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P OBREZA E E XCLUSÃO COMO P ROBLEMAS S OCIOLÓGICOS

4. D A P OBREZA À E XCLUSÃO

Ao longo dos anos 60 e face a um contexto de prosperidade económica, as interrogações em torno da coesão social permaneceram relativamente adormecidas. A pobreza era analisada, de acordo com a ideologia liberal e numa lógica mais conservadora, como um fenómeno de inadaptação social decorrente de debilidades individuais. A crescente degradação do mercado de trabalho, o progressivo enfraquecimento dos laços sociais e o aumento das franjas da população que permanecem à margem do progresso económico, tornam cada vez mais saliente um novo conceito, o de exclusão social. Mantêm-se enraizados, nas sociedades modernas, os mecanismos de reprodução da miséria, aos quais subjaz uma certa desilusão com o progresso (Paugan, 1996).

No decurso da década de 70, Lenoir, abordando as problemáticas da pobreza e da inadaptação social sob o ponto de vista económico, procede a uma dupla alteração analítica, com impacto num reajuste conceptual:

i. por um lado, deixa de a abordar enquanto fenómeno individual, passando a analisá-la como um fenómeno social, cuja génese deverá ser procurada nos princípios de funcionamento das sociedades modernas, nomeadamente: nos processos de urbanização rápidos, não planeados e segregadores; na inadaptação e uniformização do sistema escolar; no desenraizamento provocado pela imposição de mobilidade profissional, gerador de processos de dessocialização e perda de laços sociais, e na desigualdade de oportunidades no acesso a bens e serviços (de consumo, cultura, lazer, educativo...).

ii. por outro lado, a pobreza deixa de ser considerada um problema de uma franja marginal da população, sob a qual iam sendo aplicadas medidas paliativas. Os paradigmas que sustentam a intervenção alteram-se, devendo adoptar-se uma postura de índole preventiva.

Não distinguindo os mecanismos conjunturais (gerados pelas alterações no sistema económico) dos mecanismos de reprodução de natureza estrutural, a abordagem desenvolvida por Lenoir contribui para a cada vez maior pertinência conceptual, da noção de exclusão social. Esta perspectiva conceptual afasta-se da visão da pobreza como realidade imposta pela fatalidade do destino (da qual resultaria um estado caracterizador de uma categoria de sujeitos), passando a analisá-la enquanto processo.

Do ponto de vista da investigação social, a exclusão deverá ser encarada enquanto fruto de processos sociais e históricos; e não como um estado letárgico que resulta de atributos individuais e/ou colectivos. Tal implica reconhecer que os actuais fenómenos de exclusão nem sempre existiram enquanto tal. Ao invés, decorrem de um conjunto de transformações estruturais nas instituições centrais da vida económica e social, responsáveis por dotar os sujeitos de recursos e capitais económico, educativo e simbólico, com tradução num determinado estatuto social e num modo de vida específico. “Não poderemos compreender a exclusão se não analisarmos a forma como é institucionalmente produzida” (Dubar, in Paugan, 1996: 111). Na génese da sua explicação deverá estar uma análise cuidada das políticas de emprego, das transformações do mercado de trabalho, mas também dos sistemas de ensino e formação, da família, do urbanismo e da protecção social.

Foram os efeitos prolongados da crise petrolífera (na década de 70) e o seu impacto nos sistemas económico e social, que determinaram a consolidação de um novo olhar sobre os problemas sociais. Sobre as questões da inadaptação prevalecem todas aquelas que se relacionam com o desemprego, realidade que ganha cada vez maior saliência e que se manifesta na crescente instabilidade do mercado de trabalho, na sinuosidade das trajectórias sociais e profissionais e na diversidade de comportamentos e formas de adaptação. A crise económica, a crise do pleno emprego e a crise dos princípios do Estado-Providência (fundado num pacto social construído durante um período de crescimento económico e pleno emprego), são questões transversais a todos os grupos sociais. Ora, o sucesso da noção de exclusão decorre, em grande parte, da consciencialização colectiva de um conjunto de ameaças que pairam sobre todas as franjas, sobretudo sobre aquelas que se encontram menos protegidas (Paugan, 1996).

Numa sociedade cada vez mais desigual, as desigualdades não se bastam a si próprias na explicação dos fenómenos de ruptura que caracterizam a exclusão. Este conceito, sendo mais abrangente, permite ampliar as dimensões de análise no que concerne quer às causas, quer aos efeitos, não a restringindo à questão da privação. Não obstante, a utilização recorrente do termo e a sua hibridação com o conceito de pobreza, fez com que se encontre saturado de sentidos, não-sentidos e contra- -sentidos.

“A Exclusão social «surge como um processo, com carácter estrutural, de fragilização e ruptura de laços sociais e consequente dependência do assistencialismo público (...) é, então, um processo de ruptura com a sociedade: (...) por um lado, a

ruptura pela ausência de um conjunto de recursos básicos, (...) por outro, a ruptura com mecanismos de estigmatização que afectam grupos sociais específicos»” (Rodrigues, 2006: 45). Na realidade, colocando a tónica na crise dos laços sociais, o conceito de exclusão torna-se hegemónico tanto no discurso científico, como no discurso político. Mas, como restaurar os laços sociais em sociedades fundadas sobre a soberania do indivíduo?

Tratando-se de um processo que respeita a um conjunto de sujeitos com traços de vulnerabilidade comuns, a exclusão surge simultaneamente como um processo de natureza estrutural e biográfica, que não pode ser compreendido sem traçar o percurso do indivíduo face aos mecanismos de integração económica (na sua relação com o mercado de trabalho) e afiliação social. Impõe-se uma abordagem quer dos factores de risco, que condicionam, por exemplo, o acesso ao mercado de trabalho; quer dos mecanismos de construção de redes de sociabilidade familiar e social; como também das lógicas subjectivas que “conduzem” o sujeito à condição de excluído; como ainda das suas vivências e experiências de exclusão. Importa pois reflectir sobre as evoluções significativas para os modos de vida, dos processos de socialização, des- -socialização e re-socialização nas sociedades contemporâneas. São processos, estruturais e biográficos, que sustentam a construção de uma identidade social, pelas instituições e indivíduos (Dubar, in Paugan, 1996).