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P OLÍTICAS S OCIAIS : A I NTERVENÇÃO FACE A N OVOS D ESAFIOS

4. A S P OLÍTICAS DE F ORMAÇÃO

A diminuição da criação de emprego e o agravamento do desemprego, especialmente de longa duração, têm merecido especial atenção por parte das políticas sociais. Neste âmbito, a formação é, nos últimos anos, encarada como elemento axial, na medida em que “a escolarização e as qualificações da população em geral, são elementos estruturantes fundamentais para a compreensão de fenómenos de pobreza e exclusão social e para a inclusão de grupos sociais mais vulneráveis, nomeadamente no que se refere à sua participação no mercado de trabalho” (PNAI, 2006: 24). Assim, a formação profissional, enquanto meio ao serviço do desenvolvimento económico, mecanismo de formação pessoal e de novas socializações, apresenta-se como forma de adquirir ou desenvolver competências, possibilitando a concretização de novas aprendizagens, bem como o desenvolvimento pessoal e profissional. Representa, por outro lado, um elemento potenciador da empregabilidade, factor central no discurso para a inclusão.

“A formação permite descobrir e desenvolver aptidões humanas, ao mesmo tempo que prepara o indivíduo para uma vida activa mais produtiva e satisfatória. A formação para além de ser fonte de reconhecimento social (...) é um meio de valorização muito eficaz da nossa personalidade” (Godinho et al, 1996: 223), possibilitando a obtenção de conhecimentos que preparam e qualificam o indivíduo para a sua integração no mercado de trabalho.

A formação e a aprendizagem ao longo da vida permitem também uma maior adaptabilidade à mudança, estimulando o desenvolvimento de competências transversais a diferentes áreas profissionais, designadamente: capacidade de aprendizagem, reflexão, criatividade, iniciativa e autonomia, competências chave face às exigências impostas por uma economia cada vez mais competitiva, volátil e centrada nas tecnologias. Por outro lado, impõe o desenvolvimento de competências pessoais importantes para a reinserção profissional, nomeadamente ao nível da assiduidade, cumprimento de regras, trabalho em equipa, comunicação, resolução de conflitos e gestão do tempo. A formação potencia, face à ausência de emprego, a reconstrução de identidades que o prolongar do desemprego se encarrega de transformar, devolvendo ao indivíduo sentimentos de auto-confiança para o desenvolvimento de novas aprendizagens e para a redefinição de projectos.

O nível de escolaridade, as oportunidades de formação e a literacia são factores decisivos para a capacidade de aprofundar percursos de aprendizagem, maximizando

os investimentos em formação. São investimentos condicionados quer por trajectórias anteriores, quer pelas efectivas oportunidades disponíveis, que correspondem não só ao desenvolvimento de aprendizagens imediatas, mas também à criação de melhores condições para a continuidade de trajectórias de aprendizagem, aumentando as possibilidades de reinserção profissional. Em que medida a qualificação transportada e o período de afastamento de contextos de aprendizagem representam, para a população em estudo, um elemento limitador ao desenvolvimento de novas aprendizagens? Até que ponto os processos formativos têm a capacidade de, ultrapassando um sistema de disposições incorporadas, romper com trajectórias pessoais, redesenhando-as? Até que ponto a formação poderá ter tal poder mobilizador?

Não menosprezando os efeitos produzidos quer pela educação/formação, quer pela aposta na aprendizagem ao longo da vida, tanto em contextos formais, como em contextos informais e em diversos domínios de organização da vida social, continuará a ser legítimo o discurso que centra as mais-valias dos investimentos em percursos educativos/formativos na promoção da empregabilidade, atendendo às problemáticas associadas à metamorfose da questão social e descritas por Castel (2001)?

O princípio da igualdade e da criação de novas oportunidades para todos, subjacente à medida Novas Oportunidades, contribui, sem dúvida, para a aposta na elevação dos níveis de qualificação e para o desenvolvimento de perfis de competências ajustados às novas necessidades, assim como para a construção de modelos sociais mais coesos. Contudo, o discurso político, ao salientar o seu “impacte na redução dos riscos de exclusão e de segmentação no mercado de trabalho” (Resolução do Conselho de Ministros nº 173/2007), subestima, pela centralidade atribuída à empregabilidade, a multidimensionalidade dos processos de exclusão. A tónica dada ao emprego parece ignorar as transformações recentes do mercado de trabalho em termos de emergência e crescente consolidação de novas modalidades de emprego. Face a estas, até que ponto a formação dota os indivíduos em situação de maior vulnerabilidade de capitais que lhes permitam dispor de alguma autonomia e poder negocial no mercado de trabalho? Serão as políticas de formação uma medida de gestão do desemprego? Será a formação um efectivo mecanismo de superação da exclusão do mercado de trabalho ou um mecanismo que a perpetua numa lógica de evolução de cariz reprodutor?

Ao analisar o sistema de emprego, verifica-se que na relação procura-oferta de emprego prevalece o domínio da oferta, dado o seu poder de mobilização e rejeição.

Nesta relação, a possível autonomia daquele que procura emprego decorre daquilo que ele tem para oferecer ao mercado. O seu poder advém do seu nível formal de qualificação, do seu perfil de competências, do volume e da estrutura de capital social e cultural que detém. A relação entre estas variáveis e o leque de oportunidades de que o indivíduo dispõe, determinam a sua capacidade negocial, bem como o percurso profissional de cada um. Até que ponto será a formação uma estratégia adoptada por indivíduos que procuram romper com sucessivas integrações precárias no segmento secundário no mercado de trabalho? Ou serão as políticas de formação mais uma forma de gestão e legitimação do estatuto de beneficiário, que por sua vez retira partido das mais-valias de um processo formativo, garantindo uma ocupação do tempo, desenvolvendo novas relações e novas aprendizagens? Sob a primeira óptica de análise, a formação seria visionada como um investimento e um elemento mobilizador; sob a segunda, não passaria de uma estratégia de gestão de um estatuto interiorizado e exteriorizado através de um rol de práticas que apenas o perpetuam.

Sendo a formação profissional definida como instrumento, não só em favor do desenvolvimento económico, mas também do desenvolvimento pessoal e da coesão social, enquanto mecanismo de enriquecimento de saberes, técnicas, capacidades, atitudes e comportamentos, pode afirmar-se serem os seus principais objectivos:

• o aumento de conhecimentos e melhoramento de competências; • a correcção de comportamentos, tendo em vista uma maior eficácia; • a actualização e o aumento da adaptabilidade profissional, assegurada

pela transferibilidade das competências detidas.

Deste modo, a formação terá a capacidade de produzir efeitos ao nível “dos indivíduos, das suas culturas, das suas interacções e dos sistemas sociais que suportam as suas relações organizadas” (Godinho et al, 1996: 210). Conhecer o efectivo papel desempenhado pelas políticas de formação implica conhecer o significado atribuído às respostas formativas por parte dos formandos e das instituições que as promovem. Pensando a formação como uma estratégia para a inserção e como uma possível resposta no âmbito os PI’s, até que ponto ela é percepcionada e valorizada da mesma forma por técnicos e beneficiários?

Voltando ao princípio da dominância de Maslow, segundo o qual uma necessidade só se torna motivadora quando a necessidade imediatamente anterior se encontra minimamente satisfeita, qual será a motivação para as necessidades sociais, de estima e de auto-realização, daqueles que, em situação de precariedade, vêem garantidas apenas as suas necessidades mínimas de sobrevivência? Até que ponto o

grupo-alvo desta análise, percepciona a formação como real investimento, como instrumento facilitador da sua reinserção no mercado de trabalho?

A abordagem sociológica das problemáticas associadas à formação não poderá contudo reter-se nas questões associadas ao indivíduo. Importa analisar o poder mobilizador das respostas formativas percebendo de que modo, a seu montante e jusante, se desencadeiam outros macro e micro processos, nomeadamente:

- clara definição dos objectivos da formação e articulação estabelecida entre as diversas instituições envolvidas (certificação escolar e/ou profissional, desenvolvimento de competências, desenvolvimento pessoal, promoção de cidadania, integração profissional);

- articulação entre medidas que permitam a satisfação de necessidades fundamentais a nível pessoal e familiar, deixando espaço para que em contexto formativo possam ser trabalhadas questões de natureza subjectiva e relacional;

- análise das representações individuais e sociais relativas à formação; - articulação entre estruturas formativas e tecido empresarial que permita

experiências em contexto profissional, que promova o contacto com contextos reais de trabalho e efectivas perspectivas de integração profissional;

- combate aos mecanismos sociais potenciadores de processos de auto- -exclusão;

- concepção de políticas com capacidade de intervenção sobre as variáveis estruturais (mercado de trabalho, educação, protecção social, saúde, habitação) que potenciem o desenvolvimento de intervenções que tenham por objectivo a efectiva integração dos indivíduos.

O discurso da empregabilidade exige a construção de uma conjuntura diferente daquela que vivemos hoje e que se apresente favorável à criação de emprego. Caso contrário, estaremos a correr, mais uma vez, o risco de fazer sonhar quem desistiu de sonhar, com algo que permanece inatingível. Mais consistente com o actual panorama económico e social, seria assumir, em primeira linha, o papel desempenhado pela formação na promoção efectiva de cidadania activa.