• Nenhum resultado encontrado

Notas sobre o surgimento da economia política neoliberal

TRABALHADORES FILHOS DO ÊXODO E DA FAVELIZAÇÃO

5. OS CAMINHOS DA IDENTIDADE DOS TRABALHADORES APÓS AS TRANSFORMAÇÕES PRODUTIVAS E POLÍTICAS

5.1 Notas sobre o surgimento da economia política neoliberal

Em termos mundiais, o curto equilíbrio de forças políticas, produzido após as duas grandes guerras e seguido no âmbito da guerra fria, vinha se desgastando desde os anos de 1960. Segundo Harvey (2012), a incontrolável lei da acumulação de valor, em sua incessante necessidade de reposição das taxas de lucro do capital, exigia a remoção das barreiras “rígidas” da produção fordista com suas proteções aos direitos sociais e, portanto, imposições de limites a superexploração.

As novas necessidades de liberdades ao capital e ao mercado global, formuladas e sistematizadas na ortodoxia do “Consenso de Washington22, exigiram uma renovação teórica na economia neoclássica. Uma doutrina radicalmente contrária a qualquer natureza de intervenção e regulação ao mercado, assim como antagônica a planejamentos estatais e amplamente favorável as ideias de caráter liberal.

Para Harvey (2012), a neoliberalização da economia traduz um movimento23 de classes determinado a restaurar o poder político, econômico e cultural do capital. Um poder voltado para restringir o poder do trabalho, desregular finanças, indústria, comércio, extrativismo, leis trabalhistas, direitos sociais, e liberar o poder do capital financeiro em termos globais. Este movimento é introduzido no Brasil no início da década de 1990 na forma da primeira onda neoliberal e, segundo Pochmann, Moretto, Macambira e Krein (2010), a aplicação das políticas neoliberais se deram pela abertura comercial, pela desindustrialização24, pela internacionalização do parque produtivo e do mercado financeiro, através da reprimarização da economia.

Para Alves (2011), se na política o capitalismo toma a versão neoliberal nas relações de produção material dos bens de consumo, sua forma é a reestruturação produtiva, iniciada no Japão em fins dos anos de 1960. Uma produção material capaz de reunir três grandes inovações: a tecnológica, a organizacional e a sociometabólica25, que fazem da reestruturação

22 As regras do Consenso de Washington estavam centradas em quatro eixos. Primeiro recomendava-se a

reforma fiscal, com vistas a diminuir os impostos das grandes empresas em nome da competitividade global. Segundo, promover uma abertura comercial, com vistas a facilitar a entrada e a saída de importações e exportações com menos tarifas. No terceiro, adotar uma política de privatizações, retirando o Estado da economia e repassando setores estratégicos a iniciativa privada. Em quarto, reduzir os gastos do Estado, enxugando a máquina pública, terceirizando serviços, diminuindo leis e proteções trabalhistas e pagando regiamente a dívida pública para o sistema financeiro. Um resumo das regras pode ser encontrado no artigo “O mito do Consenso de Washington”, de Paulo Roberto de Almeida, disponível em: https://domtotal.com/colunas/detalhes.php?artId=236. Consultado em 20 de fevereiro de 2020.

23 Um movimento de classes com origem em diferentes epicentros, desde o início da crise estrutural de

acumulação de capital dos anos de 1970, a da abertura da economia da China com Deng Xiaoping, em 1978, nos EUA com Ronald Reagan, em 1980, e na Inglaterra com Margaret Thatcher, em 1979, que se notabilizou por sua capacidade de destruição do movimento sindical daquele país.

24A desindustrialização, segundo Pochmann (2016), mostra o enfraquecimento da hegemonia do capital

industrial no interior das forças produtivas, o que não significa a inexistência de indústrias. Ocorre, por outro lado, o crescimento de outras frações da classe dominante, como por exemplo o capital financeiro ou agroexportador, que subordinam a produção de manufatura, o que acarreta em desindustrialização.

25 O conceito de Sociometabolismo é utilizado com o sentido proposto por Benevides (2016), a partir da obra

de Mészáros, ou seja, é compreendido como derivado da divisão social do trabalho e resultado da subordinação estrutural do trabalho ao capital. A principal sustentação dessa relação não é legal ou jurídica e sim dá-se pela apropriação da mais-valia. Uma relação permeada de contradições e antagonismos, onde o poder e o papel de apoio e controle social do Estado ao capital, fazem-se indispensáveis.

produtiva uma nova e complexa forma de produção do capital. No Brasil, suas primeiras medidas no início da década de 1990 fez reduzir em 4,2% o PIB nacional, a pobreza deu um salto para 32% e o poder aquisitivo do salário mínimo perdeu 33,6% de valor.

Ainda no campo das transformações no âmbito do Estado, operou-se conforme (Cacciamali, p. 12, 2003) "um conjunto de mudanças institucionais, legais com novas modalidades de contrato, com a flexibilização da jornada e da remuneração". Notavelmente viu-se uma sofisticação na incorporação de conhecimentos dos trabalhadores tanto no Brasil como no mundo, às máquinas tanto de habilidades como de saberes físicos, mentais e cognitivos. O que, para Alves (2011), nesse novo formato de extração de esforços do trabalho implica uma forma de “captura” da subjetividade do ser que trabalha.

A ofensiva do capital não se restringe apenas à instância da produção propriamente dita, mas atinge hoje, mais do que nunca, sob o capitalismo manipulatório, instâncias de reprodução social, colocadas como nexos orgânicos da produção como totalidade social. Deste modo, é pela tempestade ideológica de valores, expectativas e utopias de mercado que se busca formar o novo homem produtivo do capital (ALVES, 2011, p. 89).

Segundo o autor, sob um processo sem tréguas, a captura da subjetividade do trabalhador é mais do que a extração de sua força física no fazer das atividades, é extrair sua disposição intelectual afetiva, no sentido de colocar sua inteligência, suas habilidades comunicacionais para o trabalho em rede, a serviço da produção de mais riqueza controlada pelo “mercado”. É a captura da condição intelectual e afetiva do sujeito no singular, no relacional, no social, conforme as necessidades da racionalização da produção, o que em si não é um problema. A questão é que este modelo de racionalização está a serviço estritamente da lógica de crescimento econômico constante e da valorização do capital, ainda que isso custe acionar os limites da própria natureza26, como adverte Mészáros (2011).

A forma como esse processo sem tréguas foi efetivamente vivenciado pelos trabalhadores metalúrgicos na região metropolitana de Porto Alegre é a questão a seguir. Inicialmente é importante ressaltar o quanto estas transformações não foram iguais nem unânimes em todas as fábricas. Aquele modelo de fábrica intensiva em mão-de-obra, exigente em esforços braçais, poeirenta, suja de graxa, barulhenta, não se transforma

26 Para Mészáros (2002), a crise do capitalismo é estrutural e parte de sua natureza, de sua dinâmica de

progresso. A diferença desta, que iniciou na década de 1970, é seu caráter universal, que está em todas as esferas das relações humanas; é seu caráter global, diferente das crises anteriores que afetavam apenas uma região do globo; é sua escala de tempo, que é longo, em lugar de algo cíclico e passageiro; e que desdobra-se de modo rastejante, ou seja, o capital coloca a serviço da administração da crise e de suas conturbadas contradições toda a sua maquinaria, seus instrumentos de autodefesa cada vez com mais força e cada vez com menos eficácia.

uniformemente em fábricas limpas, modernas, com novos procedimentos de gestão e nova maquinaria tecnológica. De certo modo elas convivem de modo desigual e se complementam umas às outras até hoje.