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7 DISCURSOS DAS MULHERES PRIMÍPARAS

7.3 Sobre os corpos em construção

A gravidez envolve um turbilhão de emoções permeado tanto por mudanças intensamente invisíveis aos olhos das pessoas mais próximas as futuras mulheres mães, quanto por mudanças totalmente visíveis à sociedade. Florescem as alegrias e as tristezas, as certezas e as incertezas, os afetos e os desafetos.

Dentre tantos sentimentos, também surgem uma barriga que porta um novo ser, seios fartos que se preparam para a vinda de um alimento que não existia e, enfim, um corpo que não é mais somente seu. Cravina (MlrPRIV) utilizou o termo “zoado” ao se referir ao processo de mudança corporal. Era um corpo que mudava semanalmente e ela tinha que mudar junto com ele. Mesmo depois do parto, ainda era um corpo em construção.

Um dia antes da entrevista, ela havia comprado uma cinta e um sutiã, no entanto, quando foi vesti-los, percebeu que não a serviam, a numeração já era outra. A adaptação a esse corpo era processual, pois havia dias em que ela se achava bonita, mas outros não. “É aquela TPM de nove meses”, confessou Cravina.

Esse negócio, a mudança do corpo, eu não me via, porque é aquela coisa, né. Você tem seus peitos, você tem a sua barriguinha, você tem a sua bunda que você conhece. E daí, de repente, você não tem mais isso. Eu olhava no espelho, tinha dia que aquela roupa que ontem me servia, hoje já não serve e eu não sei mais como me vestir, não sei como vestir esse corpo que tá mudando a cada semana.

Já Dália (MlrPRIV) relatou que o que mais a chamou a atenção quanto às questões corporais foi em relação à potencialidade do corpo em parir, e não necessariamente às questões estéticas. “Eu acho o corpo muito poderoso hoje. A questão da estética pra mim é quase que último plano”. Inclusive, foi ela quem achou que a natureza não iria funcionar, quando ela completou as 40 semanas de gestação e não havia sinais para o início do trabalho de parto.

No ponto da estética, Verbena (MlrPRIV) sempre se achou bonita. Inclusive, depois que passou a fase da adolescência “que é todo mundo esquisito”, ela se achava bonita por ser magra. Mesmo quando engravidou e surgiram as estrias nos seios, isso não foi um problema. Ela se sentia bem com “aquele peitão de grávida”. A questão maior foi depois do nascimento da sua bebê.

É lógico, todo mundo fala, né. Ah, porque depois que tiver filho o corpo não é mais o mesmo e não sei o quê. Mas foi um choque pra mim. Porque eu voltei no peso muito rápido, mas a barriga continua mole. O meu peito tá murcho, tá caído, né. E então, pra quem, não tinha peito nenhum, de repente

ter aquele peitão da Pamela AndersonLXXV e agora tá com o peito todo

caído, foi um pouco chocante. Ah, a própria relação com o sexo, tudo muda também, né. Muda a percepção vaginal, assim. [...] Acho que sexualmente mudou pra melhor, mas que se pensar a minha aparência, ainda tô em processo de adaptação.

A questão do pudor em relação ao corpo foi outro ponto tocado por Verbena. Segundo ela, é como se a gravidez estivesse classificada na última escala do pudor, fato que acabou ressignificando a sua própria relação com o corpo e as outras pessoas.

Eu brincava que na gravidez é a última escala do pudor, assim, porque você conversa com as pessoas sobre prisão de ventre, hemorroida [...] é um monte de exame de toque. Eu brincava: “Mais gente pegou no meu peito na maternidade do que em toda minha vida”. Porque toda hora era um tal de: “Tá saindo leite? A pega tá correta? Tá saindo leite?” E assim, é... então você tem que perder o pudor, é a sua relação com corpo e os outros.

LXXV Atriz e modelo canadense, naturalizada norte-americana, que fez parte de uma série de sucesso norte- americana nos anos 90. A referência a Pamela Anderson é por conta de seus seios fartos.

No tocante à aparência, antes de engravidar, Tulipa (MlrPRIV) havia feito um tratamento estético, frequentado a academia, feito drenagem linfática, enfim, considerou que havia conseguido deixar o corpo em forma. Quando engravidou, teve um acompanhamento de uma nutricionista. De modo que após o nascimento de seu bebê, logo voltou ao seu peso normal, mas ainda avaliava a necessidade de perder a “barriga de bexiga”. No entanto, durante a gestação, confessou que se sentiu “a mãe mais linda do mundo”.

Mas assim, nossa eu, eu me senti a mãe assim, a mãe mais linda do mundo, né assim. A auréola do peito escurecendo, a barriga crescendo, então assim, tudo isso é entender a gestação, é tão lindo, né? A auréola tá escurecendo, o peito tá crescendo porque você vai dar mamar, é um sinal que você vai tá produzindo leite, né. E a barriga crescendo, então assim, tudo muito lindo, até falava pro meu marido, tira umas fotos minhas nua porque eu quero guardar, de tão linda assim, que eu assim, não fiquei encanada em nenhum momento, ah tô gorda, tô inchada, tô acima do peso, sabe, me cobrando. Não!

Esmeralda (MlrSUS) também fez atividades físicas durante a gestação e relatou que não teve nenhum mal-estar em relação ao corpo. Em contraponto, Jade (MlrSUS) mencionou a relação dúbia que era estar grávida, pois se, por um lado, era boa a sensação de estar gerando um novo ser, por outro, passar mal devido aos enjoos era bastante desconfortável. Safira (MlrSUS) também teve enjoos durante a gravidez, mas, assim como Verbena (MlrPRIV), adorou quando os seios aumentaram de tamanho, porque eles sempre foram bem pequenos.

Entretanto, relatou um pouco de vergonha da barriga de grávida, sendo o marido o responsável por incentivá-la a mostrar mais.“Meu esposo falou pra mim: „Safira, se eu fosse você, eu iria com a minha barriga assim, mostrando para todo mundo‟. E mesmo na corrida na volta da XXXX, ele tirava a minha blusa para que eu tirasse fotos”. Como para cada uma, a experiência é única, diferentemente dos discursos expostos, Rubi (MlrSUS) relatou não ter gostado da experiência de ter uma barriga de gestante. Para ela, as mudanças no corpo foram horríveis.

Nesse ínterim, interessante foram as percepções das mulheres mães ao serem questionadas sobre o que seria corpo. Assim como Dália (MlrPRIV) considerou o corpo como “poderosíssimo”, Rubi (MlrSUS) salientou que pôde perceber o quanto ele era preparado para o parto. Tanto que nem precisou de ocitocina sintética para acelerar o trabalho de parto, mas acreditava que isso não era uma regra para todas as mulheres.

Nesse mesmo sentido, Cravina (MlrPRIV) relacionou o corpo a uma percepção de força, programado para fazer um parto.

Porque eu, ah, eu senti todas as coisas assim na hora do, no parto, eu fiquei em casa até oito centímetros, então eu senti todas as dores assim, que, que dói pra caramba. Então você sente, você sente que tá vindo um serzinho ali e você sente que o seu corpo tá preparado, se preparando pra isso. [...] Você vai parir, você nasceu pra isso. Seu corpo, não pra isso. Mas seu corpo tá programado pra isso, você pode fazer isso, né. Você é forte o suficiente pra isso. Acho que isso, isso também, essa percepção de força. Por mais que eu sempre, não sou tão fraca assim pra dor, mas no parto que eu vi que “olha, não sou tão fraca não. Não sou não”.

A surpresa de ter um corpo que foi capaz de gerar um filho foi um dos aspectos pontuados por Tulipa (MlrPRIV). Ela se mostrou impressionada como ele foi capaz de fazer isso.

Ah, um corpo que fez gerar um filho, né, é impressionante até agora eu não acredito, né. Ontem mesmo eu tava falando isso pra minha amiga, né, que trabalha junto comigo. Poxa vida, como que meu corpo fez um olho, um nariz, uma boca, né. Demora pra cair a ficha da gente, até agora não caiu. Eu fico olhando pro meu filho assim, como que o meu corpo fez isso, né? Fez formar todos esses órgãos, essa característica, né, tudo isso. É impressionante o que o corpo da gente faz, eu tô impressionada até agora o que um corpo pode fazer.

Jade (MlrSUS) faz duas pontuações. Ao mesmo tempo em que o corpo é sentimento, é amor, ele também é um corpo cansado. Segundo sua vivência, após o parto, é como se ela não tivesse mais tempo disponível para nada, a não ser para o bebê. Cravina (MlrPRIV) também salientou a percepção de que seu corpo não era mais somente seu depois do parto: “Eu acho que é bem uma coisa do antes o corpo era só meu e agora ele não é só meu”.

À medida que Esmeralda (MlrSUS) retomou uma visão mais estética do corpo – sentindo o seu da mesma forma que antes, caso não fosse o fato da barriga ter crescido um pouco – para Safira (MlrSUS), o corpo seria um conjunto de membros. Na mescla de uma funcionalidade e uma aparência, Verbena também descobriu a força de seu corpo, assim como anteriormente pontuado por Cravina (MlrPRIV). “É tanto um meio de realizar as coisas, de por em prática as coisas, como também é uma casca, é uma aparência, né. É uma imagem. Eu acho que eu descobri meu corpo mais forte do que eu sabia, antes do parto” (Verbena - (MlrPRIV).

A força do corpo é algo que permeia esse misto de sentimentos e percepções vivenciados pelas mulheres mães, e que as auxilia a refletir sobre o processo que envolve a pluralidade “ser mulher”.