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OS GOVERNOS MILITARES, O PROJETO DE ABERTURA

Capítulo 2 A COMUNICAÇÃO E A POLÍTICA: NA DITADURA

2.3 OS GOVERNOS MILITARES, O PROJETO DE ABERTURA

POLÍTICAEALEIFALCÃO

O General Geisel, ao chegar à Presidência, trouxe de volta para o centro do poder o General Golbery do Couto e Silva, com a tarefa de implantar o projeto de abertura política num ritmo “lento, gradual e seguro”, assumindo o poder quando ainda repercutia, na opinião pública, o esforço obtido com o trabalho, à época, denominado de “relações públicas”, desenvolvido na direção de angariar apoio ao regime militar. Todavia, seu governo iniciou-se em momento de profunda crise na economia, cujos

31 Na disputa entre os candidatos Paulo Brossard (MDB) e Nestor Jost (Arena), no Rio Grande do Sul, ocorreu o primeiro debate pré-eleitoral transmitido pela TV desde a edição do AI 5, em dezembro de 1968. (ALVES, 1989, p. 186-189).

índices apontavam 18,7% de inflação ao ano, e sob a influência das reações dos militares da “linha dura” que não endossavam os planos de liberalização política do grupo representado por Golbery e Geisel: buscar fórmulas de manter em alta as taxas de crescimento da economia, impedir que continuassem a agir os grupos de esquerda e levar avante o projeto de abertura política, mesmo confrontando-se com os militares da linha dura. E muitos eram os fatores que se colocavam contrários aos seus projetos de implantação da “democracia relativa”.

O General os enfrentava com os rigores dos seus austeros métodos, tipicamente, militares. De pronto, foram reduzidas as funções e o poder da AERP, que teve diminuído o seu espaço na estrutura do Estado. O Presidente e seu mais próximo auxiliar, Chefe do Gabinete Civil, General Golbery, pouco freqüentavam as páginas do noticiário. Se, no período do Governo Médici, o milagre econômico era festejado em músicas, anúncios publicitários e farto material que ocupava o noticiário, o General Geisel, por seu turno, buscava manter o governo distante da mídia. (SKIDMORE, 1988, p. 317-319).

O processo de abertura prosseguia, ao mesmo tempo em que persistiam os casos de prisões seguidas de tortura e morte, como o episódio da sessão de depoimento que resultou na morte de Vladimir Herzog, chefe do Departamento de Jornalismo da TV Cultura de São Paulo. A versão oficial do “suicídio”, a grande onda de protestos, o ato ecumênico em sua memória e as muitas manifestações de protesto foram amplamente noticiados.

As diversas e contraditórias nuances do “caso Herzog” demonstram as incoerências que envolviam o projeto de distensão política arquitetado pelos Generais Geisel e Golbery. A suspensão dos rigorosos métodos de censura prévia a alguns órgãos da imprensa escrita, atendendo ao crescimento da pressão política e social, significava um passo importante na liberalização denominada “lenta e segura” e, relacionada à morte do jornalista Herzog pode demonstrar as dimensões dessas contradições.

A comunidade acadêmica, os jornalistas, religiosos e todos aqueles que se manifestassem contrários ainda eram vítimas das perseguições do governo que pregava a distensão. Os órgãos de imprensa eram,

particularmente, objetos da ação dos órgãos de repressão e censura, as emissoras de televisão e rádio eram controladas mediante a pressão sobre os anunciantes ou, diretamente, pelas ameaças dirigidas aos proprietários dos veículos de comunicação, temerosos de perder as concessões.

O Governo Geisel, entre avanços e recuos, buscava adotar medidas que pudessem indicar o caminho escolhido pelos mentores do projeto de abertura para promover o retorno ao regime democrático. Essas medidas, entretanto, não poderiam, pela lógica dos militares, significar perda do controle do percurso nem do ponto de chegada.

As eleições faziam parte desse trajeto porém, o crescimento do MDB e a ampliação das formas de resistência da sociedade já anunciavam as dificuldades no desempenho do tão necessário controle. O governo via-se levado a atuar no sentido de barrar o avanço das ações de contestação das organizações sindicais, de representantes da Igreja Católica, de entidades como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e a Associação Brasileira de Imprensa (ABI), além de buscar formas de restringir as crescentes perspectivas de vitória eleitoral do MDB.

7.719.382 9.898.964 10.068.810 5.911.361 6.224.525 14.579.372 56,63 61,4 41,0 43,36 38,6 59,3 8.731.638 10.867.814 11.866.482 4.915.470 4.777.927 10.954.440 63,9 69,4 51,9 36,0 30,5 48,0 9.005.278 11.442.894 12.184.240 5.038.761 4.940.072 11.209.023 64,1 69,8 52,0 35,8 30,1 47,9

Fontes: Fundação IBGE, Anuário Estatístico do Brasil (dados de 1966); Tribunal Superior Eleitoral, Departamento de Imprensa Nacional, 1973, Dados Estatísticos, Volume 9: Eleições Federais e Estaduais Realizadas no Brasil em 1970 (dados de 1970); Tribunal Superior Eleitoral, Departamento de Imprensa Nacional, 1977, Dados Estatísticos, Volume 11: Eleições Federais e Estaduais Realizadas no Brasil em 1974 (dados de 1974).

Total de Votos da ARENA Total de Votos do MDB % válida da ARENA % válida do MDB Total de Votos do MDB % válida da ARENA % válida do MDB Assembléias Estaduais

Tabela 1 – Resultados eleitorais a níveis federal e estadual: 1966, 1970 & 1974

Senado Federal

Total de Votos da ARENA Total de Votos do MDB % válida da ARENA % válida do MDB Câmara dos Deputados

Total de Votos da ARENA

A Tabela 132 que traz os dados comparativos dos resultados

eleitorais dos primeiros dez anos do regime militar demonstra o gradativo crescimento do MDB, com destaque para o número de votos obtidos em 1974 pelos candidatos da oposição.

A idéia da abertura política previa controles e o governo, atento aos resultados que haviam sido manifestados em 1974, alterou o artigo 250 do Código Eleitoral que dispunha sobre a propaganda política gratuita no rádio e na televisão.

A Lei nº 6.339, de 1º de julho de 1976, conhecida como “Lei Falcão”33, foi editada com o objetivo de impor limites à presença dos

candidatos nas televisões e nas emissoras de rádio. Pelo que determinava o texto legal, as emissoras continuavam obrigadas a destinar duas horas diárias em sua programação para a propaganda eleitoral, durante os sessenta dias que antecedessem os pleitos de âmbito estadual. Para os candidatos das eleições municipais, eram destinados sessenta minutos diários, durante os trinta dias anteriores às eleições. A alteração consistia na proibição de livre expressão dos candidatos: no tempo em que lhe era destinado, o partido poderia apresentar sua legenda, o currículo e o número de registro dos candidatos, além dos horários dos comícios, sendo proibida a divulgação de idéias, opiniões ou críticas. Nos programas de televisão era possível a exibição da foto do candidato.

Embora o MDB contasse com espaço na mídia impressa, a Lei Falcão tirou-lhe a chance de propagar suas denúncias contra o regime militar através do rádio e da televisão, veículos de maior abrangência. Em

32 Em: ALVES, 1989, p. 189. A seguir o comentário feito pela autora sobre os dados da tabela: “O MDB teve significativamente aumentada sua representação no Congresso Nacional. Em 1970, o partido obtivera 87 cadeiras na Câmara dos Deputados, contra 233 da ARENA. Em 1974, conquistou 161 cadeiras, e a maioria da ARENA desceu para 203 cadeiras. Nas assembléias estaduais, a oposição ganhou 45 das 70 cadeiras no Estado de São Paulo, 65 das 94 no Rio de Janeiro e completo controle das importantes assembléias do Paraná e do Rio Grande do Sul. Para muitos observadores políticos, como para membros do próprio MDB, a vitória da oposição surpreendia como uma inversão das tendências eleitorais. As eleições foram em geral consideradas equivalentes a um plebiscito em que os eleitores votaram antes contra o governo do que na oposição”. 33 Essa lei ficou assim conhecida em alusão ao Ministro da Justiça, Armando Falcão, que assinou a sanção do texto legal juntamente com o Presidente Geisel. (BRASIL, 1978, p. 273).

meados da década de 1970, o rádio era ouvido por cerca de 85 milhões de brasileiros e 45 milhões de pessoas já tinham acesso à televisão.34

Para o MDB, o uso destes meios era fundamental, pois este contava com poucos recursos financeiros e enfrentava a Arena, que recebia da máquina do governo todos os favores e facilidades, saindo-se vitoriosa nas regiões de menores índices de desenvolvimento nas eleições municipais de 1976, enquanto, nos maiores centros, o MDB elegeu a maioria dos vereadores.35

Com o sentido de atender aos alertas dos estudos do SNI, que identificavam o crescimento do MDB, sobretudo nos grandes centros urbanos, o Presidente Geisel, além das alterações na legislação para estabelecer restrições ao uso dos veículos de comunicação pelos candidatos e partidos, editou Emenda Constitucional, que impôs profundas alterações no sistema eleitoral: tornou permanente o caráter indireto das eleições dos governadores dos estados; ampliou a representação dos estados nordestinos na Câmara dos Deputados, onde predominava o eleitorado fiel à Arena; aumentou o tempo do mandato do presidente da república para seis anos; modificou o processo de escolha dos senadores; e criou a figura do “senador biônico”.36

A propaganda gratuita, prevista pela Lei Falcão, incluía, também, a veiculação, fora do período eleitoral, de programas de difusão das propostas partidárias. No programa do MDB, em junho de 1977, Franco Montoro e Alencar Furtado, líderes no Senado e na Câmara, Ulysses Guimarães,

34 Maria Helena M. Alves relaciona os números de habitantes atingidos pela televisão e pelo rádio aos 300 mil exemplares dos jornais impressos que atingiam, aproximadamente, 20 milhões de leitores. (1989, p. 190).

35 Das 100 maiores cidades do país, 59 elegeram prefeitos do MDB que conquistou, também, a maioria nas Câmaras Municipais. O MDB venceu, ainda, em 67% das 15 cidades brasileiras com mais de 500 mil habitantes. (ALVES, 1989, p. 191-192).

36 “A princípio, o governo propôs as alterações no sistema eleitoral enviando ao Congresso a Proposta de Emenda Constitucional. Diante da rejeição da proposição, que não alcançou o quorum de dois terços de votos favoráveis, o Presidente Geisel fechou o Congresso e editou o conjunto de medidas conhecido como “pacote de abril”. Sobre as eleições dos senadores, foi mantida a eleição direta para um terço do colegiado, renovado de quatro em quatro anos. Também a cada quatro anos seriam renovados os dois terços restantes. Todavia, das duas cadeiras a serem ocupadas por representantes de cada um dos estados, uma seria ocupada por um senador eleito pelo voto direto e o segundo passaria a ser indicado por um Colégio Eleitoral, formando a bancada dos ‘senadores biônicos’ ”. (ALVES, 1989, p. 194).

presidente do partido e Alceu Collares, presidente da Fundação Pedroso Horta e deputado pelo Rio Grande do Sul, apresentaram ao país, através de rede nacional de televisão e rádio, as propostas para o desenvolvimento econômico, o combate ao arrocho salarial e a recuperação do sistema democrático no país.

A grande repercussão dos discursos, apontada em pesquisa publicada pelo “Jornal do Brasil”, provocou rápida resposta do regime, levando à perda dos direitos políticos e à cassação do Deputado Alencar Furtado e à apresentação de denúncia, pelo Procurador Geral da República, contra Ulysses Guimarães, enquadrado no artigo 347 do Código Eleitoral e sujeito a pena de três meses a um ano de prisão. (ALVES, 1989, p. 196). Debate político e confronto de idéias, definitivamente, não constavam do cronograma que determinava o ritmo em que deveria se processar a “abertura política.”

As eleições para a Presidência da República não eram, da mesma maneira, alcançadas pelos ares da distensão. Em 1978, o Presidente da República seria eleito no Colégio Eleitoral, onde não se incluía discussão programática ou partidária. A sucessão presidencial envolvia, sobretudo, os conflitos e acordos internos entre os grupos de maior influência nas Forças Armadas.

A competição entre as correntes que postulavam a indicação do candidato oficial resultou na demissão do Ministro do Exército, General Sylvio Frota, que se adiantara na disputa e no pedido de afastamento do Chefe da Casa Militar da Presidência, o General Hugo de Abreu, da mesma forma como a candidatura do senador mineiro, Magalhães Pinto, foi desautorizada, publicamente, pelo Presidente da Arena, Francelino Pereira.

Em vista dos positivos resultados da anticandidatura de Ulysses Guimarães e animado com os resultados manifestados nas urnas, em 1974 e 1976, a despeito da maioria arenista no Colégio Eleitoral ser tão fiel ao governo, o MDB apresentou o General Euler Bentes Monteiro e o senador gaúcho, Paulo Brossard, como candidatos a presidente e vice, respectivamente, para concorrer às eleições indiretas, em 15 de outubro.

Os candidatos do MDB marcaram presença na imprensa, promoveram comícios e atos públicos nos quais reafirmavam as propostas de redemocratização do país. A convocação da Assembléia Nacional Constituinte, principal bandeira do MDB, era um dos temas de maior presença na campanha, junto com o fim do AI 5 e da Lei de Segurança Nacional.

João Batista Figueiredo, que teve o General Geisel como padrinho de sua candidatura, recebeu 355 votos contra os 225 votos do candidato da oposição (BRAGA, 1990, p. 126). O General que chefiou o SNI no Governo Geisel tomou posse, em 15 de março de 1979, com a missão de levar adiante o projeto de abertura política, de maneira lenta, gradual e, sobretudo, segura. Em seu estilo, dizia-se disposto a “prender e arrebentar” quem se colocasse contrário aos seus objetivos de levar o país ao regime democrático.

Nas eleições legislativas de 1978, repetiu-se o resultado favorável ao MDB: a Arena obteve, em todo o país, 13,2 milhões de votos (35,0%) enquanto o MDB alcançou a marca dos 17,5 milhões (46,4%). Mas, a despeito do maior número de votos, o MDB enviou nove representantes ao Senado e a Arena, trinta e seis senadores. A discrepância entre o número de votos e a quantidade de senadores eleitos explica-se pela presença dos “senadores biônicos”. O número de votos nulos ou brancos ainda alcançava o percentual de 18%, índice significativo, mas reduzido em relação aos números dos primeiros pleitos do período dos governos militares. Na Câmara dos Deputados, o MDB passou a ocupar 189 lugares contra 231 lugares da Arena. (ALVES, 1989, p. 199-200).