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CAPÍTULO 1 – O Setor Público, o Desenvolvimento Sustentável e as Compras Públicas

4.10 As diretrizes e a base normativa-legal das CPS no Brasil

4.10.4 A base normativa-legal das CPS no Brasil

As inovações no marco legal referente ao DS e às CPS estão a proporcionar garantias e segurança jurídica aos compradores públicos, além de evitar que eventuais processos judiciais entre os licitantes, fatos que poderiam comprometer as ações relacionadas às CPS.

De forma similar à maioria dos países, no Brasil as compras públicas são precedidas por um processo normalizado e detalhado, com vistas a proporcionar à obtenção da proposta mais vantajosa e garantir oportunidades iguais a todos os interessados (Gasparini, 2009). Esses procedimentos são comumente conhecidos como licitação. Modernamente, além das clássicas finalidades das licitações, tais como a seleção da proposta mais vantajosa e a garantia de igualdade de oportunidades entre os participantes, as compras públicas assumiram o papel de indutoras de mudanças sociais, ambientais e econômicas, ao promoverem a busca pelo DS, lastreadas pelos conceitos

65 trazidos pela Constituição Federal (Constituição do Brasil, 1988) e pela Lei Geral das Licitações (Lei n. 8.666, 1993).

No entanto, o tema ainda é recente para o Direito e trabalhos na área jurídica, como o de Kunzlik (2003) que estudou a aceitação de critérios ambientais de adjudicação de contratos públicos, ainda são escassos. Para o caso brasileiro, alinhado à preocupação com o DS que evoluiu no seio da sociedade nos últimos anos, houve inovações no conjunto de normas de seu sistema jurídico-legal. Inicialmente, as preocupações com o meio ambiente moldaram a criação ou a alteração das leis referentes ao tema. Posteriormente, as questões sociais foram incluídas nesse rol e, mais recentemente, a integração de questões sociais, ambientais e econômicas ganhou mais atenção.

Pode-se considerar que, de uma forma geral, o DS e as suas complexas vertentes estão a ser consideradas no conjunto de leis e normas que regem as atividades públicas e privadas no Brasil. Na esfera federal, a condução dessa tarefa está a ser desempenhada principalmente pelo Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MP) que, por sua posição e orientação estratégica, é capaz de estabelecer vínculos importantes entre as políticas econômicas tradicionais e o desenvolvimento sustentável e, dessa forma, transmitir a mensagem de que as CPS são prioridade para o Estado (IPEA, 2011).

As questões inerentes à produção e ao consumo sustentável e às compras públicas sustentáveis também estão a serem incorporadas ao ordenamento jurídico vigente, por meio de leis, decretos, portarias, instruções normativas e resoluções. Um quadro-resumo da evolução legal desses aspectos é apresentado no Anexo II.

Deve-se destacar que os compromissos assumidos pelo Brasil com o desenvolvimento sustentável, com as políticas de produção e consumo sustentável e com as compras públicas sustentáveis, no âmbito dos acordos e tratados internacionais relacionados aos temas (Convenções da ONU, Processo de Marrakesh/10YFP, entre outros), por determinação constitucional, deverão ser incorporados ao ordenamento jurídico brasileiro como uma norma interna.

Diante da observação dos avanços ocorridos no sistema de leis que representam o tema, depreende-se que o Estado está a perceber a importância de promover um

66 arcabouço jurídico-legal adequado e liderar pelo exemplo por meio da alteração ou inclusão de normas específicas, a comportar-se como agente de mudança. Partes dessas alterações já foram internalizadas pela Constituição Federal e por normas infraconstitucionais específicas e outras incorporações ainda estão por ser implementadas.

Apesar de não haver previsão expressa dos meios adotados pelo legislador infraconstitucional para atingir os objetivos constitucionais relacionados ao desenvolvimento sustentável (Marinho & França, 2008), algumas normas infraconstitucionais aplicam os preceitos contidos na Constituição Federal, notadamente a Lei das Licitações, Instruções Normativas específicas e as Leis que tratam de regimes de preferências, tais como serão apresentadas nas próximas seções.

a) A Lei Geral das Licitações

A Lei n. 8.666/1993 (Lei n. 8.666, 1993) estabeleceu as normas gerais sobre licitações e contratos administrativos, sendo de aplicação obrigatória em todos os processos de compras das organizações públicas brasileiras. Esta Lei regulamentou os processos de aquisições públicas no Brasil e trouxe a possibilidade, mesmo que de forma incipiente, dos gestores públicos considerarem aspectos ambientais em suas contratações. Por outro lado, o DS ainda não estava devidamente expresso na referida Lei, que foi alterada para refletir este anseio constitucional.

A aplicação do conceito constitucional da isonomia e a seleção da proposta mais vantajosa (critério ainda essencialmente econômico) eram os objetivos precípuos da licitação, porém, em 15 de dezembro de 2010, a Lei n. 12.349/10 (Lei n. 12.349, 2010) alterou o conteúdo da Lei das Licitações, notadamente em relação ao caput do art. 3º que incluiu a “promoção do desenvolvimento nacional sustentável” como mais uma de suas finalidades.

A promoção do desenvolvimento nacional sustentável como uma das finalidades da licitação trouxe consequências de aplicação imediata, pois se instituiu também a obrigatoriedade da adoção da compra pública sustentável pela Administração Pública.

67 Além disso, legitimou-se o uso do poder de compra do Estado como uma das ferramentas indutoras de políticas públicas (Sampaio, 2011; Valente, 2011).

Justen Filho (2012) defende uma visão mais ampla ao ressaltar que a promoção do desenvolvimento nacional sustentável agora é uma finalidade da contratação pública que se tornou um instrumento interventivo do Estado para produzir resultados amplos. Por outro lado, o autor reconhece que a alteração proposta pela Lei n. 12.349 também altera o próprio processo de compras, pois o conceito de “proposta mais vantajosa” adquire novos contornos, os quais incluem considerações sobre os aspectos ambientais, sociais e econômicos.

A Lei das Licitações é uma norma ampla de aplicação compulsória pelos entes federados, porém cada um deles possui a liberdade de legislar sobre temas e processos específicos que a referida Lei não detalhou. Diante desse fato, regulamentações específicas acerca das CPS foram desenvolvidas e postas em prática por meio de Decretos e Instruções Normativas. Algumas dessas normas específicas serão descritas a seguir.

b) A Instrução Normativa nº 1/2010

Em 19 de janeiro de 2010, o Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MP) publicou a Instrução Normativa (IN) nº 1 (Instrução Normativa n. 1, 2010) e estabeleceu critérios de sustentabilidade ambiental na aquisição de bens, contratação de serviços ou obras na Administração Pública Federal.

Apesar do foco na sustentabilidade ambiental e da IN ter natureza de ato administrativo normativo e, portanto, hierarquicamente inferior à Constituição ou mesmo qualquer outra Lei federal, ela se tornou um marco importante na política de sustentabilidade nas compras públicas, devido a sua relevância para a mudança dos padrões de bens e serviços adotados pela Administração Pública brasileira16, pois representou relevante comprometimento do Estado com o DS e com as políticas de PCS. Na época, as compras sustentáveis já ocorriam, mas havia ainda uma insegurança jurídica

16 Como pode ser observado no Anexo II, em 2008 o Ministério do Meio Ambiente havia editado Instrução Normativa semelhante, porém com aplicação restrita ao âmbito daquele Ministério.

68 em relação ao tema. Este fato que desencorajava muitos compradores públicos a incluírem critérios de sustentabilidade em seus processos licitatórios.

A IN n. 1/2010 atualizou para o âmbito da Administração Pública o entendimento exposto no Art. 3º da Lei das Licitações ao definir, em seu Art. 1º, que:

As especificações para a aquisição de bens, contratação de serviços e obras por parte dos órgãos e entidades da administração pública federal direta, autárquica e fundacional deverão conter critérios de sustentabilidade ambiental, considerando os processos de extração ou fabricação, utilização e descarte dos produtos e matérias-primas.

(Instrução Normativa n. 1, 2010)

Do referido artigo, depreende-se a intenção do legislador em incentivar a adoção da análise do ciclo de vida (ACV) pelos gestores públicos de compras. Apesar disso, estudos sobre o ACV ainda são escassos, tornando-se um desafio a sua prática, na totalidade de seus conceitos (Valente, 2011; Teixeira, 2013).

A IN estabeleceu critérios de sustentabilidade ambiental que incluem alguns temas, entre os quais: a) eficiência energética; b) redução do consumo de água; c) gestão de resíduos e biodegradabilidade; d) Uso preferencial de mão-de-obra e fornecimento de material local; e) a preferência por produtos reciclados, atóxicos e/ou biodegradáveis; f) a adequação das embalagens; e g) a separação dos resíduos para serem destinados às cooperativas de dos catadores de materiais recicláveis.

Cabe destacar que as regras da referida IN não autorizam soluções economicamente ruins. O comprador público deverá realizar uma ponderação de custo- benefício, sempre que pretender adotar soluções que não estejam determinadas como obrigatórias ou proibidas por lei (Justen Filho, 2012). Dessa forma, a adoção de critérios de sustentabilidade claros, objetivos e precisos, capazes de assegurar para a Administração a proposta mais vantajosa deve ser sempre considerada (MP, 2010).

c) O Decreto n. 7.746/2012, a Instrução Normativa n. 10/2012 e o Decreto n. 9.178/2017

Diante da necessidade de regulamentação das alterações inseridas na Lei de Licitações referentes ao DS, duas normas inovadoras foram inseridas no ordenamento

69 jurídico relacionado ao tema: o Decreto n. 7.746, de 5 de junho de 2012 (Decreto n. 7.746, 2012) e a IN n. 10, de 12 de novembro de 2012 (Instrução Normativa n. 10, 2012).

O Decreto regulamentou as alterações sofridas pela Lei de Licitações, que passou a incluir a “promoção do desenvolvimento nacional sustentável” como uma de suas finalidades. Esta norma estabeleceu critérios, práticas e diretrizes relacionadas à sustentabilidade nas compras realizadas pela Administração Pública Federal, além de instituir a Comissão Interministerial de Sustentabilidade na Administração Pública – CISAP.

O Art. 4º do Decreto estabeleceu como diretrizes de sustentabilidade, entre outras (Decreto n. 7.746, 2012): a) menor impacto sobre recursos naturais como flora, fauna, ar, solo e água; b) preferência para materiais, tecnologias e matérias-primas de origem local; c) maior eficiência na utilização de recursos naturais como água e energia; d) maior geração de empregos, preferencialmente com mão de obra local; e) maior vida útil e menor custo de manutenção do bem e da obra; f) uso de inovações que reduzam a pressão sobre recursos naturais; e g) origem ambientalmente regular dos recursos naturais utilizados nos bens, serviços e obras.

Em relação ao CISAP, o Decreto previu sua natureza consultiva e seu caráter permanente, com a finalidade de propor a implementação de critérios, práticas e ações de logística sustentável na Administração Pública Federal (Art. 9º). O Decreto ainda designou que todos os órgãos da Administração Pública Federal devessem elaborar e implementar Planos de Gestão de Logística Sustentável17 (PLS), cujas regras, obrigatoriedade de desenvolvimento e conteúdo foram detalhadas na IN 10/2012.

17 A própria Instrução Normativa define que Logística Sustentável é o “processo de coordenação do fluxo de materiais, de serviços e de informações, do fornecimento ao desfazimento, que considera a proteção ambiental, a justiça social e o desenvolvimento econômico equilibrado” (Art. 2º, Inciso I). Os Planos de Logística Sustentável são definidos pela norma como “ferramentas de planejamento com objetivos e responsabilidades definidas, ações, metas, prazos de execução e mecanismos de monitoramento e avaliação, que permite ao órgão ou entidade estabelecer práticas de sustentabilidade e racionalização de gastos e processos na Administração Pública” (Art. 3º).

70 Os PLS são ferramentas de planejamento nas quais deverá haver definições claras de objetivos e responsabilidades, ações, metas, prazos e mecanismos de monitoramento e avaliação que proporcionem a prática da sustentabilidade nos processos organizacionais. De acordo com a Instrução Normativa, os PLS deverão ser elaborados por uma Comissão Gestora e conter, no mínimo (Instrução Normativa n. 10, 2012): a) atualização do inventário de bens e materiais do órgão ou entidade e identificação de similares de menor impacto ambiental para substituição; b) práticas de sustentabilidade e de racionalização do uso de materiais e serviços; c) responsabilidades, metodologia de implementação e avaliação do plano; e d) ações de divulgação, conscientização e capacitação.

Especificamente, as compras sustentáveis são incorporadas ao PLS, no tocante às práticas de sustentabilidade e racionalização do uso de materiais e serviços. Em seu Art. 8º, Inciso VI, a Instrução Normativa n. 10/2012 expressa, como um de seus temas, as compras e contrações sustentáveis. Apesar de não estarem designados com o termo “compras públicas sustentáveis”, os PLS trazem temas relacionados à sustentabilidade das compras públicas, a compor o sistema de CPS, tais como o deslocamento sustentável, eficiência no uso de água e energia, coleta seletiva, entre outros.

A IN n. 10/2012 se apresentou como uma peça legal concreta e esclarecedora da forma como a Administração Pública poderia aplicar os critérios de sustentabilidade em suas compras. Trouxe em seu Anexo II, de forma objetiva, grupos de bens e serviços aos quais as boas práticas de sustentabilidade e racionalização de materiais pudessem ser aplicadas, além de sugerir indicadores (Anexo III da norma) para o acompanhamento das referidas práticas. Por outro lado, os indicadores têm caráter operacional, propõem-se a avaliar, de forma limitada, os resultados de algumas atividades implementadas. Carecem, portanto, de uma visão mais sistêmica das CPS.

A IN n. 10/2012, específica para as organizações públicas do Poder Executivo Federal, serviu de referência para o Poder Judiciário criar a sua própria norma: a Resolução CNJ nº 201/2015 (Resolução CNJ n. 201, 2015) que obrigou os órgãos do Poder Judiciário a criarem unidades socioambientais e desenvolverem seus respectivos PLS.

71 As iniciativas concretizadas pelo Decreto 7.746/2012 e pela IN n. 10/2012 nasceram da necessidade de criação de uma política unificada para o uso racional e sustentável de recursos naturais nas instalações públicas, as quais, quando existiam, eram marcadas pela heterogeneidade. O acompanhamento das ações também era uma deficiência que os PLS tentavam sanar (Arantes, Vieira Neto & Cardoso, 2014).

Havia previsão na IN n. 10/2012 para que as organizações públicas desenvolvessem seus respectivos PLS em 180 dias, a partir da publicação da referida IN. Essa medida, ao prever um espaço temporal bem definido, objetivava desenvolver o comprometimento organizacional em torno da temática da sustentabilidade na Administração Pública do Poder Executivo Federal (Arantes et al., 2014).

A IN também previa que os resultados alcançados com a implementação dos PLS devessem ser publicados semestralmente nos sítios eletrônicos das respectivas organizações, com a apresentação das metas e indicadores, alcançados ou não. Além disso, anualmente, um relatório de acompanhamento deveria ser confeccionado, contendo o desempenho geral alcançado, a consolidação dos resultados, identificação das ações a serem postas em prática ou modificadas para o ano seguinte. Essas medidas tinham por objetivo estabelecer uma rotina de melhoria contínua e divulgação dos resultados para a sociedade (Arantes et al., 2014).

Por outro lado, diante da falta de efetiva operação da CISAP, do baixo número de PLS desenvolvidos e divulgados pelas organizações públicas e das metas pouco ousadas (Alencastro, 2014), além das recomendações contidas no Acórdão TCU nº 1056/2017 (Acórdão n. 1056, 2017), o Ministério do Planejamento promoveu a “recriação” da CISAP e reforçou o compromisso com as diretrizes e com as práticas de sustentabilidade, por meio do Decreto nº 9178, de 23 de outubro de 2017 (Decreto n. 9178, 2017). No entanto, seus efeitos ainda não foram observados, pois, em seu Art. 3º, há a previsão que só entrará em vigor em 180 dias após a data de sua publicação.

72

d) A Lei Geral do Regime de Preferência para as MPE

As experiências relacionadas à proteção das micro e pequenas empresas (MPE) nos processos de compras governamentais se iniciaram em 2007, mas já há resultados consistentes. A participação das MPE nas compras realizadas pela Administração Pública Federal cresceu 33% em 2013, e representou cerca de 30% do volume de aquisições de bens e serviços, atingindo o patamar de R$ 20,5 bilhões18 (MP, 2014). Segundo as informações do Painel de Compras do Ministério de Planejamento19, de 2013 a 2017, mais da metade dos processos de compras do governo federal tiveram a participação de microempresas e empresas de pequeno porte (ME/EPP). Em 2017, 15,27% dos processos homologados foram para as ME/EPP.

A Lei inovou ao possibilitar o uso das compras públicas sob uma ótica não apenas estrita ao paradigma da eficiência econômica, mas também à atuação baseada na busca de outros resultados, notadamente os sociais (Silva, 2008). A Lei Complementar n. 123/200620 (Lei Complementar n. 123, 2006), de 14 de dezembro de 2006, também

conhecida como Lei Geral das Micro e Pequenas Empresas, instituiu o Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte (EPP). Ao longo de seus 89 artigos, a Lei se destina, como bem ressaltou Justen Filho (2008), a promover a isonomia, pois se protege legislativamente as pequenas empresas e com isso se compensa a insuficiência de sua capacidade econômica para competir com as grandes empresas. A ampliação do acesso ao mercado e a eliminação ou redução de entraves burocráticos para essas empresas também foi intenção da Lei que foi sensível ao importante papel econômico e social desempenhado por estas organizações (Carvalho Filho, 2012).

18 Cerca de 5 bilhões de Euros, considerando-se o câmbio de 1 Euro = 4,10 Reais, em 26 de março de 2018. 19

http://paineldecompras.planejamento.gov.br/QvAJAXZfc/opendoc.htm?document=PaineldeCompras.qvw& host=QVS@17-0112-b-ias04&anonymous=true [26 de março de 2018].

20 A Lei Complementar n. 123/2006 foi alterada pela Lei Complementar n. 147/2014 (Lei Complementar n.

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e) A Lei Geral do Regime de Preferência para Produtos e Serviços Nacionais

A Lei n. 12.349/10 (Lei n. 12.349, 2010) inovou ao prever margem de preferência para produtos manufaturados e para serviços nacionais, baseada em estudos que levem em consideração a geração de emprego e renda, os efeitos na arrecadação de tributos, o desenvolvimento e a inovação tecnológica, o custo adicional dos produtos e serviços e o monitoramento dos resultados alcançados com essa política.

As margens de preferência adotadas privilegiam as dimensões econômica e social da sustentabilidade e, em um primeiro momento, pode parecer um protecionismo exagerado às empresas nacionais ou uma afronta à necessidade de se promover tratamento isonômico a todos os licitantes, mas o objetivo da regra é justamente proteger as partes mais fracas da relação, de forma semelhante ao tratamento dispensado às MPE, discutido na seção anterior. Apesar disso, esse certo “favorecimento” nas aquisições já foi associado a ineficiências (Vagstad, 1995; Brülhart & Trionfetti, 2004) e, portanto, sua implementação necessita ser monitorada.

f) Outras normas importantes

O mosaico de normas apresentados no Anexo II é um indicativo do esforço governamental e da complexidade da promoção de um arcabouço legal para o tema relacionado ao DS, à PCS e às CPS, cujas normas de maior relevância foram apresentadas nas seções anteriores.

Sem diminuir a importância das demais leis que apoiam o tema, mas também por considerar a ampla abrangência relacionada ao DS e à PCS, a Lei de Política Nacional sobre Mudança de Clima (PNMC) (Lei n. 12.187, 2009) e a Lei de Política Nacional de Resíduos (PNR) (Lei n. 12.305, 2010) merecerão um maior detalhamento. A primeira delas entrou em vigor no final de 2009. Em seu art. 5º, inciso XIII – b, incorporou como uma de suas diretrizes o estímulo e o apoio à manutenção e à promoção de padrões sustentáveis de produção e consumo. Especificamente para as aquisições públicas, a Lei previu em seu art. 6º, inciso XII, a adoção de critérios de preferência nas licitações para produtos e

74 serviços que considerem redução no consumo de energia, água, recursos naturais, resíduos e gases de efeito estufa, fato que, consequentemente, promove as CPS.

A lei que instituiu a Política Nacional de Resíduos (Lei n. 12.305, 2010) teve por objetivo estimular a adoção de padrões sustentáveis de produção e consumo, com incentivos específicos à indústria de reciclagem. Em seu artigo 7º, XI, “a” e “b”, estabeleceu a prioridade nas compras públicas para produtos reciclados e recicláveis e para bens, serviços e obras que considerem critérios compatíveis com padrões de consumo social e ambientalmente sustentáveis.

A lei criadora da Política Nacional de Resíduos Sólidos promove a responsabilidade compartilhada, na qual todos os geradores de resíduos (entes públicos ou privados) devem colaborar para o alcance dos objetivos da Política, destacando-se, em seu art. 9º, que a gestão dos resíduos deve observar a seguinte ordem de prioridade: não geração, redução, reutilização, reciclagem, tratamento dos resíduos sólidos e disposição final ambientalmente adequada, de tal forma que as aquisições públicas gerem o mínimo de resíduos possível (Lei n. 12.305, 2010; Teixeira, 2013).

Essa dupla de normas, ambas consideradas no Plano de Ação para Produção e Consumo Sustentáveis brasileiro (MMA, 2011a; MMA, 2016), favorece o desenvolvimento sustentável em suas três dimensões clássicas, ao prever e incentivar o reaproveitamento e reciclagem dos materiais produzidos (aspectos ambiental e econômico) por meio das associações e cooperativas de catadores de produtos recicláveis (aspectos social e econômico). Todavia, a grande virtude dessas políticas em relação ao tema CPS é que elas elevam as licitações sustentáveis como sendo um dos interesses primários a serem defendidos por todos os entes da federação (Betiol et al., 2012), revestindo-as de um caráter legal.

Por fim, o Regime Diferenciado de Contratações Públicas (RDC) (Lei n. 12.462, 2011) foi concebido inicialmente para agilizar os processos licitatórios de grandes obras a serem feitas, relacionadas à Copa das Confederações (ocorrida em 2013), a Copa do Mundo de Futebol (ocorrida em 2014) e os Jogos Olímpicos e Paralímpicos (ocorridos em 2016). No entanto, ela vem sendo utilizada até a atualidade.

75 A Lei foi bastante criticada por simplificar os processos burocráticos, porém necessários, da Lei Geral das Licitações, mas trouxe consigo inovações importantes no campo da sustentabilidade. Uma delas foi a clareza da apresentação da ideia de menor