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3. POLÍTICA DE INOVAÇÃO TECNOLÓGICA COMO POLÍTICA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO

3.6. NSI e PCTI em Países Atrasados: Conclusões Parciais

A concepção original de NSI – tributária de List, tanto segundo Freeman quanto segundo Lundvall – focava, paradoxalmente, o catching up tecnológico de um país relativamente atrasado: o Japão. O mesmo não pode ser dito do estudo do economista alemão, o qual trata do sistema nacional de economia política, ou seja, do sistema de economia política (disciplina acadêmica fundada por Smith) que tem na nação seu foco essencial.

Para List, o sistema nacional de economia política se opõe ao "sistema de economia cosmopolítica" – o qual tem por objeto a economia à escala mundial, desconsiderando, i, as imperfeições que o fato de a economia mundial ser constituída por economias nacionais acarreta, ii, que as economias nacionaisfuncionam segundo padrões e regras (não necessariamente no sentido de regras formais artificiais, ou seja, ―restrições‖) em desacordo com o que enuncia a

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economia política clássica. Em particular, acusando uma evidente coincidência com a TDE, um dos motivos para as economias nacionais não funcionarem conforme descreveram Smith e Ricardo é que as relações com outras economias, assimetricamente desenvolvidas, sobretudo industrialmente, afetam decisivamente seu curso. A especialização em atividades para as quais um país atrasado tem aparente vocação, por exemplo, impede que venha a alcançar o nível de desenvolvimento de um país avançado.

List vê menos oposição que sinergia entre atividades primárias e a manufatura. A especialização em produtos agrícolas, por exemplo, pode impedir o desenvolvimento das capacidades específicas inerentes à atividade fabril, mas, além disso, a própria agricultura se desenvolverá menos caso a manufatura não aflore.

Um terceiro ponto em que sua contribuição é decisiva – e que, atualmente, muito mais que os outros justifica que os autores neoschumpeterianos tenham sua obra em alta conta – está em destacar a estreiteza da percepção de forças produtivas mais ou menos explícita nas obras dos economistas. Na verdade, a capacidade humana é um fator fundamental no desenvolvimento das potencialidades das diferentes nações, contribuindo tanto para seu progresso cultural e intelectual quanto para o avanço da indústria. Essa capacidade tem de ser estimulada tanto na forma de educação formal como na de treinamentos mais práticos, que preparem mão de obra de adequada qualidade para as fábricas.

Finalmente, mas não de menor importância, a elaboração de List encontra-se, propositalmente, em um meio-termo entre a história, a geopolítica (expressão que ele não emprega, mas parece adequada para classificar parte de sua discussão) e a economia propriamente dita. Essa característica, possivelmente mal resolvida epistemologicamente, reforça sua proposta de uma economia política, ―nacional‖ e historicamente fundada (e não cosmopolítica e dedutivista, como a ricardiana), na qual o Estado perde grande parte de sua autonomia e de sua exogenia em relação ao que usualmente compreendemos como economia (o objeto, não a ciência), imbricando-se nos negócios privados, nos quais possui interesse qual um sócio.

Freeman, por sua vez, converteu o significado de sistema nacional de List – um sistema teórico, alternativo à irrealista ciência econômica de sua época – em um

objeto de estudo e, mais que isso, de proposta normativa especificamente neoschumpeteriana. Salvo melhor juízo, a intenção de Freeman é menos a de sugerir um arcabouço conceitual distinto das políticas para o catching up periférico, mas para o desenvolvimento econômico em geral (possivelmente da Inglaterra, em particular). Não lhe caberia a pecha de ―cosmopolítico‖, sem embargo:o sistema a que se refere é nacional pela própria natureza do Estado-nação, sem o qual não faria sentido.

Vale dizer, Freeman sugere um ―sistema‖ pelo bojo das políticas públicas que afirma que estiveram sob comando do Estado japonês, singularmente durante o período em que estava ultrapassando (forging ahead, na expressão de Abramovitz), em produtividade, capacidade tecnológica e renda, os países do Velho Mundo; além de, pela interlocução constante com os desafios e necessidades do setor produtivo privado daquele país, conformando uma estrutura interativa que, partindo do Estado, unia centros de pesquisa e de formação educacional em geral entre si e ambos àquele.

Ora, essa forma de perceber um sistema – distinta da que se analisou aqui, em nível mais abstrato, anteriormente e que é compatível com as ações públicas horizontais e ―corretoras‖ – é interessante e crucial para se discutir, a seguir, o caso brasileiro recente. Dois aspectos são notáveis.

Primeiro, o de que o Japão ser um caso único na história do capitalismo mundial de país que, estando gravemente atrasado em sua industrialização, com renda per capita pouco maior de ¼ da dos Estados Unidos em 1900, logrou fechar o gap tecnológico antes do final do século XX, eventualmente superando países muito mais adiantados, como França e Inglaterra. Ora, como se sabe, o pilar essencial da formulação schumpeteriana sobre o catching up econômico, em que pese sua conhecida superficialidade ao tratar do problema do atraso industrial, é que esse depende fundamentalmente da aprendizagem tecnológica. O que Freeman diz é que ao fim e ao cabo a diferença com relação a esse aspecto explica-se, no caso japonês, pela maior abrangência, e possivelmente pela maior efetividade e grau de intervenção discricionária do Estado (na medida em que avoca a si o papel de

intermediário essencial do NSI, e, de fato, elemento decisivo para que caiba falar de ―sistema‖), comparativamente ao ativismo existente em outros países.

Segundo, a complementariedade e similaridade com a investigação seminal de Chalmers Johnson quanto aos motivos do avanço japonês na ordem econômica internacional. Para Johnson, a dicotomia Estado regulador versus Estado desenvolvimentista é especialmente esclarecedora das raízes desse fenômeno, sobretudo dos anos 1950 em diante; os demais aspectos – situação geográfica, política externa e interna, aspectos culturais e psicossociais – sendo relevantes mais como causas intermediárias, que ajudam a compreender a prevalência desse último tipo naquele país.

Um Estado desenvolvimentista caracteriza-se pelo elevado grau de intervenção, mas, mais que isso, por possuir capacidade, dada uma certa legitimidade política inicial, entre outras características que lhe fornecem instrumentos mínimos para uma ação efetiva67 de atuar de forma proativa e pragmática. Sem a primeira característica, tornar-se-ia refém dos grupos já poderosos existentes e, portanto, do status quo que reflete e ao mesmo tempo contribui para perpetuar o atraso relativo; sem a segunda, corre o risco de criar expectativas e metas impossíveis de serem atingidas pelo setor produtivo que terá de competir em condições desvantajosas, sob diversos aspectos, com firmas de países mais ricos e tecnologicamente poderosos.

Estados regulatórios não têm nada de intrinsecamente ruins. Na verdade, são adequados para países cujas empresas dispõem de elevado acúmulo de capacidade tecnológica, são capazes de absorver e operar com mão de obra extremamente qualificada e possuem estabilidade econômica consolidada, bem como condições de financiamento coerentes com essa estabilidade. Nessa situação, o Estado pode ser passivo, seja porque o jogo político é equilibrado, seja porque não há desvantagem profunda na relação com outros países que imponha a necessidade de considerações de ordem estratégica em assuntos econômicos ordinários. Isso não significa que sua atuação perderá de vista o jogo das nações – já que, como se sabe, inovações estão, em maior ou menor grau, a todo momento alterando a

posição internacional dos países –, mas que cotidiana e normalmente se aterá às funções constitucionais e se pautará, salvo em situações excepcionais, exaustivamente por ouvir as demandas da sociedade da forma mais perfeita possível, agindo apenas marginal e ―corretivamente‖.

Assim, sistemas nacionais de inovação regulatórios fazem sentido em países cuja estrutura produtiva é já avançada. Neles a atuação do Estado pode ser – e provavelmente será mais efetiva e trará melhores resultados – bastante reativa em questões econômicas e tecnológicas, eventualmente arbitrando medidas defensivas de política comercial em um caso ou abrindo o mercado a pressões competitivas externas e outro, de forma a incentivar empresas dotadas de elevado nível de recursos para adotarem um ou outro curso. Medidas pelo lado da oferta relativamente às empresas tendem a cumprir adequadamente seu papel de corrigir imperfeições de mercado, como a disponibilidade inadequada de conhecimento científico, vis-à-vis um sistema produtivo no qual parte significativa compete com base em diferenciação, em qualidade e inovação.

NSIs desse tipo ou não funcionam ou podem ser reacionários em países cujas empresas, com raras exceções, encontram-se a meio caminho na construção de capacidades tecnológicas decisivas em seus setores.Aprimoramentos institucionais semelhantes aos vigentes nos países já desenvolvidos não são inócuos apenas quando há empresas que detêm capacidade competitiva internacional relevante, e mesmo assim se essas estiverem situadas em setores em que algum grau de intensidade científica seja fator importante para a competitividade. Posturas mais passivas, distintas das praticadas pelos países desenvolvidos, mas que são coerentes com percepções de NSI e de política de inovação que não levem em conta o atraso, colocariam as necessidades das empresas realmente existentes no centro das atenções. Como resultado, acabariam se convertendo em políticas industriais reativas, na medida em que essas empresas são tomadoras de inovações de outrem, as quais apenas adaptam, e que só fazem sentido sob elevado grau de proteção68.

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É de extrema pertinência a percepção de KOELLER (2009, p. 34) realçando a relevância da limitação de políticas tecnológicas do tipo diffusion oriented destacada por Ergas (1986) em países industrialmente atrasados como o Brasil. Segundo esse autor, um dos

A construção de um NSI em um país como o Brasil teria certamente muito a ganhar em aproveitar as lições do catching up japonês, no qual a política industrial, além do que o Brasil praticou até o final dos anos 1970, foi combinada conscientemente com uma série de outras medidas que pressionavam e ao mesmo tempo proviam os meios para as empresas acelerarem seus processos de aquisição de competênicas cognitivas para além do learning by doing e by using em direção ade capacitações tecnológicas mais complexas. Porém, ganharia pouco ou nada com medidas que partem de uma estrutura industrial ainda fundamentalmente atrasada, especialmente frágil nos setores nos quais a capacidade científica pode realmente cumprir um papel de acelerador da aprendizagem tecnológica, em que pese a inevitável desvantagem no acúmulo de conhecimento tácito e habilidades informais comparativamente às suas líderes mundiais em seus mercados.

Embora as bases para criar esse sistema tenham de resultar de decisões tomadas há muito mais tempo, a investigação da recente política de CT&I, mais nítida há não mais de dez anos, deve ajudar a ilustrar esse problema e a evidenciar o caráter eminentemente distinto que políticas para o aumento da capacidade tecnológica tem de adotar para o país voltar a ser senhor de seu processo de desenvolvimento econômico.

deméritos de tais políticas é que elas reforçam problemas de lock-in, o que tende a ser particularmente danoso em estruturas produtivas cujas firmas são fundamentalmente "tomadoras" de tecnologia. Vale dizer, políticas tecnológicas predominantemente passivas não apenas são incapazes de romper os mecanismos inerciais típicos do atraso econômico como podem reforçá-los. Debalde realçar que, do ponto de vista explicitado no presente estudo, não seguiria daí que políticas do tipo mission oriented seriam

4.

AS POLÍTICAS DE C&T BRASILEIRAS DAS PRIMEIRAS INICIATIVAS À