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O S C ANDIDATOS , OS P ARTIDOS E A F ORMAÇÃO DAS C OLIGAÇÕES

Capítulo 3 AS ELEIÇÕES E A COMUNICAÇÃO NO BRASIL

3.1 AS ELEIÇÕES DE 1986 NA BAHIA

3.1.1 O S C ANDIDATOS , OS P ARTIDOS E A F ORMAÇÃO DAS C OLIGAÇÕES

PARTIDÁRIAS

Waldir Pires foi Ministro da Previdência do governo Sarney. Deixou o Ministério em fevereiro de 1986 com o mérito de ter zerado o déficit da Previdência, a partir de um projeto definido por ele mesmo como “um trabalho de restauração” que tinha como objetivo tornar financeiramente viável o sistema previdenciário brasileiro.

O objetivo de sanear as finanças da Previdência foi acompanhado de uma estratégia publicitária que previa campanha com veiculação nacional

63 Em Diretas Já..., Domingos Leonelli Neto e Dante de Oliveira relatam a iniciativa da Rede Bandeirantes que, contrariando a orientação oficial de censurar o tema das diretas, resolveu transmitir o comício realizado na Praça da Sé, em São Paulo, em 25 de janeiro de 1984. (2004, p. 342-350).

onde a conclamação “Vamos zerar o déficit da Previdência” mostrava ser possível administrar os recursos advindos das contribuições previdenciárias de modo a permitir o retorno aos contribuintes, em forma de benefícios e proventos aos aposentados. Sob o argumento de que “é indispensável a comunicação na política, tanto mais indispensável quanto mais excluída seja a população ou quanto mais difícil seja alcançar um degrau de convivência numa sociedade desigual como a nossa”, o ex-governador Waldir Pires avalia que “a política só vale a pena se ela puder ser comunicada para, pedagogicamente, preparar a cidadania, fazer cidadãos responsáveis por sua vida” (PIRES, 2006).

Com esta formulação, o ex-Ministro da Previdência justifica o investimento realizado para fazer da recuperação financeira da Previdência Social objeto de campanha publicitária de grande amplitude e de farta cobertura na mídia, elevando o nome do ex-ministro do governo do Presidente João Goulart, deposto pelo golpe militar de 1964 e ex-exilado político, à condição de um administrador ágil e eficiente que, ao deixar o Ministério da Previdência e Assistência Social (MPAS), anunciava ter alcançado metas consideradas, à época, impossíveis de serem atingidas.

A campanha publicitária, concebida e produzida pela agência de propaganda D&E, pretendia cumprir dois objetivos: sensibilizar os servidores da Previdência para incorporá-los às ações de combate ao desperdício, à corrupção e à fraude, convocando-os, por meio de peças publicitárias que levavam o título “Vamos Zerar o Déficit da Previdência”. A segunda etapa do projeto de comunicação do Ministério, intitulada “Zeramos o Déficit”, referia- se ao objetivo de divulgar para o público em geral os resultados das medidas adotadas. Através de cartazes, folhetos, anúncios em jornais e revistas, comerciais de televisão e rádio, Waldir Pires anunciava que fora extinto o déficit de 7,9 trilhões de cruzeiros e que o balanço financeiro da Instituição apontava um saldo de 4,1 trilhões de cruzeiros no seu orçamento. Sydney Rezende64, um dos sócios da agência, explica como foi conduzida a

campanha:

[....] “Vamos Zerar o Déficit” e “Zeramos o Déficit” foram pensamento e determinação do Ministro, e o principal defensor dessa tese e interlocutor da agência no ministério era o nosso amigo (e chefe de gabinete) Sérgio Gaudenzi... A determinação de Waldir Pires era de que era possível e ele estava determinado a zerar o déficit da previdência, mesmo. Daí, pra agência foi fácil... o que demonstra que um bom briefing, bem interpretado, sempre dá certo. (REZENDE, 2007).

A campanha divulgando as ações do Ministério serviu para promover o nome do Ministro Waldir Pires e trabalhar no sentido de firmar sua imagem como administrador eficiente.

No início da campanha eleitoral, após ter deixado o governo do Presidente Sarney, o candidato Waldir Pires divulgou documento à imprensa, sob o título “Nada Vai Impedir a Bahia de Mudar” em que respondia às acusações do Ministro das Comunicações, Antônio Carlos Magalhães, apresentando dados que comprovariam o cumprimento das metas anunciadas na propaganda, e prestava contas dos valores pagos à D&E e aos veículos onde foram inseridos os anúncios e comerciais. O documento afirmava que as campanhas haviam custado 4,5 bilhões de cruzeiros, referentes à criação e impressão de cartazes e folhetos, à criação e veiculação de anúncios em 37 jornais e 5 revistas e de comerciais inseridos na programação de 23 emissoras de rádio e em 4 redes de televisão.

Waldir Pires comparava os valores pagos, ao orçamento do Ministério que representava 71 trilhões de cruzeiros, e aos gastos do Governo João Durval com a propaganda oficial, que custavam 145 bilhões de cruzeiros num orçamento anual de 7 trilhões de cruzeiros. (FRANCO, 1990, p. 205).

Além dos fatores positivos que envolviam o candidato e a legenda do PMDB – que, no plano nacional, apresentava referência identificada com a campanha das “Diretas Já” e com o “Plano Cruzado” –, o Partido, na Bahia, contava com uma rede de diretórios municipais que se estendia pelas principais cidades do interior do Estado e com a sua ampla aceitação na capital, onde o seu candidato, Mário Kértesz, havia conquistado, em 1985, a Prefeitura Municipal com 328.256 votos, derrotando outros quatro

candidatos65. Na Câmara Municipal, entre os 33 vereadores de Salvador

eleitos em 1982, o PMDB ocupava 26 cadeiras.

O percurso da campanha iniciou-se em fevereiro de 1986, a partir da cidade de Jacobina onde o prefeito, Carlito Daltro, recebeu o candidato para a inauguração de obras municipais. Waldir Pires participou do comício promovido pelo Prefeito, ainda na condição de Ministro, destacando, em seu pronunciamento, os feitos da sua gestão no Ministério da Previdência. Passaram-se poucos dias e Waldir Pires deixou o Ministério, sendo recebido, no Aeroporto 2 de Julho, por militantes que portavam faixas e cartazes onde se anunciava: “É o Governador Que Vai Mudar a Bahia” (FRANCO, 1990, p. 181). O conceito de mudança, que viria a conduzir o discurso político da candidatura e todo o material publicitário utilizado durante os nove meses da campanha, pretendia estabelecer vinculação com a candidatura de Tancredo Neves na disputa no Colégio Eleitoral, que utilizou o slogan “Muda Brasil”.

Semelhante proposta direcionou a campanha de Tasso Jereissati ao governo do Ceará que utilizou o slogan “O Brasil Mudou. Mude o Ceará”. (CARVALHO, 1999, p. 193).

Havia no PMDB, pelo menos nesse Estado e na Bahia, a intenção de estabelecer, nas eleições estaduais, uma relação direta com a imagem positiva conquistada nacionalmente pelo partido em razão do sucesso do “Plano Cruzado” e das grandes manifestações populares que comandou entre 1984 e 1985. O desafio maior a ser enfrentado era fazer penetrar as idéias de mudança nos pequenos municípios, marcados pelas dificuldades de acesso aos meios de comunicação, pela força da manipulação na liberação de verbas públicas e na nomeação dos agentes públicos.

Articulando adesões, que formavam uma teia de texturas diversas, Waldir Pires recusou um único apoio: o então Ministro das Comunicações, Antônio Carlos Magalhães, através do Presidente Sarney, manifestou a intenção de agregar-se à candidatura do seu colega de ministério. O ex-

65 Resultado da eleição municipal de Salvador, realizada em 15 de novembro de 1985: Mário Kértesz (PMDB), 328.256 votos; Edvaldo Brito (PTB), 96.130 votos; França Teixeira (PFL), 67.604 votos; Jorge Almeida (PT), 29.857 votos; e Luiz Pugas (PH), 10.950 votos. Votos Nulos, 37.697; Votos em Branco, 11.378. (BAHIA, 1985).

Governador, em entrevista concedida em fevereiro de 2006, recordou o diálogo em que o presidente Sarney expressou espanto diante da sua recusa da condição de candidato da unanimidade das forças políticas:

Eu tinha uma convicção muito profunda sobre a campanha de 1986. Em determinado instante, se tratava de uma opção política para a Bahia e para o Brasil. Minha força estava assentada nisso, tanto que eu recusei o apoio de Antônio Carlos Magalhães trazido pelo Presidente da República. Eu me lembro do Sarney, num dos quinzenais despachos ministeriais, me falando sobre a oferta do apoio do Antônio Carlos, em outubro de 1985. Sarney me perguntou em determinado instante: ‘Ministro, terminou o despacho? Podemos conversar um pouco sobre política? Você vai ser governador com o apoio de todo mundo na Bahia ...’ Eu lhe disse: ‘De todo mundo não, isso não existe, nunca vai existir...’ Eu tinha a convicção de que se tratava realmente de um recado e de uma proposição natural porque o Presidente da República era da Aliança Democrática, que era composta pelo pessoal todo que tinha votado no Tancredo, no Colégio Eleitoral. Sarney, então, me disse que, dois dias antes, o Ministro das Comunicações tinha lhe dito que nada é mais natural que a minha candidatura, nada mais legítimo, e ele chegou a dizer que tinham duas vagas a senador e que uma vaga poderia ir para o PDS... aí eu interrompi a conversa e disse que isso não iria acontecer. Ele então me disse que era a primeira vez que ele via alguém recusar ser candidato de todas as forças políticas.

A incorporação de novas forças ao projeto da mudança iniciou-se com o apoio do Senador Jutahy Magalhães.66 Juntaram-se à candidatura do

PMDB outros grupos e lideranças tradicionalmente aliadas ao “carlismo”, a

66 “[...] eu tinha sido procurado pelo Senador Jutahy Magalhães que me pediu uma audiência. Eu não tinha relações de amizade com ele, imaginei que o motivo fosse um assunto relacionado ao Ministério. Mas era política. Foi uma conversa sumária, extraordinária. Ele me disse: ‘– Ministro, eu lhe solicitei essa audiência para lhe dizer que se o senhor for candidato a governador da Bahia eu acredito que o senhor se elege e eu quero lhe dizer que se o senhor for candidato, eu o apóio’. Falou assim, objetivamente. Eu lhe disse: ‘– Eu fico muito grato por essa afirmação, eu desejo ser candidato a governador da minha terra, já fui no passado, fui candidato de oposição ao seu pai...’. Ele então me disse: ‘– Só queria lhe dizer isso, não quero lhe pedir nada. Mas tenho a impressão de que se o senhor for candidato ganha a eleição. Quero lhe dizer agora nessa fase ainda muito anterior a tudo, que se o senhor for candidato ponha lá que o senhor tem o apoio do Senador Jutahy Magalhães’ [...] Eu pensei: ‘Foi a melhor conversa política que eu já tive na vida’. Eu tinha clareza absoluta de que tínhamos que dividir as forças que tinham apoiado a ditadura para ganhar e que era preciso dar esse salto para o povo baiano. Agradeci muito, incorporei o apoio e disse a ele: ‘– Está na minha cabeça, muito obrigado’. E realmente nunca esqueci, eu sabia com quem eu não podia compor: com o centro do poder da ditadura.” (PIRES, 12. fev. 2006).

exemplo do Senador Luís Viana Filho e dos prefeitos e deputados sob a sua liderança, o prefeito de Guanambi, Nilo Coelho, à época Presidente da União dos Prefeitos da Bahia, Mário Kértèsz, Prefeito de Salvador, os deputados Ruy Bacelar, fundador do PFL, Prisco Viana e França Teixeira, além do empresário Pedro Irujo, dono de uma rede de empresas de comunicação.

A candidatura do PMDB, amparada em alianças que garantiam a sua inserção no interior do Estado, sintetizava, naquele momento, os interesses dos grupos e partidos envolvidos no combate ao autoritarismo representado pelo Ministro Antônio Carlos Magalhães. Waldir Pires agregava à sua imagem o personagem capaz de enfrentar o poderio daquele líder político que constituiu, desde a década de 1950, uma referência importante, sempre aliado ao poder, tanto no plano federal como regionalmente.

As outras legendas de oposição, o Partido Comunista Brasileiro (PCB), Partido Comunista do Brasil (PC do B), Partido Democrático Trabalhista (PDT) e Partido Social Cristão (PSC), se juntaram ao PMDB para formar a coligação “A Bahia Vai Mudar” que, além da candidatura de Waldir Pires, apresentava como candidato a Vice-Governador, o ex-prefeito da cidade de Guanambi, Nilo Coelho, e Jutahy Magalhães e Ruy Bacelar como candidatos ao Senado da República.

O PT, no seu 12o Encontro Regional realizado em maio de 1986,

decidiu não lançar candidato ao governo do estado e anunciou “apoio crítico” ao candidato do PMDB, antecipando que não participaria do governo, em caso de vitória do candidato Waldir Pires. A decisão foi referendada por convenção partidária, no mês seguinte, quando 99 dos 181 delegados votaram pela manutenção do apoio. A decisão do Diretório Estadual, entretanto, foi questionada por uma resolução da Direção Nacional do Partido que deliberou no sentido de determinar a retirada do apoio a Waldir Pires e a proibição da presença dos integrantes do diretório do partido em comícios ou programas de televisão do candidato. Alertando que o descumprimento da resolução implicaria em destituição do Diretório Estadual e no cancelamento do registro das candidaturas dos filiados ao Partido que disputavam as eleições proporcionais e as vagas ao Senado, determinava ainda: que o “Diretório Regional e o conjunto do partido na

Bahia explique ao eleitorado e aos trabalhadores o porquê da posição do PT”67.

Em entrevista ao “Correio Brasiliense”, Waldir se refere à decisão da instância nacional do PT68:

É claro que gostaria de ter o apoio oficial do PT. Era uma coisa importante. Mas o certo é que, na Bahia, as bases do partido me apóiam. Essa posição da direção nacional do PT resulta do demasiado vínculo do partido com a questão paulista. Este é um problema grave porque, também no PMDB, quando existe uma crise no partido em São Paulo, a gente diz que há uma crise no PMDB do Brasil. Temos que inverter essa situação no País. A verdade é que a direção nacional do PT arbitra as decisões em função dos problemas paulistas. O PT baiano teve de cumprir a determinação da direção nacional, mas a minha impressão é que isso não tem nenhuma interferência nas bases do partido. O trabalhador militante do PT quer votar na gente, porque ele sabe que isso representa um avanço enorme na vida dele, que a direção nacional não entendeu. (apud FRANCO, 1990, p. 296-299).

A análise do noticiário sobre as eleições de 1986 não denota se o entendimento do candidato teve desdobramentos na campanha pois, oficialmente, o PT permaneceu distante da campanha de Waldir Pires, manifestando-se publicamente, apenas, em relação às candidaturas ao Senado, à Câmara dos Deputados e à Assembléia Legislativa. Lançou as candidaturas da Professora Geracina Aguiar e do ex-Deputado Roque Aras para a disputa pelas vagas ao Senado e mantinha, às vésperas do pleito, expectativas na eleição de dois deputados federais e três deputados estaduais, admitindo, ainda, a perspectiva de vitória dos candidatos ao Senado, sobretudo da candidata Geracina Aguiar.69

67 Íntegra da Resolução da Direção Nacional do PT em: FRANCO, 1990, p. 280.

68 Entrevista publicada em 2 de setembro, concedida aos jornalistas Renato Riella e Áurea Varjão do Correio Brasiliense transcrita.

69 Jorge Almeida, presidente do Diretório Regional e candidato à Câmara dos Deputados, refere-se à expansão das bases do partido no interior, onde foram articulados grupos de apoio em duzentos municípios. Na mesma matéria, Sérgio Guimarães, vice-presidente da legenda e candidato a deputado estadual, indica os nomes de Jorge Almeida, Jaques Wagner e Raimundo Mota como os candidatos à Câmara dos Deputados com chances de vitória. Para a Assembléia Legislativa, eram apontados Alcides Modesto, Edval Passos, Rogério Ataíde, Jaime Cunha e o próprio Sérgio Guimarães como candidatos capazes de obter sucesso naquela disputa. TRIBUNA DA BAHIA, 13 nov. 1986, p. 4).

A declaração de Sérgio Guimarães, vice-presidente da legenda, publicada dois dias antes do pleito, não demonstrava correspondência com a realidade eleitoral do partido, naquele momento, conforme comprovado pelo resultado das urnas. O PT não obteve êxito com os candidatos à Câmara dos Deputados e, para a Assembléia Legislativa, elegeu, apenas, Alcides Modesto com 15.059 votos (BRASIL, 1987).

A coligação “Aliança Democrática Progressista” reunia o PDS e o PFL, agregando, também, o PTB, em torno do candidato Josaphat Marinho70.

As duas vagas para Senado da República seriam disputadas pelo ex- Governador Lomanto Júnior e pelo deputado Félix Mendonça, ambos do PFL. O deputado José Penedo, do PDS, foi escolhido candidato a Vice-Governador.