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O S D OMÍNIOS DA E DUCAÇÃO E F ORMAÇÃO E SUA R ELAÇÃO COM O M ERCADO DE

TRABALHO

Num cenário de constante mutação dos mercados, os requisitos impostos ao funcionamento do mercado de trabalho, especificamente no que respeita à necessidade de permanente adequação às mudanças técnico-organizativas e à promoção de perfis profissionais potenciadores de mobilidade, tornam ineficazes os tradicionais modelos de aprendizagem, impondo modelos que confiram maior primazia à aprendizagem ao longo da vida. Ao indivíduo é exigido que obtenha conhecimentos e competências necessárias ao desempenho do seu trabalho; que se actualize de forma adequada; que possua a informação necessária à execução das suas tarefas; que seja capaz de antecipar os problemas; que reaja com criatividade face às exigências de mudança; que tome a iniciativa face a oportunidades de desenvolvimento que possam beneficiar a organização. Simultaneamente, esbatem-se, nos domínios da educação- -formação, os tradicionais papéis do Estado, das instituições educativas e formativas, das organizações e dos indivíduos. O Estado perde a exclusividade no que concerne à educação-formação, as organizações são chamadas a desempenhar um papel mais activo e o indivíduo é cada vez mais responsabilizado pelo seu percurso.

Partindo dos níveis de educação e da capacidade de incorporar conhecimento e informação, acedendo a níveis de educação superiores, Castells (2005) distingue, no mercado de trabalho informacional, o trabalhador auto-programável do trabalhador genérico. Aquele, ao contrário do outro, detém os meios de se reprogramar no quadro das competências necessárias face às competências impostas pelas constantes mutações do processo produtivo.

Importa, antes de mais, questionar quais as oportunidades de que dispõem, na nova economia, aqueles que, integrando estruturas sociais que limitam as oportunidades individuais, vêem o tempo cristalizar as suas vulnerabilidades e handicaps, cuja persistência limita a sua capacidade competitiva e restringe, progressivamente, o seu olhar para o futuro.

Numa sociedade cada vez mais cognitiva, educação e formação assumem-se como elementos axiais, atendendo à associação entre literacia formal e tecnológica, à necessidade individual de formação contínua, à necessidade das organizações se tornarem em si espaços qualificantes e promotores de aprendizagem, e à necessidade de a própria sociedade aprender a ser mais reflexiva. Neste âmbito, a reflexão deverá situar-se por um lado ao nível das práticas pedagógicas, e por outro ao nível da

subsistência de “acentuadas fragilidades estruturais que são impeditivas (...) de um mais amplo fortalecimento da qualidade da força de trabalho” (Gonçalves, 2000: 3).

No quadro da UE, à excepção de Portugal, verifica-se uma tendência para a correspondência entre maior habilitação da força de trabalho e aumento da taxa de emprego (Comissão Europeia, 2002). Se por um lado é necessário fazer corresponder ao investimento em processos de aprendizagem, que têm por objectivo a elevação dos níveis de ensino/formação, uma expansão do número de empregos qualificados, por outro, importa fomentar a apropriação do saber científico produzido pelas empresas.

Nas organizações baseadas no conhecimento, o capital humano encontra-se no centro do processo produtivo e assume valor estratégico, passando a representar, para a empresa, valor acrescentado, uma vez que determina a sua capacidade competitiva. Nas sociedades e na economia do conhecimento, os percursos educativos e formativos serão qualificantes na medida em que permitam a aquisição de conhecimentos gerais e o desenvolvimento de aptidões básicas (Kovács, 2002).

Numa lógica de análise tributária do determinismo tecnológico, segundo o qual as novas tecnologias são percepcionadas como uma força actuante e autónoma (factores determinantes das relações sociais, económicas e políticas) emana a prática discursiva assente na primazia técnico-científica e na glorificação das competências. Este discurso oculta a subordinação do indivíduo e das suas necessidades às novas exigências organizacionais. O indivíduo surge enquanto sujeito que tem que se adaptar ao contexto e procurar na educação/formação os recursos adaptativos que aquele lhe exige. Educação e formação surgem como que dotados de potencial místico e solucionador das problemáticas inerentes à (re)inserção profissional. Quais as reais potencialidades daqueles sistemas como elementos mobilizadores, face à contínua e progressiva acumulação de desvantagens?

Pese embora as céleres transformações tecnológicas, as alterações na estrutura ocupacional do mercado de trabalho, o aumento do número de profissionais em áreas chave para o desenvolvimento das tecnologias da informação e da comunicação, o aumento do investimento público e privado em I&D, sejam realidades nas economias mais desenvolvidas e no espaço comunitário, elas não o são de forma homogénea ou omnipresente.

A sociedade do conhecimento representa, no espaço comunitário, a base ideológica de um discurso que sustenta uma estratégia de convergência assente na conjugação das políticas económicas e das políticas sociais. Por outro lado, fundamenta um outro que, sustentado na lógica liberal e da globalização, visa não

tanto a promoção do bem-estar, mas a maximização do lucro, transferindo para a esfera do indivíduo a «responsabilidade» pela acumulação de desvantagens e handicaps. É uma prática discursiva que omite que a assumpção de modos de vida decorre do posicionamento de cada um numa estrutura que se (des)responsabiliza pela (não) criação de oportunidades. Esta é uma prática discursiva que se aproxima da visão liberal dos fenómenos da pobreza e exclusão.

Face a estes processos de mudança, percepcionar o indivíduo enquanto sujeito activo, implica moldar as tecnologias às necessidades e objectivos, individuais e colectivos. Neste contexto, as qualificações e a promoção das competências, nomeadamente em contexto formativo, representariam uma oportunidade para a afirmação individual dos actores sociais, dinamizadores no processo de construção do futuro.

O primado do desenvolvimento tecnológico e dos imperativos impostos aos sistemas de educação/formação ignora as suas ambiguidades intrínsecas, nomeadamente no que respeita aos seus impactos sociais. O emprego não segue uma tendência unívoca e linear. O trabalho fragmenta-se e o mercado de trabalho segmenta-se, pelo que a emergência de novas competências e as possibilidades de aprendizagem, decorrem fundamentalmente de práticas gestionárias assentes na valorização do capital humano. As estratégias de qualificação dependem não tanto de um indivíduo gestor de si, mas das estratégias de modernização seguidas pelas políticas nacionais e pelo tecido empresarial. A situação face ao trabalho, a estabilidade do emprego e o grau de formação exigido à partida, são factores que determinam as possibilidades de aprendizagem ao longo da vida. O trabalho altamente qualificado e o trabalho rotineiro e desqualificante, sendo realidades com geografias específicas, desencadeiam oportunidades desiguais no acesso à aprendizagem e ao emprego. Por outro lado, a emergência de estratégias de gestão diferenciadas de acordo com o grau de qualificação dos trabalhadores sustenta a emergência de novas estratificações de trabalhadores, cujo factor dinâmico reside nas próprias qualificações, reforçando mais as distinções e desigualdades já existentes. Terá deixado a educação/formação de ser um direito passando a ser um bem?

Qual o lugar daqueles que, nesta “sociedade do conhecimento”, acumulam desvantagens que limitam e incapacitam a procura de novas estratégias? Será o da condição de inempregáveis? Mas será esta uma condição alguma vez reconhecida quer ao nível das políticas sociais, quer pelo discurso político institucional? Será esta uma condição legítima nas democracias modernas?

CAPÍTULO III