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3. POLÍTICA DE INOVAÇÃO TECNOLÓGICA COMO POLÍTICA DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO

3.5. Estado e Não Estado nos Sistemas de Inovação

3.5.1. Políticas de inovação e NS

Paradoxalmente há, salvo melhor julgamento, pouca elaboração específica, seja entre os autores schumpeterianos, seja entre a comunidade de especialistas em políticas de C&T, sobre o papel do Estado nos NSIs56. Esse relativo descaso acontece tanto no sentido dos determinantes da ação estatal, quanto no de explorar as consequências de diferentes linhas de ação. De forma geral, pode-se dizer que o papel do Estado nos NSIs é contemplado nas políticas de inovação ou nas políticas de C,T&I.

Políticas de inovação e políticas de C,T&I são coisas distintas, apesar de frequentemente tratadas da mesma forma. Embora não seja difícil representar suas inter-relações em um diagrama, como o da figura 3.2, a seguir, mas, na prática, delinear diretrizes específicas para as diversas medidas e atividades contínuas pertinentes a essas esferas de atuação não é muito fácil.

Figura 3.2 – Relações entre Políticas de C&T (PC&T) e Políticas de Inovação (Pinov)

A política de inovação corresponde às ações de promoção da concorrência, inclusive parte das políticas regulatórias, parte da política comercial e parte das ações relativas à propriedade intelectual, como uso de marcas e a repressão à pirataria. A política patentária não pode ser totalmente subsumida à política de inovação por ser antes uma política de invenção e, assim, de tecnologia. A política de C&T, por seu turno, é mais demarcável em relação à política de inovação. De forma geral, aquela compreende todas as ações voltadas para o avanço da fronteira do conhecimento de que a população dispõe – nisso se diferenciando claramente da

Pinov

PC&T

política educacional, que visa espraiar o conhecimento já atingido, embora na prática haja pontos importantes de sinergia entre medidas desses dois conjuntos.

A maioria das ações referentes à política de C&T possui relação apenas muito indireta com a inovação ―empresarial‖.Grande parte do que um país realiza para fazer avançar o conhecimento é investir em pesquisa, cujo resultado são descobertas. Embora grande parte das descobertas seja de alguma forma útil, ou possam sugerir conclusões úteis, grande parte dessas conclusões constituem bens com custo marginal próximo de zero (para cada ―bem‖ gerado, naturalmente), não exclusivos, de consumo não rival etc., ou seja, são bens públicos ou quase-públicos. Mesmo quando se afastam um pouco do bem público canônico, frequentemente não é trivial controlar o acesso aos benefícios que gera (por exemplo, quando se descobre que o consumo de determinado alimento reduz a incidência de alguma doença). Evidentemente, ainda que custosas, na medida em que não permitem circunscrever quase-rendas, as descobertas possuem baixo impacto sobre a capacidade inovativa de uma economia nacional qualquer, embora, às vezes possam estimular seu crescimento econômico.

Em geral, a criação de algo novo – a invenção – vem acompanhada de um aumento significativo na apropriabilidade de um esforço cognitivo. Sem embargo, nem a invenção garante qualquer inovação, nem o fomento a esta é tão eficaz quanto o fomento à descoberta e à pesquisa científica em geral.

É bem sabido que a invenção não garante inovação porque na verdade o fundamento desta é a atribuição de atratividade econômica a um bem qualquer. A invenção facilita esse processo porque costuma ser útil (se não o fosse, não faria jus, por exemplo, à concessão de patente) e, ao mesmo tempo, na medida em que é uma novidade (outro pressuposto de uma patente), sua cópia é custosa. Contudo, é menos observável que, tudo o mais constante, políticas deliberadas de estimulo à invenção – políticas tecnológicas em sentido estrito – tendem a reduzir seu potencial econômico como inovação, na medida em que reduzem sua escassez relativa e, assim, tendem a tornar outras formas de inovação e de diferenciação mais ―valiosas‖ economicamente. Sem dúvida, esse ponto reforça a percepção de Nelson de que o ativismo tecnológico do Estado encontra barreiras ―naturais‖ importantes quando se

trata de estimular o desenvolvimento econômico, ao menos de uma economia capitalista.

Por outro lado, é mais fácil fomentar a invenção do que a inovação, mas é ainda mais fácil fomentar a descoberta. O motivo disso é que a invenção, embora sujeita a estímulos administráveis diretamente pelo Estado, envolve tacitness. Assim, de forma geral é mais fácil e efetivo para o policy maker aumentar a "taxa de descobertas‖, a seguir a ―taxa de invenções‖, e, significativamente menos, a taxa de inovação.

Conforme visto, as medidas típicas de uma política de inovação em sentido estrito, entendida como uma forma de conduta empresarial, são difusas, indiretas e em boa medida são atinentes a outros campos de intervenção pública. A política comercial, por exemplo, está, via de regra, voltada para objetivos que não o incremento da taxa de inovação. Quase na mesma medida, pode-se dizer que o mesmo ocorre com a política de propriedade intelectual. Finalmente, a política antitruste também se enquadra nesse caso.

Não é raro, entretanto, que especialistas em políticas antitrustes advoguem tratá-la como uma ―política pró-competição‖, da qual se espera não apenas preços convergentes aos custos, mas também maior concorrência por qualidade e inovação.Mais além, parte dos economistas schumpeterianos defendempapel central da política antitruste como ―política de promoção da concorrência‖ 57,como ―política de competitividade‖ ou como ―política de competição‖ (competition policy).

Em que pese esse caso peculiar, frequentemente os objetivos de inovação são considerados secundários em relação aos objetivos específicos de cada uma dessas políticas particulares. É verdade que o fato de ―inovação‖ ter se transformado em um termo da moda, torna difícil separar o que é realmente perseguido pelos gestores e decisores dos órgãos que as executam. Mesmo que tenham o firme propósito de obter como resultado de suas ações um aumento na taxa de inovação,

57

Esse é o caso do professor Mário Possas e de seu ativo grupo de pesquisa na UFRJ. Não por coincidência, esse autor evoluiu para o schumpeterianismo a partir de uma crítica elaborada sobre maciça formulação teórico-conceitual aos modelos microeconômicos de concorrência não-rival, inclusive do chamado paradigma estrutura-conduta-desempenho.

Observe-se, ademais, que Rosenberg, apesar de advogar um maior reconhecimento da importância da invenção como indutora da inovação e de evidenciar, em seus textos históricos, a decisiva participação de medidas de política tecnológica na origem de

clusters de inovação nos Estados Unidos, reiteradamente sublinha que as políticas antitrustes tiveram papel significativo na

constituição do NSI desse país (embora não intencionalmente, ao que parece). Ver Rosenberg, 2001 e 1993; Mowery; Rosenberg, 2006.

há boas razões para que acabem por não fazê-lo: primeiro, porque sabem que se isso acontecer, os méritos dificilmente caberão a eles; segundo, porque mesmo não tendo muito presente os motivos, não demoram a perceber que os objetivos em termos de inovação empresarial são difíceis de atingir e, finalmente, porque não desconhecem que a consecução de tal objetivo também dependeria de outros órgãos, sob comandos distintos.Não é sem motivo que a explicação mais comum para a dificuldade de a taxa de inovação se mover no Brasil – tema do qual se ocupará com mais vagar nos capítulos 3 e 4 – e, salvo erro, em muitos outros países, é a ―falta de articulação entre os diversos órgãos responsáveis‖ e ―a falta de cultura empreendedora‖.

Na verdade, mesmo que fosse possível reunir todas essas políticas particulares em um Ministério da Inovação e relevando o possível colapso dos objetivos a que se dedicavam anteriormente, a inovação é uma decisão capitalista. Mesmo em presença de um empreendedorismo frenético, está sujeita aos critérios de prospecção de rentabilidade relativa de vários empregos possíveis do capital ou da capacidade financeira do capitalista, preferindo-se. Os autores schumpeterianos freqüentemente salientam que os empresários inovam menos do que deveriam porque estão sujeitos à incerteza ―ainda mais radical‖ no caso da inovação (que a do investimento reprodutivo ou a compra de tecnologia pronta). Isso é tão verdadeiro que chega a ser quase um truísmo, pois seguiria de uma definição teoricamente bem fundamentada de inovação empresarial. Mas o decisivo é que os empresários inovam menos do que os economistas gostariam (certamente, muito menos do que policy makers e burocratas gostariam), porque sabem que, dada sua capacidade tecnológica e a extrema distância da linguagem e da pauta de problemas típicas da ciência (ignorando a possibilidade de outros tipos de inovação), inovar amiúde é pior negócio do que ―apenas‖ investir ou adquirir resultados do esforço tecnológico de outrem.

Do ponto de vista do conjunto das ações de governo, isso reforça o estreitamento do que seria corretamente definido como política de inovação. Apenas a área de encontro entre o conjunto de ações que afetam a inovação empresarial (Pinov) e o conjunto de ações de promoção da ciência e da tecnologia (PC&T) é

realmente considerada como política de inovação. Mais que isso, os policy makers e os burocratas passam a preferir ver a política de inovação como um subconjunto da política de C&T. Na verdade, a política de inovação realmente existente apresenta-se como uma sorte de ―projeção‖ da política de C&T. A união da PC&T stricto sensu com sua projeção em direção às empresas é que define o extenso e heterogêneo conjunto de ações comumente chamada PCT&I.

Mas o que seriam, mais exatamente, essas ações de projeção da PC&T? Fundamentalmente, são medidas voltadas para a construção de ―elos‖ que facilitam a união entre a oferta de conhecimento ―novo‖ e a busca por sobrelucros que agrada aos empreendedores, ou seja, elos entre a universidade e os institutos de pesquisa, de um lado, e empresas, de outro, ainda quando esses pólos possam estar mediados por associações, fundações e outras organizações estatais ou paraestatais. Embora, existam diversos outros tipos de ação capazes, potencialmente, de afetar as decisões dos capitalistas de inovarem (e.g., estimulando a competição por via da diferenciação), conforme visto, vários motivos colaboram para que essas políticas possuam baixa efetividade. Ademais, são justamente as ações de inovação no âmbito da PCT&I as que delimitam o papel do Estado nos NSI.