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NO COLÉGIO ELEITORAL, FORA DO REGIME, CANDIDATO,

Capítulo 2 A COMUNICAÇÃO E A POLÍTICA: NA DITADURA

2.2 NO COLÉGIO ELEITORAL, FORA DO REGIME, CANDIDATO,

ANTI

A indicação do nome do General Ernesto Geisel como candidato ao Colégio Eleitoral representava uma vitória do grupo da Escola Superior de Guerra, no interior das Forças Armadas. Iniciava-se, em março de 1974, segundo entendimento de Alves (1989) a etapa de institucionalização do Estado, após o período do General Emílio Garrastazu Médici, caracterizado como o momento de consolidação do Estado de Segurança Nacional.

A oposição aos militares dividia-se entre os políticos e grupos que apostavam na luta armada como alternativa de combate ao regime militar e aqueles que assumiam o MDB como opção de resistência política, concentrando esforços no enfrentamento aos militares pela via pacífica. Esses setores, sob o comando do Deputado Ulysses Guimarães, oriundo do PSD, resolveram participar da eleição no Colégio Eleitoral, embora o próprio Presidente do MDB anunciasse que o General Geisel “aguarda a posse e não a eleição”, tal era a certeza da vitória dos militares naquela eleição de cartas marcadas, posto que a Arena detinha mais de dois terços dos votos no Congresso.

O lançamento da candidatura da oposição deu-se na Convenção Nacional do MDB, em Brasília, e o discurso de Ulysses seria transmitido pelas redes Globo e Tupi, em espaço negociado com as emissoras e a partir das imagens captadas pelos equipamentos da TV Nacional, com distribuição pela Embratel. As forças da repressão, entretanto, reagiram e, fazendo valer

sua força, impediram a veiculação da fala do candidato do MDB à Presidência da República. Embora a decisão de impedir a transmissão tivesse sido tomada com antecedência, a justificativa pública de “falha técnica” encobria a real alegação de que Ulysses havia sido insolente em suas palavras. (GUTEMBERG, 1994, p. 116-121).

A televisão, sob a vigência do Governo Médici, era, pois, de uso exclusivo dos políticos e candidatos apoiados pelos militares. Em parte da imprensa escrita, a candidatura da oposição repercutiu abrindo espaço para que o “anticandidato” – como o próprio Deputado Ulysses Guimarães se denominava – bradasse contra a censura, as prisões arbitrárias e a legislação de exceção, na tentativa de desmascarar o que chamava de antieleição e a pretensa democracia propagada pelo governo, anunciando em seu slogan que “Navegar é preciso: viver não é preciso”.

Ao lado do Presidente da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), jornalista Barbosa Lima Sobrinho, candidato a Vice-Presidente, Ulysses Guimarães percorreu o país – de setembro de 1973 a janeiro de 1974 – em comícios e reuniões, utilizando-se das emissoras de televisão e rádio, dos jornais e revistas e da eleição organizada pelo próprio regime militar para denunciar os seus métodos autoritários. Nos eventos de campanha, realizados pelas diversas regiões do país, e no espaço obtido no noticiário aberto a partir da existência da chapa de oposição ao candidato oficial, a anticandidatura foi o passo inicial para o MDB construir a sua imagem como partido da resistência democrática, afastando de si a pejorativa qualificação de “oposição consentida”. Concorriam para ampliar a repercussão do discurso oposicionista os sinais de estrangulamento de alguns aspectos do “milagre econômico”, como a alta inflação, os reflexos do endividamento e os custos sociais do modelo implantado.

A legislação eleitoral que se aplicava ao pleito de 197429 previa o

uso gratuito da televisão e do rádio para que os partidos políticos divulgassem os seus candidatos, por duas horas diárias, nos sessenta dias

29 Lei nº 4.737, de 15 de julho de 1965, instituiu o Código Eleitoral que, nos artigos 240 a 256 trata da propaganda eleitoral. (BRASIL, 1965).

que antecedessem a antevéspera da eleição. Entretanto, o Código Eleitoral não fazia restrições ao uso destes meios nas eleições indiretas.

Ao governo, obviamente, não interessava dar, aos candidatos do MDB, a chance de poder falar aos milhões de espectadores e ouvintes, tampouco este desejava expor o seu candidato aos microfones e holofotes. Mas, para o MDB, o uso do horário gratuito no rádio e na TV era objetivo dos mais preciosos. O requerimento do MDB reivindicando o uso do horário gratuito para os candidatos à Presidência, como esperado, foi negado pelo TSE, restando, portanto, para a divulgação da anticandidatura, os jornais e revistas, que abriam espaços generosos à caravana de Ulysses e Barbosa Lima.

Em Moisés: codinome, Ulysses Guimarães – Uma biografia, o jornalista Luiz Gutemberg (1994) refere-se ao relatório do MDB em que se registrava o aumento de 3.500% (três mil e quinhentos por cento) no espaço destinado pela imprensa à cobertura jornalística da oposição durante a anticampanha do MDB.30

O resultado da votação – Ernesto Geisel, 406 (quatrocentos e seis) votos; Ulysses Guimarães, 76 (setenta e seis) votos; e 23 (vinte e três) abstenções –, segundo Gaspari (2003, p. 252), não correspondeu ao ganho político da anticandidatura e do aumento da presença das bandeiras oposicionistas na agenda de discussões da sociedade.

Também em 1974, em 15 de novembro, houve renovação no Senado, na Câmara dos Deputados e nas Assembléias Legislativas. Nas eleições dos deputados estaduais, o MDB assumiu posição majoritária nos estados de maior relevância política e econômica, como São Paulo, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro e Paraná.

Na disputa pelas vagas no Senado, o MDB conquistou dois terços dos votos, expressando um desempenho bastante superior aos dos pleitos anteriores. Nas 90 cidades brasileiras com mais de 100 mil habitantes, o MDB manifestou este favoritismo vencendo as eleições em 79 destes

30 Relatório do Deputado Thales Ramalho, secretário geral do MDB: “Campanha de 21 de setembro de 1973 a 15 de janeiro de 1974 do Deputado Ulysses Guimarães e do Professor Barbosa Lima Sobrinho, candidatos do MDB a Presidente e Vice-Presidente, 1974”. Cf. GUTEMBERG, 1994, p. 131; ver, também: ALVES, 1989, p. 180.

municípios. Na Câmara dos Deputados, o partido de oposição elegeu 161 representantes, eleitos por 48% (quarenta e oito por cento) dos votos válidos. (ALVES, 1989, p. 192).

O MDB deixava de ser uma peça do jogo do regime implantado em 1964 e passava a representar uma opção na qual se concentravam as forças contrárias ao governo dos militares. O resultado destas eleições surpreendeu o governo e demonstrou a nova dimensão que o voto passava a desempenhar no quadro político: nas eleições de 1966 e 1970, o partido do governo derrotou as candidaturas do MDB, que se apresentava mutilado pelas cassações e os exílios a que foram submetidas as suas lideranças, pela ação da censura e de toda a legislação de exceção que sustentava o regime político em vigor.

Vale destacar que, durante a campanha, a presença dos candidatos do MDB nos debates transmitidos pela televisão anunciava o rompimento do silêncio e a ampliação da discussão política com a incorporação de setores da população até então alijados do processo político- eleitoral. Os candidatos do MDB concentraram seus discursos nas denúncias das práticas repressivas e no combate ao modelo econômico unificados pelo slogan “Enquanto houver um homem vivo, haverá esperança” e pela estratégia de ocupar todo o espaço político disponível.31