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O processo de contravenção laboral 1 O auto de notícia

Capítulo IV As contravenções laborais no ordenamento jurídico angolano 1 Terminologia: contravenção e contra-ordenação

9. O processo de contravenção laboral 1 O auto de notícia

O processo contravencional inicia-se com a elaboração pelos inspectores do trabalho do competente auto de notícia, definindo o RIGT236 que em tudo o que nele não se encontre especificamente regulado sobre o conteúdo, valor, elaboração e tramitação do auto de notícia, deverá ser aplicado subsidiariamente o Código de Processo Penal Angolano (CPPA)237.

O auto de notícia deverá conter os seguintes elementos238:

- Indicação do dia, hora e local em que a infracção ocorreu e foi detectada;

- Identificação completa do infractor (pessoa singular, colectiva ou associação irregular), no caso de pessoa não singular deverá ser indicada a designação social, a actividade prosseguida e o domicílio dos correspondentes gerentes, administradores, directores ou membros do órgão gestor;

234Art. 25.º, n.º 3 do RIGT.

235Art. 25.º, n.º 5 do RIGT. Art. 25.º, n.º 2 do RIGT. 236Artigo 18.º do RIGT.

237Artigos 166.º a 169.º do CPPA (Decreto n.º 16489, d 15 de Fevereiro de 1929, com as alterações introduzidas

pelo Decreto n.º 1971, de 24 de Janeiro de 1931)

- Descrição rigorosa dos factos que constituem infracção, contemplando não só a descrição das circunstâncias em que a infracção foi cometida, como também indicando a forma como os factos foram apurados;

- Tudo aquilo que se consiga apurar sobre a identificação dos infractores e dos ofendidos;

- Indicação da prova, nomeadamente a documental e a testemunhal; - Indicação da legislação infringida e da multa aplicável;

- Nome, categoria e assinatura do inspector autuante, e serviço ou órgão da IGT onde se encontra colocado;

- Assinatura do infractor;

- Quando a acção inspectiva coerciva implique receitas para a Segurança Social ou para os trabalhadores, serão sempre apurados e descriminados os respectivos montantes em mapa próprio para esse efeito, que fará parte integrante do auto de notícia.

Apenas com um auto de notícia devidamente elaborado a IGT poderá proceder à cabal instrução do procedimento contravencional laboral, pelo que afigura-se de relevante importância que os autos de notícia elaborados pelos inspectores do trabalho contenham os elementos acima enunciados.

A eficácia do auto de notícia depende da confirmação efectuada pelo Inspector-Geral de Trabalho, ou em quem este delegue esta competência, fazendo fé em juízo até prova em contrário239.

A não confirmação do auto de notícia, bem como a desconfirmação e revisão, serão objecto de auto devidamente fundamentado e registado em livro próprio240.

9.2. Comunicação do auto de notícia ao infractor

Nos termos do artigo 22.º, n.ºs. 1 e 2 do RIGT, depois de elaborado deve o auto de notícia ser numerado e registado em livro próprio, bem como apensa a folha de liquidação contendo a multa aplicada e todas as importâncias em dívida apuradas.

239Artigo 21.º, n.ºs. 1 e 3 do RIGT. 240Artigo 21.º, n.º. 2 do RIGT.

Deste modo, após confirmação do auto de notícia a IGT deve remeter ao infractor o respectivo processo, onde conste o auto devidamente identificado, e quando for caso disso os anexos ao mesmo, designadamente quando estiverem em causa receitas para a Segurança Social ou para o trabalhador241, acompanhado do termo de notificação onde constem242:

- A identificação do auto de notícia; - O valor da multa aplicada;

- A soma das contribuições devidas à Segurança Social; - O montante global das quantias em dívida aos trabalhadores; - A soma total a depositar;

- A ordem de pagamento da totalidade indicada, num prazo de 20 dias a contar da remessa desta notificação;

- A identificação da instituição bancária onde aquele depósito deve ser efectuado mediante a devolução, por parte do arguido, da respectiva folha de liquidação, devidamente autenticada pelo estabelecimento bancário, até 5 dias após o termo do prazo de 20 dias dado para a ordem de pagamento da totalidade indicada;

- A referência de que os gerentes, administradores, directores ou membros do órgão gestor são solidariamente responsáveis pelo pagamento das importâncias indicadas.

Esta notificação é efectuada por via postal com registo, ou pela via pessoal através de funcionários da IGT designados para o efeito ou por agente da autoridade, os quais ficam investidos dos poderes que a lei confere para a realização deste acto243.

A notificação em causa considera-se feita na pessoa do infractor, mesmo que efectuada a qualquer outra pessoa que na altura o represente, ainda que não possua título bastante para o efeito. Nos casos em que não seja encontrado o infractor ou pessoa que na altura o represente, considera-se efectuada a notificação na pessoa do infractor, desde que quem proceda à notificação a entregue a qualquer pessoa afecta à empresa infractora ou ao domicílio dos seus gestores, lavrando certidão do acto244.

241Artigo 19.º, n.º 4 do RIGT. 242Artigo 22.º, n.º 3 do RIGT. 243Artigo 22.º, n.º 4 do RIGT. 244Artigo 22.º, n.ºs. 5 e 6 do RIGT.

9.3. Reclamação do infractor

Notificado do auto de notícia, e não se conformando com a multa aplicada pela IGT, pode o infractor reclamar para o Delegado Provincial de Trabalho245, no caso de a multa ser superior a cinco vezes a remuneração mínima mensal estabelecida para a Função Pública246.

Não se encontrando prevista na lei, como acontece no ordenamento jurídico português, a possibilidade de impugnação judicial para a Sala do Trabalho do Tribunal Provincial, parece- nos desprovido de qualquer eficácia jurídica o disposto no artigo 21.º, n.º 4 e 22.º, n.º 8 do RIGT, nos termos dos quais o acto de confirmação de um auto de notícia torna-se definitivo com a decisão proferida sobre a reclamação ou, não havendo reclamação, pelo decurso do prazo estabelecido para o efeito, após o que não pode ser anulado, sustado ou declarado sem efeito, prosseguindo os seus trâmites até remessa a juízo, devendo o Tribunal informar a IGT do teor da sentença que tenha sido proferida no julgamento do auto de notícia. Ademais, esta tramitação do auto de notícia efectivamente não ocorre, isto é a Sala do Trabalho do Tribunal competente não recebe autos de notícia enviados pela IGT.

A reclamação deverá conter alegações e fundamentação, podendo o infractor requerer a anulação ou revisão do auto de notícia em sede do qual lhe foi aplicada uma multa247.

Da decisão proferida pelo Delegado Provincial do Trabalho, cabe recurso para a IGT248. Parecendo-nos pouco imparcial o facto da mesma autoridade que elaborou o auto de notícia ir decidir sobre o recurso apresentado pelo infractor da reclamação que interpôs para o Delegado Provincial do Trabalho sobre esse mesmo auto de notícia. Ou seja, ao arguido apenas é dado o direito de, não se conformando com a decisão de um órgão da Administração (Delegado Provincial do Trabalho), recorrer para outro hierarquicamente superior (IGT), o que configura um mero recurso hierárquico, sendo assim coarctado ao arguido o direito de recorrer para outra instância imparcial e independente, como os Tribunais, em violação do principio constitucional do acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva249.

245Artigo 23.º, n.º 1 do RIGT, tratando-se neste caso de um recurso específico e não hierárquico.

246De acordo com a tabela anexa ao Decreto Presidencial n.º 126/14, de 9 de Junho, o valor da remuneração

mínima mensal estabelecida para a Função Pública é de 21.624,05 Kz..

247Artigo 23.º, n.º 1 do RIGT.

248Artigo 23.º, n.º 2 do RIGT, neste caso trata-se de um recurso hierárquico. 249Artigo 29.º da CRA.

Com efeito, o que acontece na realidade, e que nos propomos solucionar, é um efeito

boomerang, uma vez que da decisão da entidade que aplica a multa, reclama-se para outra

entidade, e caso não se concorde com a decisão desta segunda, volta-se a recorrer para a primeira, pondo em crise a imparcialidade de apreciação do recurso pedra angular de um sistema judicial que se quer justo e equitativo.

A reclamação tem efeito suspensivo da multa, devendo ser decidida no prazo de 15 dias após o recebimento. O decurso deste prazo sem que mereça qualquer despacho, equivale à presunção de indeferimento do pedido250.

Por sua vez, o provimento da reclamação, que deverá ser notificado ao infractor e ao serviço autuante, poderá ter um dos seguintes despachos: a desconfirmação plena do auto de notícia ou somente a sua revisão no que concerne ou valor da multa aplicada, sendo o auto de notícia no primeiro caso arquivado e no segundo alterado251.

Em suma, analisada a questão nestes termos atrevemo-nos a afirmar que o arguido poderia apresentar recurso contencioso da decisão da decisão da IGT que confirmou a decisão do Delegado Provincial do Trabalho que negou provimento à reclamação apresentada pelo arguido, não obstante na prática não é o que sucede, daí com neste estudo apresentarmos humildes sugestões para colmatar estes vazios e incongruências existentes no ordenamento jurídico angolano vigente.

9.4. Graduação das multas

De acordo com o consagrado no artigo 20.º do RIGT, as multas de montante fixo serão indicadas no auto de notícia pelo inspector autuante. Já quando a multa em causa for de quantitativo variável, a graduação será efectuada pelo funcionário competente para confirmar o auto de notícia, ou seja pelo Inspector-Geral do Trabalho ou por quem tenha competência delegada para o efeito.

250Artigo 23.º, n.º 3 do RIGT. 251Artigo 23.º, n.ºs. 4 e 5 do RIGT.