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Nuances sobre o acesso às pessoas entrevistadas

6 PERCURSO METODOLÓGICO

6.2 Nuances sobre o acesso às pessoas entrevistadas

Pela proximidade pessoal da pesquisadora com a profissionalLVII que foi submetida à entrevista piloto, o convite para ela participar da pesquisa foi realizado via mensagens de um aplicativo de celular. Enquanto informante-chave, propôs o nome de algumas profissionais e entrou em contato direto com elas.

Após esse momento, lançamos o convite para cada uma tanto por e-mail quanto por mensagens de um aplicativo de celular. Ao passo do aceite, combinávamos dia e horário de melhor conveniência para elas para a realização da entrevista. Por conta das limitações dos custos financeiros e a questão territorial, todas as entrevistas com este grupo foram realizadas via Skype. A média de duração das entrevistas variou de uma hora a uma hora e 30 minutos. Reforçamos que elas somente foram realizadas após concordância dos participantes via confirmação escrita em e-mail eletrônico – os modelos do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) utilizados na pesquisa estão disponíveis nos apêndices: i) Apêndice III direcionado ao TCLE dos profissionais do Ministério da Saúde; e ii) Apêndice IV referente ao TCLE das mulheres primíparas.

LVI Atualmente, vivemos no Brasil um processo intenso de mudanças político-econômicas, o que têm refletido em propostas de reformas nas áreas da Saúde, da Assistência Social, da Educação, da Previdência Social, do Trabalho, dentre outras em prol da “superação da crise”. No entanto, o que estamos vivenciando é um desmonte paulatino dos serviços públicos e dos direitos sociais garantidos por lei aos cidadãos brasileiros. Neste contexto, dentro da esfera do Ministério da Saúde, muitos das profissionais que participaram da criação da RC deixaram de exercer suas funções após mudanças governamentais oriundas da Presidência da República, por meio das quais, por iniciativa própria ou não, foram realizadas exonerações de importantes cargos.

LVII Inclusive, foi ela quem sugeriu a utilização da amostragem “bola de neve” ao propor ser uma semente frente à indicação das demais profissionais.

No tocante ao acesso às mulheres primíparas, inicialmente pensamos que o contato poderia ser realizado via grupo de puérperas, tendo em vista que essa ação, teoricamente, poderia se encaixar como uma das alternativas para o acompanhamento realizado pelos Centros de Saúde às mulheres em situação de pós-parto e de seus bebês. No entanto, a partir do contato com os profissionais de referência dos Centros e inserção no campo, tal prática não foi percebidaLVIII.

Os profissionais alegaram dificuldade em reunir conjunta e mensalmente as mulheres para esse fim – inclusive, porque não havia um número fixo de usuárias –, ficando muitas vezes a cargo dos técnicos de referência o acompanhamento individual dos casos. Assim, fizemos uso de uma lista de usuárias elencadas pelos profissionais. Primeiramente, eles entraram em contato com as mulheres e, após a concordância delas, entravamos em contato. Ao final das entrevistas, como poderia existir usuárias que, por alguma razão, não compareciam ao serviço, era solicitado a elas que indicassem mulheres gestantes da região.

Afirmamos que, pelo fato de a pesquisadora ter trabalhado diretamente como apoiadora institucional de serviços da Rede Cegonha pelo próprio Ministério da Saúde, o acesso aos profissionais foi mediado e facilitado por outros profissionais sem quaisquer impedimentos. Por este caso em questão, destacamos a importância da análise de implicação da pesquisadora nesse processo, tendo em vista que se, por um lado, tal acesso traz vantagens, como, por exemplo, acesso maior a determinadas informações, por outro, também pode apresentar entraves, como em relação às análises a serem produzidas. Ao tomarmos como base o campo da análise institucional, Gilles Monceau88 traz considerações sobre o conceito de implicação.

Nós podemos dizer que o indivíduo é tomado pela instituição, querendo ele ou não. Eu não tenho a possibilidade de decidir que não estou implicado na instituição universitária francesa, mesmo que eu possa ter posições bastante críticas, mesmo que eu queira tomar uma distância, eu sou tomado por essa instituição. Lourau tinha uma frase que eu guardo de memória porque ilustra bem essa ideia. Ele dizia: “A instituição fala pelo ventre, falando por

nossa boca”88:21.

Em outras palavras, o autor afirma que a implicação existe independente da vontade dos sujeitos. Como alternativa, propõe que se analise mais os modos de implicação –

LVIII O que poderia ser visto como um importante analisador dos processos de cuidado em saúde ofertados pelos serviços do SUS. É sabido que o pós-parto é um momento intenso de mudanças, especialmente para as mulheres, sendo a depressão pós-parto uma das grandes preocupações. Os grupos de apoio de pós-parto poderiam funcionar como uma ferramenta de gestão do cuidado a essas mulheres a partir da sua captação em tempo hábil para possíveis acompanhamentos e intervenções.

sendo estes econômico, ideológico, organizacional, material, libidinal – do que necessariamente a sua quantidade ou existência. Dessa maneira, o que estaria em jogo seria a compreensão da relação estabelecida entre os sujeitos e as instituições, tendo em vista que a implicação possui efeitos que fogem ao conhecimento total dos envolvidos.

Como alternativa, René Lourau89 defende que a implicação deveria ser estudada tanto individual quanto coletivamente. Entretanto, também assinala que tal atividade poderia ser bastante penosa, pois a sobreimplicação – sombra da implicação – poderia vir camuflada ao processo. Monceau88 afirma que pelo conceito de sobreimplicação é possível compreender melhor o de implicação, tendo em vista que aquele seria uma impossibilidade de se analisar a implicação.

Conforme Lourau, “a implicação é um nó de relações; não é „boa‟ (uso voluntarista) nem „má‟ (uso jurídico-policialesco). A sobreimplicação, por sua vez, é a ideologia normativa do sobretrabalho, gestora da necessidade do „implicar-se‟”89:190

. A partir desse entendimento, a sobreimplicação apresentaria aspectos de submissão a algo já estabelecido, sendo que os mecanismos existentes para tais submissões tanto poderiam surgir de forma explícita como implícita.

Quanto ao acesso às puérperas primíparas, ele se deu a partir de duas formas. No contexto do SUS, após autorização da pesquisa por parte da Prefeitura Municipal de Campinas (Anexo I), a coordenação do Distrito Norte de Saúde de Campinas indicou 4 (quatro) Centros de Saúde, representados por profissionais de referência para o contato. Após contato telefônico e algumas idas aos serviços, tais profissionais disponibilizaram os contatos de usuárias condizentes com os critérios da pesquisa.

As entrevistas foram realizadas em horários oportunos para as participantes, sendo feitas tanto nos respectivos serviços quanto nas residências das mulheres, quando de comum acordo. A média de duração das entrevistas variou de 25 minutos a uma hora, tendo em vista que as mulheres estavam com bebês e pausavam as falas para acolhê-los sempre que se fez necessário. Destacamos que as entrevistas somente foram realizadas após concordância dos participantes via assinatura do TCLE.

Ressaltamos que, dos quatro Centros de Saúde elencados pela coordenação do Distrito Norte de Saúde de Campinas, somente um deles não forneceu o contato das usuárias. No momento da realização do campo da pesquisa, a coordenadora de um dos serviços indicados estava de férias. A profissional responsável por substituí-la em todos os contatos realizados pela pesquisadora, tanto por telefone quanto pessoalmente, solicitava mais tempo para reunir as informações devido à quantidade de trabalho à qual estava submetida. Diante da

maior disponibilidade dos demais serviços, optamos por permanecer com as usuárias indicadas pelos demais.

No âmbito privado, foram convidadas mulheres primíparas que haviam realizado seus partos na Maternidade de Campinas ou na Maternidade PUC Campinas. Segundo informações do Cadastro Nacional de Estabelecimento de Saúde (CNES) e da Secretaria Municipal de Campinas, aquelas atenderiam a partos tanto provenientes do SUS quanto de planos privados de saúde – sendo este um critério estabelecido. Diante da impossibilidade do acesso direto às mulheres via maternidades por questões institucionais, foi utilizada a estratégia de convite à participação da pesquisa por meio de redes sociais, em especial por uma comunidade virtual sobre parto humanizadoLIX bastante atuante na região de Campinas.

Algumas entrevistadas chegaram a indicar pessoas próximas que se encaixavam nos critérios da pesquisa, corroborando com a amostragem “bola de neve”. As entrevistas tanto foram realizadas nas residências das mulheres quanto via SkypeLX, a depender da escolha das entrevistadas. Reforçamos que somente depois da assinatura do TCLE (em caso presencial) ou por confirmação via e-mail (em caso de Skype), as entrevistas seriam iniciadas. Neste caso, houve três entrevistas realizadas por ferramenta virtual.

Ponto curioso em relação às entrevistas com as mulheres do SUS foi que, em alguns casos, foi necessária a ida por mais de uma vez na casa das usuárias, seja pela indisponibilidade no dia estipulado ou até mesmo pela desistência em participar (sem comunicação anterior à entrevistadora). Inclusive, em uma das situações, a usuária pediu para dizer que não estava em casa, fato confirmado por um integrante da família que veio mediar a situação, apesar de termos frisado a não obrigatoriedade em participar da pesquisa.

No caso das mulheres acompanhadas pelo sistema privado, tivemos um fato interessante. No momento em que divulgamos a pesquisa via rede social, logo ao final do dia, mais de uma mulher havia entrado em contato com a pesquisadora. Apesar dos critérios já estarem dispostos no convite, algumas que até mesmo não se encaixavam naqueles entraram em contato e se mostraram disponíveis a participar em outro momento. Isto nos leva a pensar que as mulheres querem falar sobre seus partos e suas vivências, destacando, de certa forma, como essa experiência foi marcante em suas vidas.

LIX

O grupo conta com mais de 3.700 membros escritos. Tem como proposta acolher gestantes, profissionais e ativistas da humanização do parto e nascimento, objetivando acolher aquelas mulheres que desejam ter um parto humanizado, sanar possíveis dúvidas e discutir sobre distintas possibilidades de equipes de assistência e situação dos atendimentos hospitalares em Campinas e Região. Mais informações acessar: < https://www.facebook.com/groups/partohumanizado1/about/ > Acesso em: 26 jan. 2018.

LX Algumas entrevistadas solicitaram que a entrevista fosse realizada via Skype por conta da logística com os bebês.

Quanto às questões institucionais, houve um fato analisador junto ao processo do acesso às maternidades. Segundo Lourau89, o conceito de analisador refere-se aos acontecimentos reveladores e catalisadores, efeitos de uma configuração institucional que agem sobre ela. São acontecimentos reveladores porque dissolvem o saber instituído, e catalisadores porque modificam as relações de força constitutivas das formas de representação instituída. Portanto, são manifestações que não estão em conformidade com o instituído e se encarregam da operação da análise, que não estaria a encargo do analista. Os analisadores são importantes dentro da perspectiva institucionalista, a qual não tem por pretensão construir um conjunto explicativo, mas, sim, apresentar os elementos de determinada conjuntura.

Pois bem, apesar da coordenação do Distrito Norte de Saúde de Campinas ter comunicado que a maioria de suas usuárias realizava os partos na Maternidade de Campinas, por conta dos critérios estabelecidos na pesquisa quanto ao SUS e planos privados, optamos pelas duas maternidades. Entretanto, de formas distintas, o acesso às mulheres via maternidades não ocorreu. Em se tratando da Maternidade de Campinas, foi realizada tentativa direta de visita à maternidade, porém necessitava de agendamento. Após tentativas por contato telefônico e e-mail, nenhuma resposta foi dada.

Quanto à Maternidade da PUC, após contato telefônico, um e-mail foi enviado e a resposta emitida foi que por conta da alta demanda das pesquisas e atividades realizadas pelos próprios alunos da instituição, temporariamente, o acesso de outros pesquisadores estava suspenso. Tais acontecimentos além de inerentes ao processo de uma pesquisa de campo – que lida mais diretamente com os imprevistos da realidade, exigindo um repensar constante das estratégias aplicadas – servem para pensar sobre as entrelinhas do processo. Por que o acesso direto às maternidades foi negado? Será que houve receio de se sentirem avaliadas, apesar deste não ser o objetivo direto da pesquisa?

É importante destacar que todo o processo da pesquisa em campo apenas foi executado após a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Unicamp – Campus Campinas através do CAE 61922916.5.0000.5404 (Anexo II).