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CAPÍTULO 1. A INTEGRAÇÃO E COOPERAÇÃO REGIONAL NAS RELAÇÕES

1.7. Notas conclusivas

Com o início do novo século, novas perspectivas e novos desafios foram lançados, especialmente no confronto da esfera político-econômica com a esfera jurídico-social. Estes desafios incorporaram ao discurso, à agenda e aos fóruns mundiais de debates e negociações, elementos que antes não interessavam ou possuíam peso e expressão inferiores.

Não podemos considerar isoladamente os fluxos ou o poder de Estados no plano internacional como algo dado, ou ainda, tentar alocar aos antigos formatos de comercio internacional a responsabilidade pelos processos globalizantes. A internacionalização é um processo que decorre de forma coletiva, por meio de diversas empresas, em diversos estágios evolutivos, que acabam por exercer suas atividades transplantando os limites do mercado nacional de origem, transpondo fronteiras ao buscar a exploração do mercado internacional.

Considerando eixos temáticos específicos, a criação blocos econômicos de países pode levar ao fortalecimento da região frente a essa nova realidade. Temos que a adoção comunitária de uma política, resultante da aproximação política dos Estados participantes, pode conferir maior articulação e eficiência à implementação dos objetivos do bloco, “a própria política comunitária retroalimenta o processo de integração política, uma vez que cria e aprofunda vínculos entre os Estados que a adotam.”117. Ora, assim, somos levados a refletir, não apenas em termos de disputa de poder, ou modelos que busquem compreender a atuação dos agentes em suas relações internacionais, mas em confrontos de realidades que estão sempre em mútua constituição.

117 ANDRADE, Ricardo Barreto de. Da Integração Energética à Integração Política: a Adoção de uma Política

Energética Comum como Eixo da Integração Sul-Americana. IN Cadernos PROLAM/USP / Cadernos do

Programa de Pós Graduação em Integração da América Latina da Universidade de São Paulo – PROLAM/USP. Ano VIII Volume I – 2009, pág. 155

Esta forma de observar a realidade, e buscar entender a realidade não pode de maneira alguma estar deslocada ou desvinculada da construção, meios e modos, desta mesma realidade118. Partindo deste conceito, a “integração é concebida como resultante das ações que, dentro do sistema de Estados, buscam institucionalizar práticas e expectativas comuns que garantam a cooperação para organizar as demanda econômico-sociais e políticas das diferentes instâncias representativas dos poderes dos Estados.”119. Desta ótica, o processo de integração acaba, de uma forma ou de outra, por contar com a contribuição de agentes que, em determinada medida, são limitados pelas estruturas que vão sendo criadas, e em contra-partida, direta e indiretamente manifestam e exercem influência sobre os processos relevantes e importantes do bloco no contexto da realidade internacional.

Mas os processos de integração regional não estão dissociados de suas raízes econômicas. Nas palavras de Celso Furtado, “a integração econômica é, no essencial, um esforço visando a maximizar as economias de escala de produção, em função da tecnologia disponível, sem reduzir as economias de aglomeração, ou compensando adequadamente os efeitos negativos dessa redução sobre determinadas coletividades. ... Assim, a teoria da integração constitui uma etapa superior da teoria do desenvolvimento e a política de integração, uma forma avançada de política de desenvolvimento.”120. Ainda que Furtado reconheça que a integração, quando não devidamente coordenada e considerando determinadas variáveis, pode tornar ainda mais difícil a superação do subdesenvolvimento121, ele também destaca benefícios e possibilidades advindas do

processo de integração regional.

Se no plano global as atividades das grandes empresas não mais se situam nos mercados nacionais, em função de terem transposto fronteiras com suas atividades, alguma reação no plano internacional deve desenvolver-se, ainda que oriunda de reclamos “locais”. A atividade 118 ROCHA, Antonio Jorge Ramalho. A Construção do Mundo : teorias e relações internacionais. Tese de Doutorado – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Universidade de São Paulo – USP - São Paulo - USP, 2002, pág. 179

119 STUART, Ana Maria. Regionalismo e Democracia : uma construção possível. IN CEBRI Tese. Rio de Janeiro : Centro Brasileiro de Relações Internacionais, 2003, pág. 5. Disponível em http://www.cebri.org.br/pdf/213_PDF.pdf . Acesso em 13 de julho de 2009

120 FURTADO, Celso. Teoria e Política do Desenvolvimento Econômico. 10ª ed. revisada pelo autor. São Paulo : Editora Paz e Terra, 2000, pág. 331

empresarial transnacional não mais está vinculada aos grandes centros e metrópoles, pois percorre o planeta atrás de oportunidades e novas realidades de ganhos, não reclamando, muitas vezes, mais a proteção de seu Estado originário, e está alheia a Organizações Internacionais multilaterais, assim como a uniões e blocos internacionais. O poder nacional foi, portanto, deslocado para a arena internacional.

Não obstante, pontuamos que tais fluxos e processos, acusados de serem causas da globalização assimétrica, refletem apenas a realidade das grandes empresas multi e transnacionais. Mas dificilmente conseguem atingir este nível de sofisticação em seus negócios as empresas nacionais médias e/ou de pequeno porte122. Não estamos aqui professando a defesa incondicional dos pequenos e médios empresários. Preconizamos, sim, a defesa do mercado como um todo, pois não é função ou atribuição do Direito da Concorrência a defesa irrestrita do empresariado nacional, ou a distinção entre grandes e pequenos empreendimentos123. Mas não se pode esquecer, que “as características do direito são, enfim, indissociáveis às da instituição política que o produz”124, e que os destinatários das normas, no caso deste estudo, são todos aqueles que

122 A realidade e a forma de atuação igualmente são distintas, mas o referido nível de sofisticação não pode ser comparado. Enquanto a empresa local batalha por seu espaço local, a empresa transnacional já possui recursos próprios que lhe facultam movimentos inconcebíveis aos pequenos e médicos empresários. Santin destaca esta nova realidade: “A empresa modifica-se em relação à estrutura física e à (re) distribuição pelo planeta. Novas e

pequenas indústrias dinâmicas substituem as velhas e grandes que não se adaptam mais às novas circunstâncias e se estabelecem em diversas localidades do planeta, no intuito de auferir as maiores vantagens no setor de sua responsabilidade no processo produtivo.”. SANTIN, Janaína Rigo. As Novas Fontes de Poder no Mundo Globalizado e a Crise de Efetividade do Direito. IN Revista da Seção Judiciária do Rio de Janeiro nº 25 – Rio de

Janeiro : JFRJ, 2009, pág. 83

123 Lembramos apontamento de Amâncio e Souza e Costa da Silva: “Atualmente, a maioria das economias

emergentes não possui as condições necessárias para se beneficiar dos níveis atuais de inserção externa sem sofrer com os efeitos desestabilizadores dos fluxos de capitais. Para tanto é necessário, entre outras coisas, que o país possua um núcleo de desenvolvimento científico-tecnológico consistente e integrado ao setor produtivo, os fundamentos macroeconômicos consolidados e um sistema financeiro doméstico forte o suficiente para absorver um fluxo excessivo de capitais. A economia brasileira, como a maioria das economias emergentes, necessita de recurso para dar vazão a projetos que visam atender as metas traçadas por seu governo nos âmbitos social, econômico e institucional. Com efeito, a intervenção estatal torna-se fundamental para obter um ambiente mais estável e seguro a fim de garantir a estabilidade macroeconômica, melhorar o crescimento e a distribuição da renda na economia.”. IN AMÂNCIO E SOUZA, Ranidson Gleyck e SILVA, Guilherme Jonas Costa da. Controle de capitais e o direito à propriedade no Brasil : reflexões acerca da garantia constitucional à propriedade privada e do interesse nacional. Revista de Direito Bancário e do Mercado de Capitais. Editora

Revista dos Tribunais – Ano 11 – nº 40 – abril - junho de 2008, p. 122.

124 KOERNER, Andrei. Direito e Regulação: uma apresentação do debate no Réseau Européen Droit et Société. IN: BIB - Revista Brasileira de Informação Bibliográfica em Ciências Sociais. São Paulo. N° 58, 2005, pág. _

integram determinada sociedade, participando ou não do mercado. Ou seja, a norma antitruste tem sua função social.

No caso do Mercosul, devemos considerar, além deste aspecto social, a forte assimetria presente na região, sendo que o bloco tem como princípio garantir aos seus membros e aos agentes econômicos condições equitativas, sendo que as assimetrias verificadas determinaram tensões. Alternativas devem ser pensadas para que os entraves conhecidos sejam superados ou, ao menos, minimizados. Entendemos que é possível encontrar espaço para o desenvolvimento e aprofundamento da cooperação, enquanto alternativa para entraves políticos. Mas importante a lição de Wendt, que que destaca que “the effort to design institutions that would steer the evolution of international society in certain directions would no doubt itself have unintended consequences, not least because the international system is an anarchy and so suffers all he problems of “heterocephaly”. But at least in a reflexive system there is a possibility of design and collective rationality that does not exist in a reified system.”125. Desta feita, o desenho de alternativas e propostas para a redução de assimetrias, ou de desenvolvimento e aprofundamento do processo de integração, deve considerar a possibilidade de que sejam verificadas consequências não intencionais.

Como veremos adiante neste estudo, efetivamente foi possível verificar que agentes participaram da construção de estruturas e da regulação da Defesa da Concorrência. Esta regulação construída não pode se considerada apenas como um atributo normativo decorrente dos fluxos da estrutura do bloco econômico. Parece-nos, sim, ter sido endogenamente gerada em função da liberdade de atuação dos referidos agentes limitada pelas estruturas normativas e institucionais.

125 WENDT, Alexander. Social Theory of International Politics. Cambrige Studies in International Relations. 11ª impressão. Cambridge University Press : Cambridge, 2008, pág. 376

Tradução Livre do Autor: “o esforço para conceber instituições que possam dirigir a evolução da sociedade

internacional em determinadas direções, sem dúvida têm consequências não intencionais, não porque o sistema internacional é uma anarquia e assim sofre todos os problemas que ele de "heterocephaly". Mas porque em um sistema reflexivo existe a possibilidade de desenho e de racionalidade coletiva que não existe em um sistema reificado.”. Nota do autor. Reificação pode ser entendida como o processo de perda da realidade e dinamismo da

Vale o reforço de que “o continente sul-americano sempre foi, continua e permanecerá sendo importante para o Brasil.”126. Neste sentido, o Brasil está inserido no contexto geográfico da América do Sul, e é um dado que não se pode alterar. Por outro lado, as dificuldades verificadas para que seja possível alcançar uma cooperação ampliada nesta parte do continente “em grande parte têm sido resultado da própria falta de vontade política de seus membros como um todo, e não apenas de voluntarismos de um ou outro.”127. Em contra-partida, “ao lado das divergências, políticas de cooperação foram implementadas, em regimes políticos diferentes, mas com finalidades que seguiam na mesma direção de propiciar melhores condições aos países sul- americanos em determinados tópicos.”128, o que nos leva a destacar a possibilidade de fomento de ações e medidas que estimulem e/ou levem a comportamentos cooperativos por parte dos partícipes do Mercosul.

Ainda uma final pontuação conclusiva deste capítulo. Na esteira da compreensão de que os processos são contínuos na relação agente /estrutura, acabando os agentes por influenciarem as estruturas e estas por limitarem a liberdade utópica de atuação daqueles, devemos compreender que o processo decisório se desenvolve por meio de um continuum, sem que possamos nitidamente distinguir uma ou mais modalidades de políticas da categoria ampla de políticas públicas.

Partilhamos do entendimento de Sanchez, Silva, Cardoso e Spécie, ao assumir dois importantes pressupostos em suas análises, a saber: “(i) as políticas interna, externa e internacional compõem um continuum de processo decisório e (ii) a política externa não se diferencia das demais políticas públicas. Esses pressupostos apóiam um ao outro de forma a permitir a reconcepção do processo decisório da política externa sob os referenciais da política pública.”129. Desta feita, políticas industriais, política de Defesa da Concorrência, política externa integram a categoria de 126 MIYAMOTO, Shiguenoli. O Brasil e a América Latina: Opções Políticas e Integração Regional. IN Cadernos PROLAM/USP / Cadernos do Programa de Pós Graduação em Integração da América Latina da Universidade de São Paulo – PROLAM/USP. Ano VIII Volume I – 2009, pág. 90

127 MIYAMOTO, Shiguenoli. op. cit., pág. 91 128 MIYAMOTO, Shiguenoli. op. cit., pág. 97

129 SANCHEZ, Michelle Ratton; SILVA, Elaini C. G. da; CARDOSO, Evorah L. e SPECIE, Priscila. Política

Externa como Política Pública: uma análise pela regulamentação constitucional brasileira (1967-1988). Revista

efetivas políticas públicas130, que refletirá, julgamos, no entendimento mais claro de que por meio do referido continuum as influencias e limites existentes na relação agentes/estruturas operam na construção da cooperação e interesses, sob uma perspectiva construtivista das Relações Internacionais.

130 Não obstante reconhecimento de entendimentos contrários respeitáveis e de peso. Neste sentido, vide págs 125 a 128, especialmente nota de rodapé 2, de: SANCHEZ, Michelle Ratton; SILVA, Elaini C. G. da; CARDOSO, Evorah L. e SPECIE, Priscila. Política Externa como Política Pública: uma análise pela regulamentação

CAPÍTULO 2. ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS DE INTEGRAÇÃO E