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CAPÍTULO 1 – O Setor Público, o Desenvolvimento Sustentável e as Compras Públicas

2.3 A instrumentalização da Teoria dos Stakeholders

2.3.1 O Stakeholder Salience

Mitchell et al. (1997), em uma abordagem de instrumentalização da Teoria dos

Stakeholders, no sentido de explicar aos gestores a quem e a que eles devem prestar

atenção, construíram o conceito de saliência das partes interessadas, baseado em três atributos: poder, legitimidade e urgência (PLU). O Stakeholder Salience é uma técnica que objetiva identificar e categorizar os stakeholders mais importantes, para então priorizá- los.

A proposta de Mitchell et al. (1997) explorou o conceito de saliência das partes interessadas, popularizou-se entre os investigadores da Teoria dos Stakeholders (Friedman & Miles, 2006), gerando grande impacto em seu desenvolvimento, sendo largamente citada pela literatura (Neville et al., 2011; Tashman & Raelin, 2013). As aplicações mais recentes do Stakeholder Salience estão espalhadas em várias áreas do conhecimento e em contextos variados que incluem, entre diversos, as micro finanças (Khurram & Petit, 2017), as pequenas empresas (Westrenius & Barnes, 2015), a responsabilidade social corporativa (Wang & Juslin, 2013; Dong, Burritt & Qian, 2014; Thijssens, Bollen & Hassink, 2015), a administração de recursos humanos (Guerci & Shani, 2013), as empresas familiares (Mitchell et al., 2013), os projetos de construção (Aapaoja & Haapasalo, 2014), as organizações sem fins lucrativos (Parent & Deephouse, 2007) e os grandes eventos esportivos (Knox & Gruar, 2007).

Mitchell et al. (1997) elucidam que o Stakeholder Salience é um modelo dinâmico, fundamentado em uma classificação que permite a concentração dos esforços organizacionais nas relações com os intervenientes considerados mais relevantes (salientes). De acordo com a proposta do Stakeholder Salience, a organização e seus sistemas estão sujeitos às influências de vários grupos pertencentes ao seu meio envolvente e ambiente interno, em um pensamento derivado da Teoria dos Sistemas. As

105 ações devem estar alinhadas para a satisfação dos grupos mais relevantes, segundo seus níveis de poder, legitimidade e urgência.

Os autores destacam que a combinação dos três fatores pode formar até oito tipos de stakeholders, como mostrado na Figura 2.4.

Figura 2.4 – Tipologia de classificação dos stakeholders

Fonte – Adaptado de Mitchell et al. (1997:874)

Mitchell et al. (1995), de acordo com o número de atributos presentes, classificaram os intervenientes em quatro grandes grupos: a) os irrelevantes, que não possuem nenhum dos atributos; b) os stakeholders latentes, que possuem um dos atributos e provavelmente recebem pouca atenção das organizações; c) os stakeholders expectantes, que apresentam dois atributos, apresentando uma postura mais ativa e recebendo maior atenção das organizações e d) os stakeholders definitivos, que detém os três atributos e, por isso, devem receber atenção prioritária das empresas (Quadro 2.1).

Os conceitos de poder, legitimidade, urgência e saliência foram discutidos por Mitchell et al. (1997) e por trabalhos posteriores (Agle, Mitchell & Sonnenfeld, 1999; Khurram & Petit, 2017, entre diversos). Poder está relacionado à possibilidade de determinado ator realizar suas próprias necessidades por meio da ação de outros (Weber, 1947), ou seja, é a capacidade daqueles que o possuem de alcançar os resultados que desejam (Salancik & Pfeffer, 1974), ao impor sua vontade sobre o outro. Baseando-se na

1 Stakeholders adormecidos 2 Stakeholders discricionários 3 Stakeholders exigentes 4 Stakeholders dominantes 5 Stakeholders perigosos 6 Stakeholders definitivos 7 Stakeholders dependentes Poder Legitimidade Urgência 8 Irrelevantes

106 tipologia de poder proposta por Etzioni (1964), Mitchell et al. (1997) considerou que o

poder é exercido por meio de três bases: coercitiva (força ou ameaça), utilitária

(possuidor de recursos ou informações) e simbólica/normativa (regulamentação e legislação).

Quadro 2.1 – Detalhamento dos tipos de stakeholders

Tipos Categorização

Definitivos Definitivos: principal grupo a ser considerado pelas organizações, pois possuem níveis elevados de poder, legitimidade e urgência.

Expectantes

Dominantes: recebem muita atenção das organizações, pois possuem atributos de

poder e legitimidade;

Perigosos: São os stakeholders que têm poder e urgência, mas carecem de

legitimidade;

Dependentes: Apesar de possuírem legitimidade e urgência, têm pouco poder e, por isso, necessitam de outros para que suas reinvindicações sejam atendidas.

Latentes

Adormecidos: Possuem poder para impor vontades à organização, todavia não apresentam urgência nem legitimidade;

Discricionários: Possuem legitimidade, mas sem urgência e poder se tornam menos importantes para as organizações;

Exigentes: Há urgência em suas reinvindicações, entretanto a falta de poder e

legitimidade minimizam a importância desse grupo.

Irrelevantes

Irrelevantes: Apresentam baixos níveis PLU. Não significa que não importam para a organização, mas, comparativamente com as demais categorias, são menos importantes.

Fonte – Adaptado de Mitchell et al. (1997)

A legitimidade está relacionada a uma percepção ou pressupostos generalizados de que as ações de uma organização são socialmente desejáveis ou apropriadas dentro de alguns sistemas socialmente construídos de normas, valores, crenças e definições (Suchman, 1995), enquanto que a urgência se relaciona com a pretensão temporal dos

stakeholders em terem suas demandas rapidamente atendidas ou a atenção imediata

dispensada pelas organizações para atendê-los (Eyestone, 1978; Williamson, 1985; Hill & Jones, 1992; Wartick & Mahon, 1994). Mitchell et al. (1997) consideraram a definição de saliência como consta no Merriam-Webster Dictionary: “The degree to which managers

107 De acordo com o número de atributos PLU presentes, Mitchell et al. (1997) consideraram que a saliência de uma parte interessada será considerada elevada, se estiverem presentes os três atributos (stakeholders definitivos), moderada, se possuírem dois atributos (stakeholders expectantes) ou reduzida, para o caso dos intervenientes com apenas um atributo (stakeholders latentes). Os autores destacaram também que o modelo da Saliência dos Stakeholders é dinâmico, fundamentado em uma classificação que permite a concentração dos esforços organizacionais nas relações com os intervenientes considerados mais relevantes.

Apesar da situação de ampla aceitação do Stakeholder Salience, apresentam-se raros os esforços para adaptar suas categorias analíticas (poder, legimitidade e urgência) ao uso em contextos variados e o questionamento de seus pressupostos centrais também tem sido relativamente limitado (Neville et al., 2011). Algumas exceções incluem Driscoll e Starick (2004), Parent e Deephouse (2007) e Neville et al. (2011).

Particularmente, os atributos considerados no Modelo da Saliência receberam críticas de Driscoll e Starik (2004), devido às limitações de suas definições e bases de análise, ao privilegiarem basicamente os aspectos sociais e econômicos e desconsiderarem as relações das organizações com o meio ambiente, do qual dependem para efetivarem suas atividades. Os autores ressaltam que o ambiente deveria figurar como um stakeholder primário e primordial, posição também compartilhada por Haigh e Griffiths (2007). Driscoll e Starik (2004) propuserem incluir um quarto atributo de análise, nomeado proximidade, sugerindo que a inclusão deste seria útil para incorporar a ideia do “[...] near and the far, the short – and the long-term, and the actual and the potential.” (Driscoll & Starick, 2004:61). Na visão dos autores, a ausência deste atributo seria uma limitação do Stakeholder Salience.

No entanto, devido à sua subjetividade, a ideia de se considerar os não humanos como intervenientes organizacionais não é pacífica e criticada por alguns autores, Philips e Reichart (2000) e Philips, Freeman e Wicks (2003), entre diversos. Khurram e Petit (2017), nomeadamente em relação à utilidade da inclusão da proximidade na proposta de Mitchell et al. (1997), lançaram o seguinte questionamento:

108

But it is worthwhile to ask that does geographical distance matter anymore? With sophisticated communication Technologies and swifter modes of travel available, geographical distances have squeezed down. Moreover, stakeholders may be located in close geographical proximity, but managers at the focal firm may not have close relationships with the stakeholders.

(Khurram & Petit, 2017:490)

Esta investigação, apesar de considerar o meio ambiente como um stakeholder, manteve a configuração original proposta no trabalho de Mitchell et al. (1997), por se avaliar como mais adequada para promover a categorização dos demais stakeholders identificados.

Outra limitação apontada deriva da dificuldade de operacionalização do Stakeholder

Salience. Poplawska et al. (2015) destacam que não está suficientemente claro o motivo

de se restringir a categorização das partes interessadas a quatro (ou oito) categorias. Adicionalmente, os limiares entre as categorias são de difícil mensuração e, na maioria dos estudos, há simplificações ao se considerar que os quadrantes relacionados aos atributos são idênticos, fazendo com que os stakeholders “pertencentes” àquele quadrante também sejam considerados idênticos, algo que provavelmente não corresponde à realidade.

No entanto, o modelo de Mitchell et al. (1997) é amplamente utilizado. Em trabalhos que adotaram abordagens qualitativas, tal como em Currie, Seaton e Wesley (2009), Alves, Gomes e Corsini (2014) e Westrenius e Barnes (2015), os atributos PLU usualmente são julgados pelos respondentes em uma perspectiva dicotômica (por exemplo: tem ou não tem poder). No entanto, o próprio Mitchell et al. (1997) reconheceu que os atributos não são dicotômicos, mas variáveis e se apresentam em um contínuo. Obviamente, essas abordagens apresentam limitações, devido às alternativas de respostas dicotômicas impostas.

Entre os trabalhos com abordagens quantitativas, a pesquisa de Agle et al. (1999) é precursora, por apresentar uma primeira operacionalização do modelo, sendo adotada em trabalhos posteriores, por citar alguns exemplos, Gago e Antolín (2004), Miragiaia, Ferreira e Carreira (2014) e Khurram e Petit (2017). Entretanto, essas investigações

109 pretendiam analisar as relações entre os atributos PLU, a saliência dos stakeholders e outras variáveis (por exemplo, desempenho empresarial), por meio da utilização de múltiplas técnicas estatísticas (análise de correlação, regressão linear, análise fatorial, entre outras).

Os estudos que se propuseram a especificamente mensurar os atributos PLU, para depois classificar os intervenientes nas categorias propostas por Mitchell et al. (1997), são mais escassos. Mitchell e Agle (1997) indicaram uma técnica analítica geral, possível de ser aplicada em uma variedade de situações, que inclui o cálculo de médias e limites de tolerância adotados para se considerar que o stakeholder “pertença” à determinada categoria.

Poplawska et al. (2015) utilizaram Lógica Fuzzi para categorizar as partes interessadas e representá-las em um gráfico 3D. Contudo, de forma mais simples e também com a intenção de minimizar o problema da consideração sobre o “pertencimento” do stakeholder às categorias, Guerci e Shani (2013) utilizaram escalas de dez pontos para avaliar os atributos PLU e ranquearam os stakeholders, de acordo com as respectivas médias de poder, legitimidade e urgência, considerando-se os mais salientes (média >7) e os menos salientes (média <4). Os autores então julgaram o stakeholder “pertencente” a determinada categoria se ele alcançasse minimamente o valor da média dos atributos menos um limite de tolerância (adotado como ½ ponto, valor equivalente a 5% da escala utilizada).

O trabalho de Guerci e Shani (2013), ao adotar um limite de tolerância fixo, desconsidera que este ponto, a depender da variabilidade (dispersão) dos valores do conjunto de dados, poderá ser insuficiente ou exagerado, com reflexos na quantidade maior ou menor de stakeholders “alocados” à determinada categoria. Ademais, o trabalho comparou os atributos de poder, legitimidade e urgência com o valor calculado da saliência média, ou seja, com a média dos valores médios de poder, legitimidade e

urgência de todos os stakeholders considerados.

Todavia, seja qual for o critério adotado como ponto de corte, os stakeholders podem pertencer a esta ou àquela categoria. Há, portanto, uma limitação presente e a

110 necessidade de mais investigação nos trabalhos que pretendem categorizar os intervenientes por meio da mensuração dos atributos, tal como referido em Poplawska et

al. (2015).

Embora o Stakeholder Salience permita categorizar as partes interessadas de acordo com o nível de intensidade dos atributos PLU, esta classificação sozinha dificilmente resultará no desenvolvimento de estratégias para lidar com os stakeholders categorizados. A utilização de instrumentos complementares, tal como o modelo de Savage et al. (1991), poderá traçar um diagnóstico mais preciso das relações entre os

stakeholders e a organização (Roberto & Serrano, 2007). A técnica que combina a

utilização do Modelo de Mitchell et al. (1995) com o modelo de Savage et al. (1991) foi utilizada em pesquisas anteriores, por citar apenas alguns exemplos: Sheenan e Ritchie (2005), Roberto e Serrano (2007), Lyra, Gomes e Jacovine (2009), Lemos et al. (2009), Carvalho (2013) e Fabris et al. (2015). Dessa forma, considerando-se a aplicação do modelo de Savage et al. (1991) nesta investigação, suas peculiaridades serão detalhadas na próxima seção.