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I NTEGRAÇÃO OU I NSERÇÃO : DOIS E IXOS P OSSÍVEIS NA I NTERVENÇÃO

P OLÍTICAS S OCIAIS : A I NTERVENÇÃO FACE A N OVOS D ESAFIOS

2. I NTEGRAÇÃO OU I NSERÇÃO : DOIS E IXOS P OSSÍVEIS NA I NTERVENÇÃO

Antes de avançar para uma análise mais detalhada da medida RSI e para a análise da Loja de Emprego enquanto resposta micro a problemas locais de desemprego, considera-se importante reflectir um pouco sobre o que distingue as políticas de integração das políticas de inserção. Trata-se de uma distinção assente no âmbito de alcance das políticas e medidas implementadas.

O desenvolvimento de políticas de integração pressupõe o desenvolvimento de estratégias de actuação macro, com intervenção nos eixos estruturais determinantes e condicionadores dos modos de vida e dos quadros gerais de funcionamento da economia, das relações sociais e formas de solidariedade, da educação, do emprego, da política e da cultura.

As políticas de inserção actuam em espaços sociais e territoriais específicos. Atendem à expressão dos problemas a nível micro, adoptando fundamentalmente estratégias adaptativas ou correctivas. As características desta intervenção, sustentada sobretudo em projectos temporalmente limitados, inviabilizam projectos preventivos cujo alcance obriga a intervenções continuadas que permitam a produção de impacto a médio e longo prazo. Bernard Eme (citado por Moreira, 2000) salienta o carácter instrumentalista deste tipo de respostas por não revelarem capacidade na produção de efeitos de mudança. Da não produção de ruptura com os ciclos geradores, ou já instalados, de pobreza e precariedade, resultam efeitos meramente gestionários de modos de vida. Nestes, a densidade das relações e a possível integração em estruturas portadoras de sentido, definem diferentes posicionamentos dos indivíduos em zonas de integração, vulnerabilidade, assistência ou desafiliação (Castel, 2001).

Castel chama igualmente a atenção para o actual paradoxo que subjaz à forte presença do Estado, enquanto agente regulador, no domínio do emprego, numa altura em que o liberalismo, o capital e a empresa se consolidam como elementos

estruturantes da contemporaneidade. O papel do Estado conhece uma mudança que “marca a passagem de políticas desenvolvidas em nome da integração para políticas conduzidas em nome da inserção” (Castel, 2001: 538). Enquanto que aquelas visam o equilíbrio e o pleno exercício da cidadania, estas definem os seus públicos numa lógica de discriminação positiva, daqueles que apresentam défices de integração, e desenvolvem estratégias específicas para esses grupos. Daqui resulta a crescente especialização de estruturas e técnicos que implementam políticas sociais em função de problemáticas específicas. Esta forma de intervenção não deixa de ser ambígua uma vez que, apesar das necessidades especiais e acrescidas de certos públicos, assiste-se não só à cristalização de algumas categorias de beneficiários cada vez mais numerosas, como também ao aumento dos estigmas e estereótipos associados a essas categorias. Ao mesmo tempo, aumentam os seus potenciais beneficiários, uma vez que os riscos da modernidade deixaram de ser exclusivo de certos grupos ou categorias, passando a ser transversais a toda a estrutura social. A consciência da heterogeneidade numa sociedade marcada pelo crescimento, pela globalização e pela celeridade das mudanças, marca “um recuo das políticas integradoras globais e multiplica os tratamentos especiais para as «populações com problemas»” (Castel, 2001: 541). A descentralização na aplicação das medidas apresenta algumas vantagens que passam pela maior eficácia no combate da pobreza e exclusão. A proximidade decorrente da territorialização permite potenciar os resultados na medida em que há um maior conhecimento dos problemas e dos recursos locais, bem como uma maior proximidade física aos beneficiários da intervenção. Contudo, esta descentralização só produzirá efeitos a nível macro (nomeadamente em termos de maior coesão social) se acompanhada por medidas estruturais capazes de corrigir ou acertar disfuncionamentos das macro estruturas sociais. No caso em estudo, tem-se verificado que a proximidade mantida tanto com o público-alvo da intervenção, como com o tecido empresarial local, representam os pontos mais fortes do Projecto, uma vez que permitem a flexibilização das respostas. Contudo, o funcionamento e as actuais características do mercado de trabalho nacional são o principal obstáculo à intervenção, quer pelo número de empregos criados, quer pelas condições de trabalho oferecidas (sobretudo em termos de vencimento e horários), quer ainda pelo perfil de competências requerido (em termos de idade, escolaridade e experiência profissional).

As últimas décadas do século XX e o início do século XXI marcaram a emergência e consolidação de novos grupos com perfis diferenciados dos anteriores. Não se trata de grupos de indivíduos que, pelas suas trajectórias, acumulam handicaps

e vulnerabilidades que os afastam do centro da estrutura social. Ao invés, são indivíduos com percursos integrados nos padrões “normais” mas que, pelas disfunções sobretudo do mercado de trabalho se encontram privados de um elemento essencial à sua plena integração, o emprego. Por outro lado, a precariedade do trabalho também implica o aparecimento de novas preocupações. Estes novos grupos colocam novos problemas às políticas sociais que não poderão restringir-se a uma lógica correctora ou assistencialista. São novos públicos, com novas exigências, que colocam mais um problema tanto às políticas sociais, como à intervenção: em que medida os critérios de intervenção poderão ser homogéneos face à progressiva heterogeneidade dos grupos, que apresentam carências, problemas e necessidades diferenciadas? Ora, a intervenção social precisa de ser repensada e reinventada à luz das novas necessidades. Impõem-se respostas diferenciadas, flexíveis e dadas à medida das necessidades dos públicos-alvo da intervenção.

Não obstante estas novas preocupações, importa também clarificar os reais objectivos das políticas e estratégias de actuação delineadas. Mais uma vez a questão coloca-se em saber até que ponto alguns desses, velhos e novos problemas, terão de facto solução, face ao funcionamento das estruturas sociais modernas, face à metamorfose da questão social marcada pelo fim da relação salarial (Castel), face ao novo paradigma informacional (Castells), face à crescente segmentação do mercado de trabalho (Rodrigues), face à precariedade que caracteriza o mundo moderno (Bresson), face ao peso dos processos de desafiliação (Castel) e da desqualificação social (Paugan). As políticas de inserção surgem com objectivos meramente instrumentalistas e gestionários de modos de vida integrados e cristalizados pelo tempo, ou serão efectivos instrumentos de promoção da cidadania plena e activa, daqueles para quem o provisório e o mínimo foram interiorizados como formas de existência e às quais o tempo retirou o carácter de provisório?