em que as tonalidades mais escuras reflectem um

backscatter mais elevado e tonalidades mais claras reflectem um backscatter de menor intensidade.

Porém, a ordem poderá estar invertida.

A sombra acústica é uma característica intrínseca das sonografias de sonar lateral, a qual representa uma janela de tempo em que os transdutores não recebem sinal de retorno (Fig. III.18). Esta particularidade confere uma dimensão suplementar ao registo, permitindo

estimar certas propriedades do fundo, nomeadamente o comando de uma determinada morfologia acidentada, invocando para tal relações simples de trigonometria.

Conforme se pode conferir na Eq. III.6 e pela Fig. III.18, o triângulo gerado pela altura do objecto (Ho), o comprimento oblíquo da sombra acústica do objecto (Cos) e a distância horizontal desde a vertical do peixe à sombra acústica (Dh) é semelhante ao triângulo que é obtido se for usada a distância do peixe ao fundo (Df), a distância oblíqua até à sombra acústica do objecto (Do)

e a distância horizontal desde a vertical do peixe à sombra acústica (Dh). Uma vez que para dois triângulos semelhantes, a razão entre dois lados correspondentes é igual, pode afirmar-se que a razão entre a altura do objecto e a altitude do sonar relativamente ao fundo é igual à razão entre a distância oblíqua do sonar ao ponto mais distante da sombra acústica do objecto.

      + = ⇔       + × = os o f os o o os f os o C D D C H D C D C H (m) ( E q . I I I . 6 )

Fig. III. 18 – Esquema ilustrativo da geometria do sistema de sonar de varrimento lateral. As relações

trigonométricas permitem calcular a distância horizontal (Dh) e altura (Ho) do alvo. Adaptado de Mazel (1985).

Conforme se viu, uma sonografia apresenta três tipos de imagem essenciais: (1) eco – resulta da reflexão directa do impulso acústico num objecto ou ponto notável; (2) ausência de sinal de retorno – pode tratar-se da sombra acústica ou da passagem do impulso acústico através da coluna de água; e (3) backscatter – compreende uma gama de intensidades de sinal de retorno que vai praticamente desde os ecos a valores tão próximos quanto os da sombra acústica. Todavia, o conhecimento prévio da geometria do impulso acústico e de algumas condicionantes da propagação do som no meio aquático são cruciais na identificação de artefactos que poderão estar presentes nas sonografias, os quais se não forem tidos em linha de conta poderão conduzir a interpretações erróneas.

Um desses artefactos é o registo da superfície da coluna de água (Fig. III.12; Fig. III.19). A geometria do feixe no plano vertical mostra que a energia decai de uma forma muito gradual

(Fish & Carr, 1990), o que leva a que parte da energia, mesmo com o basculamento dos transdutores, alcance a superfície. Se a profundidade a que o peixe se encontra é inferior ao alcance lateral, então a superfície da coluna de água ficará registada com uma intensidade que depende da frequência e proximidade do peixe à superfície.

Relacionado com os efeitos de atenuação sobre o sinal emitido, o backscatter irá decrescer de intensidade com o aumento da distância ao transdutor, para qualquer tipo de fundo, mas a diferentes taxas. A distância máxima à qual o retorno do backscatter chega ao transdutor com registo coerente designa-se por limite de backscatter. Alvos existentes para além deste limite não irão apresentar sombra acústica e dependente do alcance lateral escolhido, a intensidade de

backscatter poderá vir a ser menor do que a do ruído de fundo ambiental. Por esta razão é comum

encontrar-se uma faixa de baixa a muito baixa intensidade de backscatter situada sobre o limite do alcance lateral (Fig. III.19). Este fenómeno afecta sobretudo as sonografias analógicas, as quais não puderam contar com uma correcção de Ganhos Variáveis no Tempo (TVG, acrónimo de

Time Varying Gain) durante a aquisição e registo de sinal.

O sinal de retorno (backscatter ou reflexão pura) resultante do impulso acústico que é transmitido à água não será o único sinal a chegar aos transdutores. Existe uma grande quantidade de fontes de sinal alternativo (ruído) que podem aparecer nos registos das mais variadas formas, podendo, em casos extremos, invalidar a interpretação dos mesmos (Fig. III.19). As fontes de ruído podem ser divididas em duas categorias: (1) origem ambiental, ou seja, as que existiriam sempre, quer estivesse ou não a decorrer o levantamento; e (2) origem antrópica.

Embora as primeiras possam causar algum tipo de interferência no registo, normalmente não inviabilizam a interpretação dado que este tipo de ruído é de baixa a muito baixa frequência (chuva, ondulação, etc). As segundas, essas sim poderão inviabilizar a aquisição de dados dependendo das condições de reboque do peixe, tais como profundidade e distância ao navio ou a sensores de utilização paralela com o sonar de varrimento lateral. Daqui poderá resultar ruído acústico, como o que é gerado por fontes acústicas que são normalmente utilizadas em conjunto com o sonar de varrimento lateral (fonte do tipo sparker, por exemplo) para rentabilizar o tempo de navio, ou ruído eléctrico, como o que é gerado por deficiência de funcionamento de certos componentes do sistema (slip-ring, por exemplo) envolvidos na transmissão do sinal.

Fig. III. 19 – Registo de sonar de varrimento lateral adquirido com o sistema Klein 531T (alcance lateral de 250 m).

Em virtude da sonografia ter sido adquirida em formato analógico, nota-se que os canais não têm o TVG e os níveis de corte (thershold) equilibrados. É também possível verificar que o canal de bombordo (cima) não está correctamente isolado em termos eléctricos, uma vez que se regista interferência de um equipamento de bordo. No caso do ruído eléctrico derivado dos slip-ring, este é provocado porque há alteração no comprimento de cabo (aproximação do peixe à superfície). Para profundidades de operação relativamente baixas (inferiores a 40 m), a descarga do banco de condensadores da fonte de energia que alimenta o sparker fica registada na sonografia (interferência acústica). Este registo pertence ao levantamento utilizado para o presente estudo e a sua localização encontra-se na Fig. V.20.