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17. Tramitação do processo contra-ordenacional

17.6. Notificação de acusação

Com base no auto de notícia ou na denúncia, a autoridade administrativa deduz acusação contra o infractor, a qual deverá conter: O nome completo do arguido ou a denominação da sociedade comercial arguida; O domicílio do primeiro ou a sede da segunda; A identificação do processo; A descrição pormenorizada e exaustiva da matéria factual ilícita praticada pelo arguido (imputação objectiva), bem como a matéria de direito (imputação subjectiva); Os preceitos legais por aquele violados com a indicação da lei ou regulamento que prevê e pune o facto; O valor das coimas, e as sanções acessórias em que incorre; O direito de audiência/defesa; A possibilidade de, conforme o valor, poder liquidar a coima pelo valor mínimo acrescida de custas processuais70; Menção à possibilidade de constituir mandatário; O horário e o local em que o arguido ou o seu mandatário poderão consultar o processo.

Importa no entanto salientar que na fase administrativa do procedimento contra-ordenacional, o mesmo não é dominado pelo princípio da acusação, como ocorre no processo penal, apresentando apenas uma estrutura manifestamente inquisitória, não obstante os excessos que poderiam advir deste modelo são atenuados pelo contraditório que o artigo 50.º do RGCO impõe e pela possibilidade de impugnação judicial, prevista no artigo 59.º, n.º 1 do RGCO.

70Cfr. ponto 17.7 deste capítulo.

17.6.1. Princípios da imparcialidade e da objectividade

ANTÓNIO de OLIVEIRA MENDES e JOSÉ DOS SANTOS CABRAL, entendem que “o respeito dos princípios da imparcialidade e da objectividade exigem que os órgãos administrativos decidam os assuntos que se levam a seu conhecimento sem nenhum tipo de considerações que sejam estranhas ao interesse geral. Infringe-se, em consequência, tal princípio, (...) quando o funcionário que encarna um órgão da Administração participa na solução de um assunto no qual tem interesse pessoal (...)” e defendem também que a “imparcialidade e objectividade pressupõem que o órgão a quem compete decidir um assunto não tenha uma posição preconcebida que possa influenciar a decisão num determinado sentido”71.

17.6.2. Direito de audição e defesa do arguido

As garantias de defesa do arguido têm acolhimento constitucional no artigo 32.º, n.º 10 da CRP, que consagra expressamente que “Nos processos de contra-ordenação, bem como em quaisquer processos sancionatórios, são assegurados ao arguido os direitos de audiência e defesa”.

Estas garantias implicam no entendimento de JORGE MIRANDA e RUI MEDEIROS72, que acompanhamos, ser “inconstitucional a aplicação de qualquer tipo de sanção, contra- ordenacional (...), sem que o arguido seja previamente ouvido e possa defender-se das imputações que lhe são feitas”.

Com efeito, o artigo 50.º do RGCO proíbe a aplicação de uma coima ou de uma sanção acessória sem antes a autoridade administrativa “(…) ter assegurado ao arguido a possibilidade de, num prazo razoável, se pronunciar sobre a contra-ordenação que lhe é imputada e sobre a sanção ou sanções em que incorre”.

71MENDES, António de Oliveira e CABRAL, José dos Santos, op. cit., 129 p..

72 MIRANDA, Jorge e MEDEIROS, Rui - Constituição da República Portuguesa Anotada. 1.ª ed. Coimbra:

Esclareça-se que é entendimento jurisprudencial73que o prazo razoável não deve ser inferior a 10 dias, por semelhança com o prazo previsto para a audiência dos interessados no artigo 122.º, n.º 1 do Código do Procedimento Administrativo (Decreto-Lei n.º 4/2005, de 7 de Janeiro).

A preterição deste direito constitui nulidade insanável, que invalida todo o processado posterior ao auto de notícia, por força da aplicação subsidiária da alínea c), do artigo 119.º do CPP, ex vi do artigo 41.º do RGCO.

Ademais, como defende GOMES DIAS, “o princípio do contraditório e a contrariedade estão subjacentes ao normativo da lei-quadro e pode mesmo dizer-se que constitui a trave mestra de qualquer procedimento sancionador”, razão pela qual a inobservância do direito de audiência e defesa constitui nulidade insuprível que afecta a validade do processo e inviabiliza a aplicação correcta de qualquer sanção, não podendo, desta forma, “deixar de entender-se que no processo por contra-ordenação devem ser dadas ao arguido possibilidades de contestar as provas contar ele recolhidas, de formular a sua defesa, de sugerir diligências probatórias, de arrolar testemunhas, etc.”74.

Efectivamente o princípio do contraditório e da audiência, pilar basilar do processo penal, como ensina FIGUEIREDO DIAS tem no seu ADN a concepção de que o juiz não deve exercer a “sua actividade solitariamente, mas deve para tanto ouvir quer a acusação quer a defesa”, constituindo assim a “tradução moderna das velhas máximas audiatur et altera pars e (com especial atenção ao papel da defesa, historicamente o que mais vezes foi esquecido e aviltado) nemo potest inauditu damnari”75.

O direito de defesa constituiu, deste modo, a oposição do arguido à acusação deduzida pela autoridade administrativa, trazendo aos autos os seus argumentos de facto e de direito.

Em sede do exercício deste direito, pode o arguido apresentar provas mediante a utilização de todos os meios legalmente admissíveis para sua defesa (prova testemunhal, pericial, por

73Assento n.º 1/2003 do Supremo Tribunal de Justiça, publicado no Diário da República n.º 21, 1.ª Série A, de

25/01/2003, pp. 555 e 557.

74DIAS, Gomes - Breves Reflexões Sobre o Processo de Contra-Ordenação, Lisboa: Escola Superior de Polícia,

1985. 138 p.

75 DIAS, Jorge de Figueiredo, Direito Processual Penal – Reimpressão da 1.ª ed. (1974) Coimbra: Coimbra

reconhecimento, por inspecção ou documental), não obstante cabe à autoridade administrativa decidir fundamentadamente sobre a pertinência ou não das provas aduzidas.

Com efeito, a autoridade administrativa no uso do princípio da livre apreciação da prova que lhe é conferido e usando o critério do homem médio colocado nas circunstâncias do arguido, apreciará as provas que o mesmo invocar, devendo, no entanto, fundamentar as razões pelas quais não relevou determinado meio de prova indicado pelo arguido.

O princípio do contraditório e da audiência encontra-se consagrado em instrumentos de direito internacional, designadamente no artigo 6.º, n.º 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

No espectro constitucional português, este princípio tem acolhimento legal no artigo 32.º, n.º 5, da CRP que dispõe que “O processo criminal tem estrutura acusatória, estando a audiência de julgamento e os actos instrutórios que a lei determinar subordinados ao princípio do contraditório”, entendendo GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA76que “relativamente aos destinatários aquele princípio significa: (a) dever e direito de o juiz ouvir as razões das partes (da acusação e da defesa) em relação a assuntos sobre os quais tenha de proferir uma decisão; (b) direito de audiência de todos os sujeitos processuais que possam vir a ser afectados pela decisão, de forma a garantir-lhes uma influência efectiva no desenvolvimento do processo; (c) em particular, direito do arguido de intervir no processo e de se pronunciar e contraditar todos os testemunhos, depoimentos ou outros elementos de prova ou argumentos jurídicos trazidos ao processo”.

Assume uma importância fundamental no ordenamento jurídico português, no que concerne ao exercício do direito de audiência e defesa do arguido, nos termos e para os efeitos do artigo. 50.º do RGCO, o Assento n.º 1/2003 do Supremo Tribunal de Justiça (STJ)77, do qual passamos a citar a respectiva decisão, dada a importância que assume no seio desta matéria:

“Decisão:

Quando, em cumprimento do disposto no artigo 50.o do regime geral das contra-ordenações, o órgão instrutor optar, no termo da instrução contra-ordenacional, pela audiência escrita do

76CANOTILHO, J.J. Gomes e MOREIRA Vital, op. cit., 522-523 pp.

arguido, mas, na correspondente notificação, não lhe fornecer todos os elementos necessários para que este fique a conhecer a totalidade dos aspectos relevantes para a decisão, nas matérias de facto e de direito, bem como o processo ficará doravante afectado de nulidade, dependente de arguição, pelo interessado/notificado, no prazo de 10 dias após a notificação, perante a própria administração, ou, judicialmente, no acto de impugnação da subsequente decisão/acusação Administrativa”, isto é a autoridade administrativa deve indicar ao arguido para o exercício deste direito toda a matéria de facto e direito que lhe é imputável.

17.6.3. Direito à assistência de um defensor

De acordo com o preceituado no artigo 53.º do RGCO, o arguido tem o direito de se fazer acompanhar de advogado, “(…) escolhido em qualquer fase do processo”, podendo a própria autoridade administrativa nomear-lhe defensor “(…) sempre que as circunstâncias do caso revelarem a necessidade ou a conveniência de o arguido ser assistido”.

Decorre também do disposto no artigo 20.º, n.º 2 da CRP, que “todos têm direito, nos termos da lei, à informação e consulta jurídicas, ao patrocínio judiciário e a fazer-se acompanhar por advogado perante qualquer autoridade”.