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CAPÍTULO 1 – O Setor Público, o Desenvolvimento Sustentável e as Compras Públicas

2.1 Origens, conceitos e abordagens

A Teoria dos Stakeholders (TS) é um campo de estudo relativamente recente, surgido na década de 60, mas impulsionado na década de 80. Ansoff (1965) já destacava a necessidade das organizações identificarem suas partes interessadas mais relevantes, porém foi a partir do trabalho de Freeman (1984) e depois outros autores (Hill & Jones, 1992; Clarkson, 1995; Donaldson & Preston, 1995; Mitchell, Agle & Wood, 1997; Freeman, 1999; Frooman, 1999) que a área do conhecimento ganhou um corpo teórico consistente e aplicável às organizações, e mais tarde também aos problemas relacionados com o Desenvolvimento Sustentável.

A TS possui interfaces com outras áreas do conhecimento em gestão, notadamente a Teoria dos Sistemas, a Teoria Organizacional, a Responsabilidade Social e o Planejamento Estratégico, como bem expôs Freeman (1984) (Figura 2.3).

A TS capacita os gestores para lidarem com o ambiente de negócios cada vez mais dinâmico, a concentrarem esforços nos intervenientes com maior capacidade de afetar ou serem afetados pelas ações organizacionais (Freeman et al., 2010; Ali, 2017). A assunção que as organizações são sistemas abertos, sujeitas a pressões externas e internas e responsivas às expectativas dos stakeholders é um pressuposto da Teoria que defende o conhecimento da gama de intervenientes que atuam em seus respectivos ambientes de negócio como um fator de ocorrência desejável nas atividades organizacionais (Savage et al., 1991; Harrison & St. John, 1996; Ali, 2017; Roman, 2017).

98 Figura 2.3 – Áreas de interface da Teoria dos Stakeholders

Fonte – Adaptado de Freeman (1984:32)

Wood e Jones (1995) argumentam que a TS é a chave para a compreensão das estruturas e dimensões das relações organizacionais e da sociedade, ao estabelecer um modelo alternativo, diferente do pensamento dominante até aquele momento, de que as organizações devem focar seus esforços apenas para satisfazer as exigências e necessidades dos seus acionistas.

Em pouco mais de três décadas de desenvolvimento, a Teoria dos Stakeholders já acumulou lastro teórico consistente e transpassou o universo estritamente empresarial, considerada como uma das teorias mais notável e popular surgida nos últimos anos no campo da ética empresarial (Crane & Matten, 2007). No entanto, durante os seus primeiros anos de evolução, Rowley (1997) ressaltou que a TS esteve concentrada basicamente no desenvolvimento de duas correntes relacionadas: a) a definição do conceito de stakeholder e b) sua classificação em categorias.

Há vários conceitos de stakeholder, que se distinguem essencialmente pela amplitude do que é considerado. O conceito mais citado é aquele apresentado no clássico trabalho de Freeman (1984), que descreve o stakeholder como qualquer indivíduo ou grupo de indivíduos que possa afetar ou ser afetado pelo desempenho e objetivos organizacionais (Friedman & Miles, 2006; Crane & Matten, 2007). Dessa forma, as

História dos

stakeholders

Conceito de

stakeholder

Planejamento

estratégico Teoria dos sistemas

Responsabilidade Social Corporativa Teoria Organizacional Administração estratégica

99 organizações devem atender aos interesses de todos os seus intervenientes – visão posteriormente compartilhada por Donaldson & Preston (1995), Jones (1995), Metcalf (1998), Moore (1999), entre outros importantes autores da área.

O conceito introduzido por Freeman (1984), embora amplamente difundido, é criticado por ser considerado muito amplo (broad), pois a expressão “afetar ou ser afetado”, utilizada pelo autor, é muito vaga e resulta em dúvidas sobre o seu real significado, é bastante inclusiva, deixa margem para a consideração de uma infinidade de partes interessadas (algumas delas desconhecidas da organização), além de não especificar os tipos de influências dos stakeholders (Crane & Matten, 2007).

Alicerçados neste conceito amplo (broad), alguns autores defendem a ideia de se estender o conceito de stakeholders a instituições de caráter mais abstrato e a não humanos, tal como o meio ambiente (Starik, 1995; Stead & Stead, 2000; Driscoll & Starik, 2004; Haigh & Griffiths, 2007). Esta concepção, ao permitir a consideração de vários intervenientes, dificulta a gestão das relações entre a organização e os interessados, pois as empresas provavelmente não conseguirão realizá-las de forma simultânea, devido à complexidade e aos custos envolvidos (Mitchell et al., 1997; Gregg, 2001; Fassin, 2009), para além do próprio desafio em que consiste o estabelecimento de relações com não humanos.

Em tentativa de tornar o conceito mais operacionalizável, abordagens mais estreitas (narrow), isto é, menos inclusivas, tentam identificar as principais partes interessadas e a forma como elas influenciam os sistemas organizacionais, para então priorizá-las. Neville, Bell & Whitewell (2011) argumentam que, ao considerar a complexidade ambiental e as limitações de recursos e de tempo, as organizações precisarão conciliar seus interesses com os das partes interessadas. Dessa forma, justificam a utilidade de se identificar com precisão o conjunto dos intervenientes mais importantes.

A adoção da abordagem narrow propicia um maior significado, escopo e contextualização das ações gerenciais (Philips, 1999). Adotando esta visão, Clarkson (1995) conceitua os stakeholders como pessoas ou grupos que possuem (ou reivindicam)

100 propriedade, direitos ou interesses relacionados com a organização e suas atividades. Também com foco na abordagem estreita, Frooman (1999) destaca que a TS deve estar focada na identificação dos atributos, dos interesses e das influências dos stakeholders, ao tentar responder três perguntas: a) Quem (ou o que) são os stakeholders da organização? b) O que eles querem? c) O que estão fazendo para conseguir?

Em uma das primeiras tentativas de categorização, Clarkson (1995) defendeu que havia duas classes de stakeholders: os primários e os secundários. A primeira classe influencia diretamente nos resultados organizacionais, ou seja, são essenciais para a sobrevivência das empresas. Os esforços organizacionais de relacionamento devem se concentrar principalmente nesse grupo, que inclui os acionistas, os clientes, os concorrentes, os fornecedores e um estrato nomeado como stakeholders públicos27: o governo e a comunidade. O grupo de intervenientes secundários é aquele que tem capacidade de influenciar (ou afetar) ou ser influenciado (ou afetado) pela organização, mas que não estão diretamente envolvidos com as transações ou não são essenciais para a sobrevivência empresarial.

Donaldson e Preston (1995) classificaram os estudos até então desenvolvidos pela Teoria em três linhagens teóricas: descritiva, instrumental e normativa. A descritiva está relacionada às pesquisas que descrevem (e algumas vezes tentam explicar) o comportamento das organizações com seus intervenientes. A instrumental avalia os efeitos das ações direcionadas aos stakeholders sobre o desempenho das empresas. A abordagem normativa é tipicamente utilizada para “melhor compreender a função da corporação, a incluir a identificação da moral ou da orientação filosófica para o funcionamento e administração da empresa” (Donaldson & Preston, 1995:71).

Reed et al. (2009) exalta que a pesquisa instrumental na Teoria dos Stakeholders é mais pragmática e dedicada a entender como as organizações podem identificar, explicar e gerenciar o comportamento das partes interessadas para alcançar os resultados que desejam. A análise dos stakeholders também pode ser utilizada em contextos diferentes dos organizacionais, por exemplo, no gerenciamento dos recursos naturais e nos

27 Esse grupo, segundo Clarkson (1995), promovem infraestrutura e mercado, cujas leis e regulamentos devem ser obedecidos.

101 problemas relacionados à sustentabilidade, pois permite que informações e perspectivas sejam buscadas em um gama muito maior de fontes, proporcionando maior robutez na base do conhecimento gerado, com reflexos na qualidade das iniciativas adotadas (Olsson, 2004; Reed, 2009).