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4. AS POLÍTICAS DE C&T BRASILEIRAS DAS PRIMEIRAS INICIATIVAS À BUSCA DA CONSTITUIÇÃO DE UM SISTEMA NACIONAL DE INOVAÇÃO

4.2. Etapas da Evolução das Ações de Promoção da C&T no Brasil

4.2.4. O terceiro momento

4.2.4.1. A Constituição e a Lógica Peculiar do Novo Modelo

É entre o final dos anos 1960 e meados dos 1970 que se concentra o mais sistemático esforço de o Brasil converter seu então nítido catching up industrial em catching up tecnológico. É difícil superestimar sua importância para o avanço da C&T nacional, e, menos direta e mais difusamente, para a capacidade tecnológica da indústria brasileira.

Embora eventos como a expansão do sistema Capes, definida em 1964, o projeto de lei de criação do MCT, em 1963, ou a fundação da Coppe, também em 1963, indiquem tanto o aumento da autonomia da iniciativa estatal de aceleração na construção de um sistema avançado de C&T como sua crescente identificação com a pesquisa e a pós-graduação acadêmicas; o terceiro momento da C&T brasileira é inaugurado apenas com a criação do FNDCT, em 196978, principal funding sobre o

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qual a Finep atuaria, demarcando o finalde sua constituição apenas com a criação do MCT, em 1985.

Mais que a extensão do seu período de constituição, contudo, é específica ao terceiro momento a profundidade da ruptura que representa, a qual pode sugerir, a partir de uma análise apressada, que o Brasil sai de um conjunto desarticulado, e quase casuístico na sua falta de objetivos, de medidas de apoio à C&T até os anos 1960 para um sistema de inovação, ou ao menos de aprendizagem tecnológica, completo e bem articulado no início dos anos 1980. Mais ainda: na medida em que a partir da desmontagem do II PND, a C&T deixa de ser prioridade, o fato de que esse conjunto mantém-se praticamente o mesmo (ainda que menos pujante financeiramente) evidencia um elevado grau de autonomia em relação às vicissitudes da política e das mudanças de governo.

Com efeito, é inequívoco que, de muito pouco, chega-se a um verdadeiro sistema de promoção de C&T em pouco mais de uma década. De fato, a construção institucional empreendida e parte significativa do rol de ações que dela emanaram foram conscientemente designadas como um sistema – o sistema nacional de desenvolvimento científico e tecnológico, SNDCT. Esse sistema, ademais, explicitamente visa unir produção a científica realizada em universidades e o avanço tecnológico empresarial, em particular nas empresas privadas de capital nacional.

Coerentemente, em sua origem, o conjunto de órgãos componentes do SNDCT caracterizava-se por uma extrema organicidade, a qual abarcava diversas outras instituições cuja função precípua não era de fomento ao avanço tecnológico mas, sem cuja contribuição a efetividade da ação dos órgãos centrais do SNDCT seria significativamente reduzida. Essa unidade estratégica era dada pelo papel de todo conjunto funcional para o desenvolvimento econômico, em particular para o aumento da autonomia tecnológica brasileira, sugerindo, uma vez mais, que se estava diante de nada menos que a formação de um NSI brasileiro.

O diagnóstico que servia de base a esse objetivo foi sendo processado pelo núcleo de planejamento do Estado, à medida que as fragilidades do parque produtivo e possíveis óbices ao desenvolvimento em geral iam sendo mais bem identificados e

delimitados79. Antes da criação do SNDCT, já no Programa Estratégico de Desenvolvimento (PED), ainda na gestão de Costa e Silva, em 1967)80, a associação entre desenvolvimento econômico e avanço científico-tecnológico aparece delimitada. Essa percepção ganha mais consistência e objetividade em pleno ―milagre brasileiro‖, no Plano Básico de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (PBDCT) do I PND, de 1973, o qual define que se dê:

[...] prioridade à articulação do sistema de ciência e tecnologia com o

setor produtivo, com a programação governamental e com as realidades da sociedade brasileira atual. A integração entre aquele sistema e as diferentes dimensões da sociedade em mudança permitirá a consequente e fecunda interação (BRASIL, 1972 apud Sales, 2002).

Mais adiante, é notável que a noção de NSI, ainda que em nível bastante intuitivo, apareça sugerida:

A interação indústria-pesquisa-universidade [será] impulsionada

mediante realização de programas conjuntos de pesquisa, em setores prioritários e, em grande dimensão, com participação de instituições governamentais de pesquisa, universidades e setor privado [...].

Mas é no II PBDCT, de 1976, que desenvolvimento industrial-empresarial e avanço tecnológico são articulados de forma a superar a visão linear da política de C&T, a qual não é mais compreendida como provisão de um bem público:

O Brasil está dando impulso ao desenvolvimento científico e tecnológico, em particular com um sistema de fundos e agentes especiais (FNDCT, FUNTEC, CNPq, FINEP, CAPES), que exercem, no setor, o papel que, por exemplo, o BNDE desempenha em relação às Indústrias Básicas.[...] [a] política de ciência e tecnologia não define autonomamente seus objetivos mas antes os deriva da própria estratégia nacional de desenvolvimento, as diretrizes e proposições contidas no plano científico e tecnológico para o período 1975/1979 resultam das necessidades de natureza científica e tecnológica decorrentes do projeto de

desenvolvimento contido no II Plano Nacional de Desenvolvimento —

PND, com vigência no mesmo quinquênio. Sob esse aspecto, ressalte-

79 A Embrapa foi criada em 1973 e o sistema de Emater regionais, em 1975 (embora a Emater de MG, por exemplo, tenha sua

origem em um órgão estadual muito mais antigo). Os NAIs, através dos quais as estatais eram amarradas à política de fomento tecnológico, em particular para o setor de bens de capital, são de 1976.

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se que as novas ênfases sublinhadas pelas diretrizes de política econômica contidas no II PND e os aperfeiçoamentos dos instrumentos e medidas mobilizados implicam em acentuar a importância do desenvolvimento científico e tecnológico para o cumprimento dos objetivos da estratégia nacional de desenvolvimento econômico e social.

(BRASIL, 1976 apud SALES, 2003 p. 186-188).

Em particular, manifesta a percepção de que o catching up produtivo depende do catching up tecnológico, ao mesmo tempo que extrapola a percepção de que a ciência é alavanca essencial para a necessária elevação da competitividade das empresas nacionais:

Caracterize-se, nesse sentido, a economia brasileira como tendo atingido um estágio avançado no processo de industrialização no qual se configurou um sistema econômico com participação de empresas públicas e de economia mista nas atividades produtivas e com a presença, não raro, do capital estrangeiro nos setores industriais mais

dinâmicos. Como contrapartida, assinalem-se as condições

desfavoráveis de competitividade em que se encontra, frequentemente, a empresa privada nacional. As peculiaridades apontadas têm consequências importantes do ponto de vista da formulação da política de ciência e tecnologia. Embora tal configuração seja o resultado da própria dinâmica do processo brasileiro de desenvolvimento, postula-se como um objetivo de política econômica contrapor-se à tendência

natural ao acentuamento dessas características, através do

fortalecimento da empresa nacional. Tais intenções se inserem no quadro das opções básicas da estratégia de desenvolvimento econômico proposta desde o I PND e contêm implicações significativas sobre a política científica e tecnológica (BRASIL, 1976 apud SALES,

2003, p. 189-190).

Com certeza, os planos que delimitam grande parte da política econômica ―de longo prazo‖ dos governos Costa e Silva até Geisel, não são de C&T e, apesar de colocarem o desenvolvimento econômico como o mais crucial dos objetivos a serem buscados, extravasam a economia em sentido estrito. Não obstante, e a despeito das diferenças de abrangência, de objetividade e de articulação entre os diversosdocumentos ilustrativos do novo momento no desenvolvimento da C&T brasileira, e mesmo de uma mudança de enfoque (por exemplo: enquanto no PED o aumento do domínio tecnológico viria naturalmente acompanhado de maior coerência entre as técnicas produtivas adotadas e as dotações de fatores de

produção existentes81, essa noção se dilui no I PBDCT, de 1973, e está ausente do II PBDCT, de 1976, apesar de este plano expressar um nível de importância relativa da C&T no conjunto da política econômica que, salvo erro, jamais voltou a acontecer), a importância da C&T para o desenvolvimento econômico do Brasil é uma questão que une o PED e os dois PNDs. Mais ainda: a importância da C&T é crescente e mais bem articulada com o aspecto produtivo e empresarial do desenvolvimento.

Ao longo dos três planos, vai-se caminhado de uma noção de promoção da C&T como desejável para o desenvolvimento em geral e para o aumento da autonomia nacional, para a de que seu papel fundamental é econômico e, coetaneamente, de uma relação mais difusa entre C&T e economia, para uma clara vinculação entre aquela e o aumento da capacidade tecnológica das empresas instaladas no Brasil, em particular das empresas privadas de capital nacional (tidas como especialmente frágeis no conjunto do ―tripé‖, ao mesmo tempo que especialmente relevantes para o desenvolvimento econômico). Ao fim e ao cabo, do PED ao II PBDCT, torna-se nítida a percepção de que é preciso avançar no domínio tecnológico de forma a permitir que a industrialização alcance estágios mais sofisticados82.

Embora as informações para o período sejam precárias e assistemáticas, ao que tudo indica, os anos 1970 correspondem ao único período em que o Brasil efetivamente logrou um aumento sensível do gasto em P&D, o qual era próximo de 0,2% do PIB no início da década e alcança algo como 0,7% no final83. É evidente que grande parte desse aumento foi realizada diretamente pelo governo ou foi induzida pelo uso dos instrumentos criados no âmbito do SNDCT.

A evolução da concessão de crédito subsidiado no período mostra que as ações de política de C&T foram decisivas para que tais resultados tenham sido

81 ERBER et alii, 1985; SEPLAN, 1967. 82 Veloso, 2007 e SEPLAN, 1976. 83

Esse é o número com que SUZIGAN, 1998 e MOTOYAMA, 2004 trabalham. As informações contidas no projeto do II PBDCT confirmam que se buscava dobrar o gasto em cruzeiros nominais, induzindo à conclusão de que não houve falta de prioridade na realização do plano. Também as informações compiladas por ALMEIDA, 2009 vão nessa direção. No capitulo seguinte, comentamos a evolução do gasto brasileiro total de P&D, baseados na pesquisa de ERBER et alii, 1985 e de DAHLMANN; FRISCHTAK. De forma geral, esse alcança 0,7% do PIB na segunda metade dos anos 70, com participação estatal de aproximadamente 70%, embora estes últimos autores sugiram um aumento nessa proporção para até 90% entre o final dos anos 70 e início dos anos 80. Nos anos 90 essa participação situa-se próxima de 1%, com o gasto público perfazendo pouco mais de 60%.

alcançados. A tabela 4.1, a seguir, evidencia a aceleração dos dispêndios no SBDCT, sobretudo na segunda metade dos anos 1970.

Tabela 4.1 – Evolução dos gastos do subsistema Finep-FNDCT nos anos 1970, em R$ de 200684

Fonte: Elaboração própria sobre dados disponíveis em: Melo 2009; Santos; Ribeiro; Gobetti 2008;Ferrari 2002; Motoyama 2004; Varsano et alii 1998; Ipeada; IBGE; STN; Banco Central;MCT (Livro verde da ciência, tecnologia e inovação); MCT; SRF (Relatórios anuais da carga tributária, vários anos); MCT (Relatórios anuais da utilização dos incentivos da lei 11.196/05, vários anos); CNPq (Relatório de Gestão Institucional do CNPq, vários anos); FINEP (Relatório de gestão,vários anos)

.

As evidências são eloquentes. O terceiro momento na formação do sistema federal de C&T inicia-se com uma ruptura liderada pela iniciativa estatal em relação à evolução anterior, letárgica até, pelo menos os anos 1950, coerente com um esforço tecnológico total na faixa de 0,2 a 0,3% do PIB. Ainda nos marcos do PED, há uma

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As tabelas 4.1, 4.6, 4.7, 4.9, 4.11, 4.12, 4.13, 4.14, 4.15 e 4.16 são todas excertos de uma única tabela em que foram consolidadas informações sobre os principais dispêndios federais em política de CT&I entre 1969 e 2009, tomando por base as fontes referidas ao pé de cada uma dessas tabelas (apesar de cada tabela individualmente não empregar diretamente todas fontes), em comparação com variáveis macroecon. Os dados sempre foram corrigidos pelo IPCA para o ano que se julgou pertinente. Há algumas quebras metodológicas (por exemplo, quanto à demarcação entre o MEC e oMCT sobre quais rubricas deveriam ser consideradas como parte da PC&T, no final dos anos 90), as quais, quando conhecidas, foram explicitadas. Os dados para alguns anos foram projetados com base na taxa média de variação entre um ano anterior e outro posterior, quando

A C N A U S C A D T E N T O T A L 1 9 6 9 – 3 4 , 3 3 4 , 3 0 , 0 0 6 8 0 , 0 0 6 8 1 9 7 0 1 5 4 , 3 1 4 , 7 1 4 , 7 1 6 9 0 , 0 0 2 7 0 , 0 3 0 5 1 9 7 1 2 5 7 , 7 3 8 , 7 3 8 , 7 2 9 6 , 4 0 , 0 0 6 3 0 , 0 4 8 0 1 9 7 2 4 5 3 , 9 4 7 , 7 4 7 , 7 5 0 1 , 6 0 , 0 0 6 9 0 , 0 7 2 6 1 9 7 3 5 9 9 , 7 5 , 9 2 2 2 , 3 0 , 8 2 2 9 8 2 8 , 8 0 , 0 2 9 1 0 , 1 0 5 3 1 9 7 4 9 0 9 , 6 4 4 , 9 2 8 1 1 3 3 3 8 , 9 1 . 2 4 8 , 6 0 0 , 0 3 9 8 0 , 1 4 6 7 1 9 7 5 1 . 0 7 4 , 7 0 9 2 , 6 4 6 4 , 6 4 2 , 9 6 0 0 , 1 1 . 6 7 4 , 8 0 0 , 0 6 7 0 0 , 1 8 7 1 1 9 7 6 1 . 1 0 4 , 2 0 3 8 , 4 6 3 4 , 7 2 2 5 , 8 8 9 9 2 . 0 0 3 , 2 0 0 , 0 9 1 1 0 , 2 0 2 9 1 9 7 7 1 . 0 3 9 , 8 0 4 0 2 3 9 , 1 2 4 3 , 1 5 2 2 , 2 1 . 5 6 2 , 0 0 0 , 0 5 0 4 0 , 1 5 0 8 1 9 7 8 1 . 4 5 2 , 5 0 2 2 , 2 3 9 8 , 9 2 6 9 , 6 6 9 0 , 7 2 . 1 4 3 , 1 0 0 , 0 6 3 5 0 , 1 9 7 1 1 9 7 9 1 . 1 5 8 , 4 0 1 9 , 3 3 0 6 , 3 2 3 9 , 1 5 6 4 , 7 1 . 7 2 3 , 1 0 0 , 0 4 8 6 0 , 1 4 8 4 1 9 8 0 1 . 0 2 7 , 8 0 2 8 8 , 4 1 . 3 1 6 , 3 0 0 , 0 2 2 7 0 , 1 0 3 8 1 9 8 1 7 2 1 , 3 2 7 0 , 8 9 9 2 , 2 0 , 0 2 2 3 0 , 0 8 1 7 1 9 8 2 6 8 0 , 5 2 7 7 , 6 9 5 8 , 1 0 , 0 2 2 7 0 , 0 7 8 3 % F I N E P / P I B % ( F I N E P + F N D C T ) / P I B A n o F N D C T F I N E P F I N E P + F N D C T

notável expansão dos desembolsos do FNDCT, os quais crescem quase 50% em termos reais ao ano (até 1974). Daí em diante, esse ritmo desacelera-se um pouco, mas sob um contexto diverso: parte significativa do aumento dos recursos acontece por via de desembolsos da Finep em sentido estrito, isto é, como agente de financiamentos voltados para empresas, públicas e não públicas. Em 1976, mais de R$ 2 bilhões (valores de 2006) são destinados ao fomento à C&T apenas por esses canais, dos quais, 899 milhões (pelo menos, já que parte dos recursos do FNDCT poderiam estar destinados a projetos com empresas ou ao menos do interesse de empresas ainda que executados fundamentalmente em universidades85) possuem elevado impacto sobre a capacitação tecnológico-científica empresarial, correspondendo às operações ADTEN e a gastos com os respectivos projetos.

Como proporção do PIB, ao longo do PED o total de dispêndios atinge 0,05%, dos quais pouco mais de 1/10 são devidos à ação da Finep em sentido estrito. Esse percentual atinge 0,18% ainda na vigência do I PBDCT, ao mesmo tempo que a participação da Finep, com destaque para as operações ADTEN, perfaz mais de 1/3 desse total. Durante o II PBDCT, esse patamar se mantém por 4 anos, até 1979, e chega a alcançar 0,2% do PIB em dois anos – proporção que corresponde a mais que o dobro do realizado em 2008, ano considerado excepcional no período recente86.

4.2.4.1.1. Nem modelo linear de PC&T nem NSI

Não é fácil conceituar esse conjunto de ações de governo. Há diversos elementos de uma política de C&T presentes, mas o grau de destaque dado à indução da demanda dos capitalistas por esforço tecnológico sugere que uma percepção mais integrada de política de C&T e de política industrial informou a concepção dos planos. Pergunta-se: teria um país periférico ―inventado‖ um sistema nacional de inovação antes de o mesmo ser assim denominado pela vanguarda do

85 Ferrari (2002) narra especificamente o caso da Biobrás, criada praticamente por indução da Finep a partir de um projeto de

ampliação dos laboratórios de química da UFMG.

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Embora se deva esperar que os gastos do FNDCT em sentido estrito, agora destinados aos fundos setoriais, alcancem ainda mais as empresas ou tenham propósitos tecnológicos. No capítulo seguinte se verá até que ponto isso de fato acontece.

schumpeterianismo no final dos anos 1980, tendo por inspiração os capitalismos avançados do Japão e, em menor medida, da Escandinávia?

Certamente não: primeiro, como visto, NSIs não são construtos a partir de uma decisão ou de um grupo de decisões estatais, por mais que essas tenham tido importância decisiva em seu surgimento e provavelmente sejam de fato indispensáveis para que se constituam. NSIs, como destacam Nelson e Rosenberg, têm firmas como seu ente fundamental – firmas que agem desde decisões perfeitamente autônomas, dados os recursos próprios e a rede ―cooperativa‖ que podem mobilizar – e seu sentido não decorre das decisões estatais, senão que é dado ex post, mercê da articulação que se constitui, com alto grau de espontaneidade, entre empresas, ICTs e Estado. NSIs são afins a Estados regulacionistas, conforme exposto no capítulo 2.

Em segundo lugar, as firmas constituintes desses sistemas, ao contrário do SNDCT brasileiro dos anos 1970, tomam decisões levando em conta sinais emanados dos mercados relevantes em que atuam, além de terem por moto, em suas condutas criativas, a busca de sobrelucros, em clara oposição a decisões voltadas ao aumento da capacitação tecnológica per se, induzidas por elevado nível de intervencionismo, o qual tem no cálculo capitalista um elemento de restrição em uma função de maximização.

Diferente seria afirmar que o SNDCT conduz, sob certas condições, à constituição de um NSI brasileiro, considerando que o caráter até certo ponto auto- regulado e autônomo em relação ao ativismo estatal que os NSIs realmente existentes possuem foi construído direta e indiretamente (mesmo que não ostensivamente) por ação estatal. É possível, sem dúvida. Mas sobre isso se pode apenas especular.

Na verdade, ao que tudo indica, o modelo do II PBDCT é menos compreensível pelo recurso aos modelos abstratos conhecidos do que pela comparação com outras experiências históricas, como as da Coréia do Sul e, em menor medida, do Japão. Embora vários outros países tenham de alguma forma procurado acelerar o desenvolvimento científico-tecnológico por seus efeitos sobre a economia já a partir dos anos 1960 (e daí em diante, obviamente), a busca efetiva de

planejamento e coordenação – e a percepção explícita de que a autonomia nacional tem seu cerne no aumento mais qualitativo que quantitativo do parque produtivo e que o caminho para esse avanço dependia crucialmente de um aumento da capacidade científica e da aproximação da indústria ao incremento da oferta científico-tecnológico, aproximação essa guiada pela ação discricionária do Estado – é crivada de semelhança com as políticas de desenvolvimento levadas a cabo na mesma época pela Coréia do Sul e, salvo erro, em Taiwan87.

4.2.4.1.2. Limites do II PND como política industrial

Não se deve, entretanto, daí induzir que um esforço de catching up tecnológico ou mesmo de fomento à C&T muito maior do que o atual estivesse sendo realizado coetaneamente ao II PND, pois:

- não se dispõe de todos gastos com C&T;

- parte significativa do FNDCT virou estrutura de pós-graduação em universidades;

- as estatais realizavam esforços próprios sem recorrer à Finep;

- por meio dos NAIs, as estatais induziam gastos em P&D por parte das empresas privadas, inclusive buscando esforços tecnológicos em si mesmos; e

- por outro lado, não existiam, ao menos não de forma explícita e sistemática, benefícios fiscais para P&D e para inovação, como os atuais;

Apesar dessas dificuldades, algumas observações podem ser feitas quanto ao aumento do esforço tecnológico empresarial durante o período como um todo.

Como já se observou, os PBDCTs devem ser compreendidos dentro dos PNDs. Embora o ministro Reis Veloso, principal autor dos documentos, tenha notado que ele, como ao menos o Presidente Geisel, tivesse especial compreensão da importância da C&T por seu papel econômico empresarial (ou seja, da CT&I, em termos atuais), e que deveras os documentos mencionem explicitamente essa importância, inclusive destacando setores de alta intensidade tecnológica como cruciais para o avanço produtivo do país, há que ser cauteloso com o que

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efetivamente foi realizado. Por mais que simpatizassem com a noção de transformar a política de C&T no baluarte do desenvolvimento econômico, o ministro e o presidente estavam constrangidos por elementos, tais como a crise energética e a baixa demanda por importações de outros países, aos quais se somaram a crescente perda de dinamismo da economia brasileira a partir de 1977.

Ainda assim, a União, em especial, foi capaz de sustentar uma impressionante política anticíclica baseada em um volumoso bloco de investimentos que visava à transformação estrutural do parque produtivo e, assim, da economia nacional como um todo.

A participação estatal na expansão da capacidade produtiva da economia já era significativa em 1970. Não obstante, mantém-se acima de 40% durante todo o período correspondente ao II PND (para se ter uma idéia, em nenhum momento do pós-real esse percentual chegou a atingir 10%88).

Tabela 4.2 – Importância do investimento público na FBKF nos anos 1970, com destaque para o período do II PND

Segundo Erber, apenas três grandes centros de pesquisa das estatais (Cenpes, CPqD e Cepel) equivalem a 10% de todo esforço de C&T brasileiro. Em adição, os NAIs constituíam parte decisiva da lógica do ―modelo SNDCT‖, sendo isoladamente talvez a maior fonte de indução pelo lado da demanda de esforço Investimento 1970 1974 1975 1976 1977 1978 1979 FBKF COMO % DO PIB 22,3 24,2 25,4 23,7 21,9 22 21,5 PRIVADO 61,2 60,2 58 57,6 56,9 57,5 56,3 PÚBLICO 38,8 39,8 42 42,4 43,1 42,5 43,7 ADM. DIR. 18,5 16,5 16,9 17,7 17,5 16,1 15 SPEs - 15,1 16,3 16,8 18,8 20,3 20,8 ESTATAIS 20,3 23,3 25,1 24,7 25,6 26,4 28,7

tecnológico, não necessariamente coberto com P&D, mas com frequencia incluindo desafios tecnológicos que obrigavam os fornecedores a irem além de seu padrão produtivo corrente, seja em termos de qualidade, seja em termos do rol de itens já existentes89.

Em conjunto, dificilmente esses elementos não mais superariam o fato de que apenas parte dos dispêndios do FNDCT serem diretamente destinados à ciência aplicada e ao avanço tecnológico ―em geral‖ (ao aumento da capacidade de