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1. Introdução à NRF

1.4. NRF em doenças medulares

1.4.1. Protocolo de NRF para doentes paraparésicos/paraplégicos com sensibilidade à dor profunda

Para o desenvolvimento de um protocolo de NRF, é necessário haver um diagnóstico, e posteriormente, após a realização do exame de reabilitação, que compreende o exame neurológico e o exame ortopédico, estabelecer uma lista de sinais clínicos e problemas, assim como um registo correto da história clinica do animal, uma vez que muitos animais possuem doenças concomitantes como doenças ortopédicas, obesidade, endocrinopatias e doenças cardíacas (Sims, Waldron, & Marcellin-Little, 2015).

Como já referido anteriormente, a NRF baseia-se na estimulação de centros neurais, de feixes neurais sensoriais e motores, e de recetores sensoriais, de modo a estimular as propriedades da medula espinhal. Por sua vez, essa estimulação é feita através de modalidades e métodos terapêuticos como a estimulação elétrica funcional (EEF), o laser, o TL e exercícios variados de cinesioterapia, em conjunto com uma abordagem farmacológica e terapia celular, de modo a estimular o potencial máximo do sistema nervoso e atingir a funcionalidade do animal (Edgerton, Kim, Ichiyama, Gerasimenko, & Roy, 2006; Ruff, McKerracher, & Selzer, 2008). Para além das modalidades e métodos terapêuticos, o protocolo de NRF deve contemplar um plano de cuidados de enfermagem que inclui o maneio urinário, o posicionamento e o maneio da pele, de modo a proteger o doente de complicações secundárias aos défices neurológicos e à imobilização (Sims, Waldron, & Marcellin-Little, 2015).

Perante um doente neurológico, é necessário saber quando existe indicação para uma abordagem cirúrgica ou para uma abordagem conservativa, porque perante as duas situações, o plano de NRF vai ser distinto em alguns aspetos. Assim, independentemente da doença

28 neurológica, sempre que o doente, apesar dos défices sensoriais e motores, apresente uma locomoção classificada como ambulatória, pode ser referenciado para o maneio conservativo de NRF (Sims, Waldron, & Marcellin-Little, 2015).

Por sua vez, a abordagem de maneio pós-cirúrgico de doenças medulares em NRF concentra- se no maneio da dor e nos cuidados de suporte pós-cirúrgicos, de modo a tornar possível uma transição rápida para os exercícios terapêuticos de NRF (Sims, Waldron, & Marcellin-Little, 2015). Um dos aspetos a ter em conta nestes doentes é a sutura dérmica, na qual se pode aplicar modalidades terapêuticas que promovem a estimulação da epitelização, tais como o laser, que para além disso, tem efeitos benéficos diretos sobre as células neurais, estando provado que estimula a sua regeneração (Hashmi, et al., 2010). Por outro lado, a crioterapia é outra modalidade terapêutica muitas vezes aplicada na fase pós-cirúrgica de modo a reduzir o fluxo sanguíneo, a inflamação, o edema e a dor (Millis & Ciuperca, 2015).

Durante a primeira semana de NRF, ainda na fase de lesão medular aguda, o primeiro exercício a ser prescrito é o repouso com contenção de movimento, onde deve ser integrado, simultaneamente, o maneio terapêutico da hiperestesia espinhal, tendo como modalidade terapêutica de eleição a EEF, mais propriamente a modalidade de Estimulação Elétrica Transcutânea (EET) que pode ser aplicada a uma frequência alta com duração do pulso baixa, ou a uma frequência baixa com duração do pulso alta, permitindo o alívio da dor através de dois mecanismos diferentes. Por sua vez, os dois métodos podem ser usados em conjunto, utilizando 2 canais, cada um com 2 elétrodos, tomando o nome de terapia Interferencial (Millis & Levine, 2014). Para além disso, a modalidade EET tem como outros benefícios a redução do edema, o aumento da perfusão sanguínea e o aceleramento do processo de regeneração dos tecidos (Gater, Dolbow, Tsui, & Gorgey, 2011). Como alternativa, é possível a realização de protocolos de laserterapia ao longo da coluna vertebral, de modo a estimular a libertação de endorfinas, a condução nervosa e a regeneração neural (Hashmi, et al., 2010; Pryor, 2015).

Para além do laser, outras modalidades terapêuticas podem ser integradas num protocolo de NRF, como os US. A aplicação de US é extremamente útil em doentes neurológicos pelos seus efeitos térmicos e biológicos. Os efeitos térmicos são especialmente benéficos ao promover o aumento da extensibilidade dos tecidos e no maneio da dor, enquanto os efeitos biológicos têm um efeito benéfico ao promover a regeneração dos tecidos (Millis & Ciuperca, 2015). Esses efeitos proporcionam o alívio da dor miotática, sendo úteis em conjunto com exercícios de alongamentos para preservar ou restaurar a flexibilidade das articulações e prevenir contraturas

29 e fibrose do músculo-esquelético secundárias à imobilização (Sims, Waldron, & Marcellin- Little, 2015; Hanks, Levine, & Bockstahler, 2015).

A EEF tem sido usada em NRF com diversos propósitos, aumentar a contração muscular, reeducar as fibras nervosas musculares, aumentar a amplitude de movimento articular (AMA), modular a dor neurogénica, acelerar a regeneração dos tecidos e reduzir a formação de edema (Millis & Ciuperca, 2015). A estimulação elétrica tem duas aplicações principais para o doente neurológico, a EET já descrita anteriormente e a estimulação elétrica neuromuscular (EENM) que envolve um impulso elétrico através do músculo para estimular a sua contração quando a função motora voluntária está ausente ou fraca. Embora a EENM não seja capaz de recrutar fibras musculares na mesma sequência nem no mesmo grau que o movimento voluntário, pode ser usado para preservar a integridade das fibras musculares e prevenir a atrofia muscular secundária ao desuso (Gerasimenko, Roy, & Edgerton, 2008), podendo também ser usado no caso de desenervação (Navarro, Vivó, & Valero-Cabré, 2007; Jarvis, 2008; Hamid & Hayek, 2008).

Associado a estes protocolos de analgesia e modalidades terapêuticas, está indicado a realização de exercícios de cinesioterapia passivos que aumentam a AMA, melhoram a capacidade de o animal manter estação ativa e o movimento, aumentando a massa e força musculares (Drum, Marcellin-Little, & Davis, 2015). Dentro dos exercícios de cinesioterapia passivos, os exercícios de amplitude de movimento articular passiva (AMAP) são frequentemente combinados com exercícios de alongamentos dos tecidos conjuntivos periarticulares e do músculo-esquelético, tendo como principal benefício a prevenção de fibrose articular, a estimulação da circulação sistémica e a estimulação das vias sensoriais propriocetivas articulares (Marcellin-Little & Levine, 2015). A massagem é outro exercício terapêutico com múltiplos benefícios que incluem o alívio da dor miotática e o aumento da circulação sanguínea e da drenagem linfática, o que permite o aumento da oxigenação dos tecidos e a diminuição do edema, sendo muito utilizada em doentes com sinais clínicos de espasticidade e rigidez muscular. Além disso, a massagem permite uma estimulação sensorial adicional que pode estimular a regeneração nervosa dos tecidos afetados (Sims, Waldron, & Marcellin-Little, 2015; Marcellin-Little & Levine, 2015).

Assim que o doente possui tónus suficiente para a realização de exercícios de cinesioterapia ativos assistidos, devem ser incorporados exercícios de estação ativa assistida com apoio gradualmente decrescente e dificuldade crescente, tendo atenção ao correto posicionamento dos

30 membros e respeitando a distribuição do centro de gravidade, uma vez que 60% do peso é colocado a nível dos MT, e cerca de 40% é colocado sobre os MP, mantendo sempre o alinhamento da coluna vertebral. Por sua vez, o programa de exercícios terapêuticos pode ser ajustado, aumentando gradualmente a dificuldade do exercício com pranchas de desequilíbrio, trampolins e almofadas texturizadas (Drum, Marcellin-Little, & Davis, 2015). Caso haja o risco de agravamento da lesão medular devido ao comportamento do doente aquando a realização dos exercícios terapêuticos, deve ser colocado uma fixação externa para proporcionar uma maior estabilidade da coluna vertebral (Sims, Waldron, & Marcellin-Little, 2015).

Com base em vários estudos, foi provado que o TL intensivo, nas duas primeiras semanas após a lesão medular, acelera a recuperação da função motora e o retorno à funcionalidade (Sims, Waldron, & Marcellin-Little, 2015; Takao, et al., 2015). Então, durante o mesmo período de tempo, deve haver a introdução do TL no TR com ajuda de um técnico ou mais do que um, promovendo um TL quadrupede (TLQ). Por vezes, este objetivo não é conseguido pelo comportamento do doente que realiza travagem no TR com os MT, o que pode provocar uma oscilação da coluna vertebral. Nestes casos, pode ser introduzido o TL bípede (TLB) que promove a neuroplasticidade de todos os neurónios motores e interneurónios que se encontram presentes nas intumescências pélvicas, ao mesmo tempo que permite respeitar a estabilidade da coluna vertebral (Martins Â. , 2015b).

O TLB é efetuado pelo movimento de bicicleta dos MP, que deve ser amplo e com algum estiramento do fuso muscular dos músculos extensores, de modo a estimular as fibras nervosas aferentes Ia e as fibras nervosas eferentes (NMIα e NMIy), promovendo assim a co-contração muscular. Do mesmo modo, o movimento dos dígitos no tapete rolante deve ser realizado com alguma pressão e deslizamento do tecido cutâneo, com o objetivo de promover a estimulação dos recetores sensoriais como os corpúsculos de Meissner, Merkel, Pacini e Ruffini, tornando este tipo de treino num treino neuromuscular e propriocetivo. O TLB pode ser realizado durante as duas primeiras semanas, mas frequentemente deve-se estimular o animal a realizar o TLQ por permitir a estimulação adicional da coordenação, do equilíbrio e de todos os feixes medulares motores descendentes (Martins Â. , 2015a; Martins Â. , 2015b).

No fim do programa NRF, deve-se iniciar a intensificação do TL com iniciação ao treino de resistência no TR e no TRA. Por sua vez, a hidroterapia proporciona a realização de movimento numa fase mais precoce que o TR, o que se deve a vários benefícios da água, dentro deles a flutuabilidade que minimiza a carga de peso exercida nos membros; a resistência da água que

31 maximiza o efeito da contração muscular, permitindo maior fortalecimento muscular com menos atividade; a viscosidade que também retarda o movimento, permitindo maior tempo de reação para o posicionamento adequado dos membros; e apressão hidrostática e a temperatura que ajudam a reduzir o edema e a promover a drenagem linfática (Sims, Waldron, & Marcellin- Little, 2015). Para além disso, foi demonstrado o benefício da hidroterapia em doenças cardiovasculares e respiratórias (Millis & Ciuperca, 2015). Comparando o TRA, no caso de doentes neurológicos, esta proporciona um movimento mais controlado do que a natação, colocando menos forças de tensão sobre a coluna vertebral (Sims, Waldron, & Marcellin-Little, 2015).

Após este período de NRF, torna-se necessário promover a memorização medular, ao prolongar os exercícios ou intensificar a sua velocidade de modo a obter 600 a 1000 repetições de cada exercício prescrito por dia (Carr, Millis, & Weng, 2013). Para além disso, os exercícios para reforço muscular, equilíbrio e proprioceção assumem um papel importante nesta fase, tais como caminhar em superfícies texturizadas, subir e descer escadas, subir e descer rampas, exercícios de obstáculos, exercícios de carrinho-de-mão, dançar, e ainda os clássicos exercícios em S ou 8 (Drum, Marcellin-Little, & Davis, 2015). Após esta fase, os doentes terão alta médica com prescrição de exercícios para casa, como nadar e caminhar durante 90 minutos, de modo a estimular o sistema nervoso e a manter a motricidade dos doentes (Sims, Waldron, & Marcellin- Little, 2015).

Muitos doentes em NRF são doentes geriátricos, e por isso devem ser sempre monitorizados quanto aos parâmetros vitais, tais como a frequência cardíaca (FC), a frequência respiratória (FR), o tempo de repleção capilar (TRC), a cor das membranas mucosas (MM) e a pressão arterial média (PAM), sendo também de referir que todos estes doentes devem ter um balanço de aporte calórico e hídrico positivo, e por isso deve-se ter em conta a quantidade proteica e de hidratos de carbono presentes na sua alimentação (Millis & Ciuperca, 2015).

Em situações de doença neurológica crónica, é exigido um tratamento diferente do descrito, com uma abordagem menos focada na intensificação do treino, mas sim num treino de baixo impacto e mais frequente para a preservação da função neuromuscular e musculoesquelética, para além do tratamento prolongado da dor em alguns desses mesmos doentes (Sims, Waldron, & Marcellin-Little, 2015).

32 1.4.2. Protocolo de NRF para doentes paraplégicos sem sensibilidade à dor

profunda

Nestes doentes é muito importante a avaliação da sensibilidade à dor profunda como fator de prognóstico e monitorização. Sabe-se que a sensibilidade à dor profunda pode surgir após 4 semanas da lesão medular, mas com a NRF e a aplicação dos protocolos atrás descritos, poder- se-á afirmar que se deve esperar até 6 semanas após a lesão medular (Hamid & Hayek, 2008). Caso contrário, estes doentes tornam-se candidatos à locomoção fictícia, a qual é alcançada pelo movimento involuntário gerado pelos GPC, e que pelas suas propriedades permitem um movimento coordenado e rítmico entre o movimento de flexão e o movimento de extensão do andamento. Assim, o protocolo de NRF destes doentes tem como finalidade estimular a neuroplasticidade e neuromodulação dos GPC (Gerasimenko, Roy, & Edgerton, 2008), que é realizada pela introdução precoce do TL no TRA, assim que os parâmetros vitais do doente estejam dentro da normalidade, tendo sempre cuidado para evitar a contaminação da sutura dérmica (Dietz & Harkema, 2004; Millis & Levine, 2014).

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