4.1 – O amigo Riedel e ida ao sertão
No início do outono de 1832, Lund partiu para Hamburgo, aonde embarcaria com
destino ao Brasil. Após uma espera de várias semanas, ele finalmente zarpou em 12 de
novembro, sem imaginar que nunca retornaria à sua Europa natal. A viagem foi tranqüila.
Apenas no golfo de Biscaia detiverem-se por um dia e meio, devido ao vento contrário e
uma grande tempestade. Mas dali em diante, com vento favorável, a travessia foi rápida.
Avistaram a costa brasileira no dia 15 de janeiro de 1833, atracando no porto do Rio de
Janeiro quatro dias mais tarde.
O naturalista, então com 32 anos, foi recebido pelo cônsul-geral da Dinamarca, o
Conde Reventlow,90 que o alojou em sua casa no bairro de Botafogo, o preferido da
aristocracia da época. Lund permaneceu ali até maio, quando o conde retornou ao seu país.
Foi quando conheceu Ludwig Riedel, botânico alemão que tinha vindo ao País em 1821
com a Expedição Langsdorff (1821-1829), patrocinada pelo governo russo. Atacado por
uma febre em maio de 1828 quando estava no Pará, o Barão Langsdorff interrompeu a
expedição e voltou ao Rio. De lá, seguiu para a Europa. Riedel o acompanhou, mas em
1832 ele já estava de volta. Com o patrocínio do governo russo, queria dar prosseguimento
à expedição interrompida. Encontrava-se no Rio esperando o fim das chuvas de verão e
finalizando os preparativos para a viagem quando conheceu Peter Wilhelm Lund. Os dois
rapidamente ficaram amigos, uma amizade que atravessaria três décadas e terminaria com a
morte de Riedel, em 1861.
Em carta de 22 de maio de 1833, Lund conta ao seu orientador que ele e Riedel iriam
fazer uma viagem a Serra dos Órgãos para encontrar um local onde se fixar após a partida
do Conde Reventlow. Na falta deste local, Lund decidiu unir-se a Riedel em uma viagem
pelo interior do Brasil. A companhia de um viajante experimentado, que dominava o
idioma e conhecia os costumes locais após onze anos de Brasil facilitaria enormemente o
seu trabalho. Com a partida do conde, os amigos alugaram uma casa no Engenho Novo.
90
Frederik Ditlev, conde Reventlow (1792-1851), diplomata dinamarquês.
Em outra carta enviada a J. Reinhardt, o roteiro compreenderia atravessar a Província
do Rio de Janeiro até chegar na Província de São Paulo, que seria percorrida na direção
oeste até Goyaz, onde prosseguiriam até a cidade de mesmo nome e virando ali para o leste
na direção do rio São Francisco. Este seria transposto para iniciar o caminho de volta ao
Rio, através dos distritos auríferos da Província de Minas Geraes. A distância a ser
percorrida seria de mais de 500 léguas portuguesas (ou cerca de 3.100 km)91 com duração
de mais de um ano. O objetivo principal seria estudar a vegetação. Pouco antes de partir,
Lund conta em carta ao irmão Henrik Ferdinand que:
“só quando eu retornar ao Rio após esta viagem terei condições de decidir quanto
tempo penso ficar aqui, mas já vejo que será muito mais tempo do que havia me
proposto na Dinamarca” (REINHARDT, 1882, p.33).
Enquanto faziam os preparativos para a viagem, os dois naturalistas aproveitaram
também para realizar diversas excursões botânicas rápidas pelos arredores do Rio. O foco
de estudo era a vegetação que margeava as estradas e os caminhos, assim como aquela que
circundava casas e jardins. Em setembro de 1833, Lund enviou uma descrição detalhada
desta vegetação ao Prof. Hornemann,92 pedindo que apresentasse seu conteúdo nas sessões
da Academia de Ciências – o que Hornemann não fez. O trabalho só seria impresso em
1838 com o título Bemærkninger over de almindelige Vej- og Ukrudtsplanter i Brasilien
(Notas sobre as plantas comuns das estradas e ervas daninhas no Brasil, LUND, 1838).
Após enviarem a maior parte do equipamento por mar até Santos, os amigos deixaram
a corte em 12 de outubro de 1833, acompanhados por quatro escravos e seis mulas que
carregavam a bagagem, além das duas que lhes serviam de montaria. Um dos negros havia
participado da expedição Sellow93, sendo alforriado por testamento após a morte daquele.94
Sabemos que a expedição passou pelas cidades de Bananal e Taubaté antes de chegar a São
Paulo, onde compraram outras mulas para transportar o material vindo de Santos. A decisão
91
Uma légua portuguesa antiga equivale a 6.179,74 m.
92
Jens Wilken Hornemann (1770-1841), botânico dinamarquês, professor da Universidade de Copenhagen e
conselheiro de Estado.
93
Friedrich Sellow (1789-1831), naturalista alemão, pesquisou no Brasil e na Banda Oriental, antigo nome do
Uruguai.
94
De acordo com J. T. Reinhardt, Lund fez um diário desta viagem, que um quarto de século mais tarde deu
de presente a Eugen Warming (REINHARDT, 1882, p.34).
de transportar parte do material por mar e adquirir mulas em São Paulo foi puramente
econômica, pois os animais acabaram custando menos da metade do que os 500 rigsdalers95
cobrados no Rio. Com a tropa completa, seguiram para São Carlos de Campinas. Lá
contrataram como condutor, ou arrieiro, para a tropa de mulas um conhecido de Riedel que
havia feito o mesmo trabalho para a expedição Langsdorff. Riedel possuía o dobro dos
equipamentos em comparação a Lund, pois contava com um generoso patrocínio do
governo russo. A pesquisa botânica era o objetivo principal da viagem, sendo que do ponto
de vista zoológico, Lund se limitaria aos insetos e pequenas aves, cuja coleção resultante
ele doou ao Museu de História Natural de Copenhagen em 1839.
No mês de outubro, com o final do inverno e da estação seca, a vegetação por onde
passaram encontrava-se ressecada e parcialmente queimada. Enquanto não chegavam as
chuvas que fariam a natureza sair daquela letargia sazonal, as condições de viagem eram
duras e o calor insuportável. Nuvens de poeira erguiam-se sobre a estrada. Numa carta ao
seu orientador, Lund descreveu assim o início da viagem:
“Em toda a parte estamos rodeados por florestas queimadas, cuja fumaça do fogo
aliada à poeira da estrada ameaça sufocar-nos. Não há capim para os nossos animais,
nem água nos rios ou riachos. Tivemos que nos alimentar com milho e matar a sede
com cana de açúcar. Entretanto, após quatro dias de marcha nosso sofrimento chegou
ao fim. Alcançamos a primeira cadeia montanhosa e em sua floresta encontramos
quedas d’água para saciar a sede dos animais, e algum, embora pouco, pasto para eles.
Ali tivemos nossa primeira tempestade tropical, acompanhada por trovões terríveis.
Desde então a viagem prosseguiu mais fácil, e portanto eu tentarei lhe fornecer uma
idéia da rotina diária. De manhã, lá pelas sete horas, selávamos os cavalos e
pegávamos a estrada. Um negro seguia à frente com um fuzil e o meu tacão (sic96) (a
faca longa da qual já contei), abrindo caminho através dos ramos das árvores para nós
e os animais passarem. Como os cavalos e as mulas o seguiam, ele ia na frente e era
chamado de Capitão. Atrás deles iam mais três negros, um com o fuzil do Sr. Riedel,
um outro com o seu tacão (sic) e o terceiro com o barômetro. Finalmente nós
completávamos o comboio com as nossas mulas. Assim seguíamos até o meio-dia ou
95
Rbd., Rigsbankdaleren, moeda dinamarquesa entre 1813 e 1874. Em tradução livre, “moeda do banco real”.
96Facão.
uma da tarde. Então montávamos acampamento em um rancho, que é um galpão
aberto erguido com estacas e um telhado, que na maioria das estradas situam-se a
cada três ou cinco léguas. São construídos pela população que vive nas pequenas
fazendas das vizinhanças, que lá deixa milho para alimentar os viajantes de um dia
para o outro. Normalmente nas proximidades de um rancho se encontra uma venda:
uma pequena casa de sapê onde vendem aguardente e outros artigos como feijão,
carne seca e coisas assim. Assim que atingimos um rancho os animais são soltos para
pastar logo após descarregarmos as caixas e as malas e colocá-las sob o telhado, onde
um couro de boi estendido no chão serve ao mesmo tempo de mesa, cadeira e cama.
Dois negros vão ao mato pegar lenha para o fogo enquanto um outro vai pegar água.
Depois de aceso o fogo um caldeirão é colocado sobre ele com o nosso almoço diário,
consistindo de feijões cozidos com carne seca e um pedaço de toicinho. Nesse meio
tempo nós nos ocupamos com aquilo que coletamos e observamos, escrevendo nossos
diários, fazendo correções e checando informações. Após o almoço, deitamos para
descansar sobre o couro de boi à maneira dos romanos. Após a refeição eu geralmente
pego meu fuzil e vou para o mato e só volto com meus abates lá pelo cair da noite.
Nesse meio tempo os animais estão sendo reunidos, alimentados com milho e soltos
novamente para passar a noite. À luz da fogueira nós conversamos sobre as
dificuldades do dia, sentados no couro com uma caneca de café, até que a brisa fresca
da noite e o deus Morfeu nos lembra que devemos nos cobrir com as mantas, para só
então descer as cortinas do dia. Sob o concerto barulhento de milhares de rãs, sapos,
grilos e outros virtuoses eu logo pego no sono (apesar de terem sido necessários dez
dias para me acostumar com a brisa noturna. Tive uma violenta dor de dente que
piorou a cada dia, até que chegamos no primeiro vilarejo, onde tive a sorte de
encontrar um sujeito que nos deixou ficar num quartinho da sua casa. Dez noites de
sono naquele quartinho e a dor foi embora97). Na manhã seguinte, logo após o raiar do
dia, dois negros saíram para reunir os animais, dar a eles sua ração de milho, selá-los
97
Segundo J. T. Reinhardt, a cidade aonde Lund caiu doente foi Villa-Franca. Ainda de acordo com J. T.
Reinhardt, Lund teria tido uma febre, não uma dor de dente (REINHARDT, 1882, p.35).
e carregá-los enquanto o café fervia. Empalhei as aves do dia anterior e, como disse,
às sete da manhã estávamos novamente a caminho” (LUND, H., 1885, p.46).98
Nos primeiros 14 dias de viagem passaram por áreas de mata virgem e por distritos
cujo relevo e vegetação se pareciam com aqueles que Lund conheceu durante suas
excursões pelo Rio de Janeiro. Na pequena cidade de Pindamonhangaba, às margens do rio
Parahyba, avistaram pela primeira vez uma paisagem formada por campos, pontilhados
aqui e ali por pequenas formações de mata e floresta. O que mais impressionou o jovem
naturalista nessa ocasião foi a incrível multiplicidade de flores com as mais diversas cores,
em contraste com a escuridão da mata virgem. Após atravessarem o rio a bordo de canoas,
eles cruzaram outra serra e atingiram um planalto situado dois mil pés acima do nível do
mar. Foram recebidos por um clima mais fresco, enquanto que a mudança significativa na
vegetação forneceu subsídio para lá se deterem por dez dias. No Ano Novo entraram em
São Carlos, um ponto de parada para os comboios que seguem de São Paulo para o interior.
Lá se abrigaram de uma chuva intermitente, o que foi um alívio após a longa viagem. O
preço dos mantimentos naquela cidade era bem mais alto, especialmente aqueles
importados de outras províncias. Mas o que contribuía para aumentar as dificuldades era a
falta de meio circulante. O ouro e a prata haviam desaparecido, assim como o papel moeda.
Havia um grande número de moedas de cobre em circulação, mas apenas uma em quatro
era verdadeira. Desse modo, toda compra e venda dependia em primeiro lugar da separação
das moedas verdadeiras das falsas.
De acordo com Henriette Lund, um dos três regentes99 do império passava pela cidade
e ofereceu gentilmente toda a qualquer ajuda aos naturalistas, convidando-os inclusive para
visitar a sua fazenda. Ela ficava a umas 20 léguas de São Carlos. Aceitaram o convite e,
para chegar lá, atravessaram uma planície na qual nenhum europeu havia pisado. “Sua
Excelência”, como Lund se referia ao senador Vergueiro, os recebeu com atenção e
intimidade, esforçando-se por tornar a estadia agradável. Sua família era educada, o que fez
Lund se lembrar do seu círculo de amizades cultas e cordiais da Europa, assim como o
98
Tradução nossa do dinamarquês.
99
Era o senador Nicolau de Campos Vergueiro, proprietário de Sesmaria na região de Araraquara. Fez parte
da Regência Trina Provisória (abril-julho de 1831), também formada pelo brigadeiro Francisco de Lima e por
José Joaquim de Campos, o Marquês de Caravelas. Naquele momento, Vergueiro não era mais regente. Todos
haviam sido substituídos pelos membros da Regência Trina Permanente (1831-1834).
motivo pelo qual se encontrava naquelas paragens: a pesquisa científica. Por toda parte, as
extensas florestas da região estavam repletas de árvores derrubadas de todas as espécies,
com ramos cheios de flores e frutos, cuja coleta de espécimes por si só fez a visita valer à
pena. Partiram de lá com uma carta de apresentação que poderia ser útil no futuro sempre
que atravessassem regiões desconhecidas ou pouco habitadas. Apenas dois dias se passaram
e eles se viram naquele que os brasileiros chamam de “sertão”,100 que Lund descreveu
numa carta à sua família:
“Planícies intermináveis com uma superfície muito ondulada espalham-se até o
horizonte, onde parecem limitadas por uma serra, que não é nada mais do que a
superfície ondulada, que é o mais longe que os olhos alcançam. Estas planícies são
cobertas por capim,101 e por toda a sua extensão, através da qual andamos até o arraial
de São Bento d’Araquara (sic102), este tapete de capim é composto apenas por duas
espécies, uma das quais é muito parecida com a nossa aveia, misturada com outra que
atinge a altura de doze a vinte pés. Como aqui é outono o capim está amarelado e
semeando, fazendo com que tudo se pareça com os nossos campos de aveia no
período da colheita. Geralmente estas planícies são nuas de árvores. Apesar disso elas
podem surgir em pequenos grupos mirrados de 20 a 50 pés de altura. Elas
proporcionam alguma alteração ao cenário de colinas cobertas e depressões de mata,
que se completam com um pantanal esverdeado freqüentemente coberto por arbustos
ou mata.
Após um longo período, no qual nos encontrávamos no interior da escura mata
virgem, aquela paisagem se tornou bonita. Para mim, ela era encantadora nos
primeiros três a cinco dias. Mas ao longo dos dias e das semanas não havia mais nada
para se olhar, não se encontrava nestes campos nenhum abrigo contra o sol
escaldante. Some-se a isto o fato de que não achamos quase nada para as nossas
coleções e vocês irão entender quão estafantes foram as três semanas que gastamos
nesse caminho. O que contribui sobremaneira para dar a estes sertões uma aparência
desolada foi o fato de não se achar nenhum traço do engenho humano. Em quase
100
“Deserto” (Orken), no original.
101
Capim-gordura (GORCEIX, 1885, p.17).
102Araraquara.
nenhum lugar se via um ser humano. Aqui e ali nestas extensas planícies havia
fazendas, nas quais o dono vive da criação de gado. Mas como encontrar estes locais?
Quando acontece de encontrarmos um homem que nos indica o caminho, nós o
tomamos e alcançamos uma fazenda antes do cair da noite, aonde as nossas privações
e sofrimentos findam. Quase sempre éramos recebidos com hospitalidade e supridos
com os mantimentos necessários por um bom preço ou até mesmo grátis. Se não
encontrávamos ninguém para nos mostrar o caminho, passávamos a noite ao relento,
às margens de um pequeno riacho” (LUND, H., 1885, p.51).103
Seguindo viagem chegaram a vila de São Bento de Araraquara. Procuraram um lugar
para pousar, sendo levados a um grande barracão onde arriaram a bagagem. A primeira
providência foi mandar os escravos comprar mantimentos, mas não era possível conseguir
nada em toda a vila, e a tentativa de conseguir algo nas fazendas vizinhas também não deu
resultado. Decidiram seguir viagem, mas Riedel, em função do cansaço e de alguma
comida que não lhe fez bem, caiu doente com febre, preso ao leito por nove dias.
Finalmente ficou melhor, e eles abandonaram com prazer aquela residência miserável.
Seguiram para oeste na direção do próximo objetivo, a Villa Franca, e após oito dias de
viagem penetraram na mata densa que flanqueia as margens do rio Pardo. Lund escreve:
“Levamos três dias para atravessar aquela floresta que flanqueia o rio e finalmente
chegar nas suas margens. A grande massa de água corria tranqüila através da floresta
escura e quieta. A visão é impressionante, mas não pode ser apreciada sem medo.
Naquela estação, quando as águas recuam, as margens são notoriamente conhecidas
por seu clima insalubre, que provoca febre maligna, e a aparência dos habitantes da
comarca 104 com certeza confirma essa opinião. Para nosso azar, todos os nossos
revigorantes, como café, aguardente, açúcar e assim por diante, haviam acabado, e
para tornar a nossa situação ainda pior caiu uma forte tempestade com um aguaceiro
que durou toda a noite. Nosso abrigo era um telhado de folhas seguro por troncos de
palmeira, no qual a chuva caia de todos os lados. Nesse meio tempo, tentamos nos
proteger da melhor forma possível com uma grande fogueira que foi acesa no meio do
103
Tradução nossa do dinamarquês.
104
Lund escreve a palavra Egnens, literalmente “do distrito”, em português.
abrigo. Os canoeiros que deveriam nos atravessar apareceram no começo da noite,
anunciando a sua chegada com o som de um berrante ao longe que, combinado com o
eco da floresta e o silêncio total que nos rodeava, criou um efeito mágico. Eram
mulatos e negros seminus. Deixamos que eles enchessem seus estômagos vazios ao
lado do fogo, aonde se acomodaram e nos entretiveram uma boa parte da noite com as
histórias infantis sobre todos os monstros que deveriam se alimentar nas profundezas
do rio” (LUND, H., 1885, p.53).105
No dia seguinte eles cruzaram o rio e seguiram por uma mata fechada até Franca.
Nesta parte da viagem tiveram que vencer dificuldades, sendo a pior delas a falta de
suprimentos. Apesar disso, Lund escreve:
“Em termos geográficos e considerando estarmos num planalto, esta parte da viagem
foi interessante, porque aquele lugar ainda não havia sido visitado por nenhum
viajante; mesmo os mapas mais recentes estão cheios de erros, e nenhuma marcação
de altitude foi estabelecida” (LUND, H., 1885, p.54).106
Lund esperava poder descansar em Franca após o duro trajeto, mas foi subitamente
atacado por uma febre,107 cuja persistência ele acreditou ter sido causada pelas noites ao
relento, pela chuva, pelo vento e pela fria brisa noturna. Ao invés de alimentos frescos, teve
que comer carne seca, o que não era segundo ele comida para um doente. A expedição
permaneceu em Franca por seis semanas, sendo que duas ou três semanas já haviam sido
perdidas em Araraquara devido a uma doença de Riedel. O atraso acumulado fez com que
decidissem abandonar a idéia de seguir até a cidade de Goiáz e optarem por cruzar a
fronteira da Província de Goiáz para, em Catalão, pegar um atalho até a cidade de Paracatu,
a poucas léguas da fronteira com Minas Geraes. Este trecho iria durar dois meses, durante
os quais eles percorreram mais de 100 léguas portuguesas.108
Em 17 de setembro de 1834, seguiram para sudoeste na direção do rio São Francisco.
Ao passarem por uma seção mais larga do rio, Lund descreveu-a deste modo:
105
Tradução nossa do dinamarquês.
106Idem.
107
Diferentemente da febre descrita à sua família e relatada por sua sobrinha, Lund se refere a esta passagem
na carta a J. Reinhardt como tendo sofrido uma violenta dor de dente.
108
Cerca de 620 quilômetros.
“Enormes bancos de areia cobertos por um tapete de mato baixo se espalhavam como
um oceano diante de nós. Nem a mínima elevação interrompia a superfície horizontal,
que tinha apenas pequenas variações pelos numerosos cupinzeiros brancos e
arredondados aliados, aqui e ali, por pequenas porções de mata que ocupavam as
partes pantanosas das margens. Aonde o terreno afundava minimamente, as
depressões estavam cheias de água como se para restaurar a horizontalidade do
terreno, e por causa dos lagos maiores e menores, elas contribuíam para tornar aquela
paisagem monótona ainda mais bela” (LUND, H., 1885, p.55).109
Sob um sol abrasador e no meio de uma água fétida e insalubre, andando por aqueles
lagos o naturalista fez uma farta coleta de aves aquáticas. Nuvens de mosquitos
No documento
tel-00289537, version 1 - 21 Jun 2008
(páginas 77-93)