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O adimplemento substancial no Unidroit Principles of Internacional Commercial

2. O adimplemento substancial no direito estrangeiro

2.10. Direito internacional

2.10.2. O adimplemento substancial no Unidroit Principles of Internacional Commercial

Contracts

Além da Convenção de Viena, urge analisarmos os princípios atuais que regem os contratos internacionais dispostos no Unidroit Principles of Internacional Commercial Contracts 1994, publicado pelo International Institute for the Unification of Private Law, já aprimorado na sua versão de 2004, publicada em abril do referido ano95 que versam sobre o tema, objeto de estudo do presente trabalho.

Esses princípios são resultado de grupos de organizações internacionais e centros de arbitragem, tais como United Nations Commission on Internacional Trade Law (UNCITRAL), o ICC International Court of Arbitration, o Milan Chamber of National and International Arbitration e o Swiss Arbritation Association que foram convidados pela primeira vez, em 1994, para analisarem a aspiração comercial do mercado comercial internacional, a fim de estabelecer determinadas regras transacionais que se aplicassem aos contratos internacionais.

Após dez anos da vigência do Unidroit Principles of Internacional Commercial Contracts 1994, a sua versão de 2004 traz inovações, com a inclusão de cinco capítulos, mas as alterações fundamentais podem ser resumidas nas seguintes: (i) inclusão de dois novos parágrafos no seu preâmbulo, os quais tratam a respeito da aplicabilidade do Unidroit Principles e como eles devem ser usados para interpretar e completar as leis (respectivamente, parágrafos quarto e sexto); (ii) o estabelecimento expressamente do Princípio da Boa-fé e da negociação justa (good faith and fair dealing), fazendo referência à doutrina do abuso de direitos; (iii) a instituição de um novo capítulo sobre o comportamento inconsciente de um

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dos contratantes (artigo 1.8.); e (iv) ainda estabeleceu e reformulou alguns artigos para normatizar as relações jurídicas oriundas os contratos eletrônicos.

Em relação ao tema específico do presente trabalho – adimplemento (performance) – a versão de 2004 do Unidroit Principles não apresentou mudanças quanto às regras do inadimplemento, da extensão apresentada ao adimplemento substancial e aos deveres das partes diante desse acontecimento. Assim, as regras anteriormente dispostas em 1994 foram novamente mantidas, a fim de manter a regulamentação quanto aos limites do inadimplemento e o limite do interesse legítimo do credor em recusar determinada prestação ou mesmo dos deveres deste em mitigar os impactos negativos oriundo do inadimplemento.

Os dispositivos referentes a esta matéria conjugam para precisar o adimplemento substancial como norma de salvaguarda do direito do credor e do dever do devedor, bem como da satisfação de ambos os interesses. Dessa forma, é imperiosa a análise dos artigos que tratam do tema para demonstrar esse preceito. Para iniciar, é necessária a abordagem do Capítulo 5 (Content and Third Party rights), mais especificamente o artigo 5.1.6, que embora não trata especificamente de adimplemento substancial, aborda mais aspectos qualitativos da prestação a ser ofertada pelo devedor e aceita pelo credor, nos exatos termos a seguir dispostos: “Article 5.1.6. (Determination of quality of performance) Where the quality of performance is neither fixed by, nor determinable from, the contract a party is bound to render a performance of a quality that is reasonable and not less than average in the circumstances.”

Pela tradução livre do artigo acima transcrito, observamos que no âmbito internacional é exigida a qualidade na prestação fixada, sendo esta encarada dentro dos limites razoáveis, ao passo que se esta não foi fixada no contrato, nem determinada sua forma, a parte contratante é obrigada a executar a obrigação com qualidade razoável e não inferior do padrão médio advindo das circunstâncias de determinado programa contratual.

Essa exigência é importante, pois a satisfação do interesse do credor está intimamente ligada à qualidade da prestação ofertada, sendo vedada a resolução do contrato quando a obrigação executada estiver revestida de qualidade suficiente para possibilitar ao credor a obtenção de benefício útil daquela.

Destarte, o credor não terá direito de recusar a obrigação prestada, se esta for executada de forma a atender a qualidade nos critérios mencionados, configurando-se como a parte mais importante da prestação, em detrimento da parte mínima descumprida. Por vezes ainda, há a prerrogativa do devedor em atraso no cumprimento da obrigação de ainda tentar o seu adimplemento se o credor conceder um prazo suplementar para adimpli-la, com o objetivo de finalizar, satisfatoriamente, o programa contratual, afastando qualquer indício de inadimplemento, por mínimo que seja. Essa regra estipulada no Unidroit Principles, no artigo 7.1.5. revela o dever do credor em mitigar os impactos negativos oriundo do inadimplemento, sendo similar ao sistema alemão “Nachfrist”, anteriormente abordado, na medida em que se a parte da prestação ainda a cumprir não fizer parte da essência da obrigação, o término do contrato apenas será possível se no fim da dilação do prazo concedido pelo credor, não houver seu efetivo cumprimento e desestabilizar a obrigação fundamental, caso contrário mesmo o devedor não realizando a parte mínima da prestação em aberto, não caberá resolução do contrato, mas sim ressarcimento ao credor pelas perdas e danos desta inexecução mínima.

Ainda no referido artigo 7.1.5., inserido no Capítulo sobre inadimplemento, os sub-itens 3 e 4 trazem expressamente a estruturação do adimplemento substancial no Unidroit Principles, exigível nos contratos internacionais, verbis:

“(3) Where in a case of delay in performance which is not fundamental the aggrieved party has given notice allowing an additional period of time of reasonable length, it may terminate the contract at the end of that period. If the additional period allowed is not of reasonable length it shall be extended to a reasonable length. The aggrieved party may in its notice provide that if the other party fails to perform within the period allowed by the notice the contract shall automatically terminate.

(4) Paragraph (3) does not apply where the obligation which has not been performed is only a minor part of the contractual obligation of the non-performing party.”

O item (4) deve ser analisado em conjunto ao item (3), na medida em que este confere a condição de que se o descumprimento alcançar uma obrigação não fundamental do contrato, o credor pode conceder um prazo suplementar para execução desta, e caso o devedor não a

execute no tempo concedido, apenas e tão somente, após esse prazo é facultada a resolução automática do contrato. Frisamos que a hipótese deste dispositivo legal abarca duas condições: (i) inexecução de obrigação não fundamental do contrato e (ii) prerrogativa do credor em conferir dilação do prazo para cumprimento.

Essa última prerrogativa acaba por reverter também uma tutela jurídica ao devedor que poderá, se ambas partes contratantes estiverem imbuídas de boa-fé, ser beneficiado pela concessão da dilação do prazo para cumprir satisfatoriamente a prestação acordada no contrato. Esse aspecto é importante, pois esse diploma internacional também se preocupa com o lado da parte inadimplente, o que mais claramente poderá se observar na análise do artigo 7.1.3. adiante comentado.

Sob estas condições, o item (4) prevê a hipótese de adimplemento substancial ao determinar que a prerrogativa do credor em extinguir o contrato não se aplica se a inexecução da prestação consistir em obrigação mínima do programa contratual. Com essa restrição, o sistema do Unidroit Principles vedou expressamente o arbítrio do credor em resolver o contrato, caso o descumprimento refira-se apenas a uma parte mínima da obrigação contratual. Note que mais uma vez o sistema internacional traz à baila o conceito de obrigação fundamental para delimitar o exercício legítimo da parte adimplente em resolver o contrato – nos mesmos termos do artigo 25 da Lei Internacional sobre Vendas. E não é por acaso.

Com essa repetição da exigência da configuração do inadimplemento de obrigação fundamental é reforçado concretamente que a resolução do contrato no âmbito internacional só caberá se o prejuízo do inadimplemento gerado for de tal monta que inviabilizar sensivelmente o objeto do contrato, sendo este prejuízo imprevisível. O fundamento da obrigação essencial é destacado reiteradamente, porquanto que a gravidade da ausência do seu cumprimento é instrumento aniquilador de toda a expectativa do cumprimento do programa contratual, ensejando frustração direta no interesse do credor. Não se poderia permitir a violação de obrigação fundamental, sem resolver o contrato, pois isso geraria instabilidade no princípio pacta sunt servanda.

Assim, de um lado, o sistema internacional proclama a obrigatoriedade da resolução em caso de inexecução de obrigação fundamental em razão da força imperativa oriunda do contrato, contudo, de outro lado, existe a temperança da manutenção do contrato se a obrigação descumprida representa parte mínima da prestação. Essa questão é deveras séria, ao passo que o Unidroit Principles estabeleceu a regra de exceção para invalidar cláusulas contratuais reguladoras das sanções pelo inadimplemento, se a natureza destas forem totalmente injustas, exatamente como dispõe o artigo 7.1.6., verbis:

“Article 7.1.6 (Exemption clauses) – Terms regulating the consequences of non-performance are in principle valid but the court may ignore clauses which are grossly unfair.”

Para o objetivo deste artigo, as cláusulas excludentes (“exemption clauses”) são, a primeira vista, aquelas que diretamente limitam ou excluem a responsabilidade da parte inadimplente na hipótese de inadimplemento, tendo em vista a mensuração da sua gravidade em cada caso concreto. A validade dessas cláusulas é, em um segundo momento, considerada com base naquelas que permitem a parte contratante executar uma prestação substancialmente, mesmo que de maneira diferente da esperada pela outra parte. Na prática, essas cláusulas são aquelas cujo propósito ou efeito permite uma parte, unilateralmente, executar uma prestação distinta daquela acordada no início do contrato, de tal maneira que transforme o contrato, mas não sua essência, isto é, sem desnaturar a obrigação fundamental.

Entretanto, uma cláusula que limita ou exclui a responsabilidade do inadimplente ou permite a outra parte prestar uma obrigação substancialmente, mas diferente daquela prevista não poderá ser invalidada se for injusto seu fundamento, tendo em consideração o objeto do contrato. A construção deste princípio reflete a tutela jurídica do devedor mas até o limite em que a satisfação do interesse do credor não fique comprometida pela proteção conferida ao inadimplente.

E a tutela jurídica do devedor também é contemplada no direito do credor de resolver o contrato, cuja prerrogativa está intimamente dependente do inadimplemento fundamental, ou seja, se na hipótese de inadimplemento por uma parte, a outra tem o direito de terminar o contrato, dependendo da gravidade da violação das obrigações recíprocas. Por um lado, o

adimplemento pode ser tardio ou mínimo que a parte inocente não pode lidar com isso com seus objetivos próprios ou individuais. Sob esta ótica, é importante contemplar a questão de que a extinção do contrato poderá ocasionar sérios prejuízos para o inadimplente que não será reembolsado pelas despesas de preparação e execução da obrigação. Por essas razões, conforme o artigo 7.3.1. (Right to terminate the contract) da Seção 3 (Termination) do Unidroit Principles, estipula que a parte inocente poderá extinguir o contrato apenas se o inadimplemento da outra parte for fundamental, ou seja, concreto e essencial e não meramente de menor importância. Essa norma incorpora as hipóteses de inadimplemento substancial, ensejando, assim, por exclusão das hipóteses a seguir elencadas os casos caracterizadores do inadimplemento substancial, nos seguintes termos:

“Article 7.3.1

(1) A party may terminate the contract where the failure of the other party to perform an obligation under the contract amounts to a fundamental non-performance.

(2) In determining whether a failure to perform an obligation amounts to a fundamental non- performance regard shall be had, in particular, to whether

(a) the non-performance substantially deprives the aggrieved party of what it was entitled to expect under the contract unless the other party did not foresee and could not reasonably have foreseen such result;

(b) strict compliance with the obligation which has not been performed is of essence under the contract;

(c) the non-performance is intentional or reckless;

(d) the non-performance gives the aggrieved party reason to believe that it cannot rely on the other party’s future performance;

(e) the non-performing party will suffer disproportionate loss as a result of the preparation or performance if the contract is terminated.”

Pelas previsões contidas no artigo acima, apenas será considerado inadimplemento fundamental que enseja a resolução contratual se (a) o inadimplemento privar, substancialmente, a parte inocente daquilo que ela estava disposta a receber da execução do contrato, a menos que a parte inadimplente não pudesse prever tal resultado (imprevisibilidade); (b) a obrigação descumprida estritamente é a essência do contrato; (c) o

inadimplemento é proposital ou culpável pela negligência ; (d) o inadimplemento confere a parte inocente motivos para acreditar que não será mais possível confiar na outra parte na prestação futura; (e) a parte inadimplente irá sofrer um prejuízo desproporcional como resultado da prestação ou execução do contrato, se este fosse terminado. Essa última passagem é uma concreta demonstração da preocupação desta ordem jurídica internacional em empregar condições que visem mitigar os impactos negativos oriundo do inadimplemento sob a ótica da parte inadimplente.

A tutela jurídica do devedor chega a atingir seu ápice na estrutura do Unidroit Principles consoante a previsão do artigo 7.3.2. que retira o direito da parte inocente em resolver o contrato, mesmo se a prestação é executada tardiamente ou não conforme as previsões contratuais, se ela não enviar à outra parte uma notificação dentro de um prazo razoável após a previsão do cumprimento, o qual ela está aguardando. Em outras palavras, se a prestação está prevista para ser cumprida em 01 de abril e até 10 de abril, por exemplo, o credor não teve conhecimento da sua execução, ele deve encaminhar a notificação, sob pena de ser compelido a aceitar a prestação após esse período.

O critério de razoabilidade aqui não tem mensuração numérica, não existe período de dias exatos corridos ou horas ou qualquer outra medida de tempo. Trata-se exatamente da razoabilidade exigida por este artigo que traz essa previsão nos termos abaixo transcritos:

“Article 7.3.2 (Notice of termination)

(2) If performance has been offered late or otherwise does not conform to the contract the aggrieved party will lose its right to terminate the contract unless it gives notice to the other party within a reasonable time after is has or ought to have become aware of the offer or of the non-conforming performance.”

Com efeito, esse instrumento deve ser utilizado dentro dos ditames da boa-fé para não tornar um mecanismo de isenção de responsabilidade por parte do inadimplente, sob argumentos injustos, ou seja, para não se transformar na “exemption clauses” previstas no artigo 7.1.6. Outrossim, essa abertura do sistema do Unidroit Principles precisa ser aplicada com muita cautela, pois além da necessidade de tutela ao devedor no sentido de mitigar os efeitos

negativos do inadimplemento, também há satisfação do interesse do credor que está em jogo no momento do inadimplemento. Dessa forma, é imperioso conjugar essas duas tutelas – uma ao inadimplente e outra à parte inocente – pois destemperança em qualquer um deles também não é frutífera na seara dos negócios jurídicos.

Nessa busca pelo restabelecimento do equilíbrio ocasionado pelo inadimplemento, com o escopo de tutelar de forma equânime e concomitante os interesses do inadimplente e do adimplente, será fundamental a consciência clara do retrato do inadimplemento de uma obrigação fundamental e de uma parte mínima, para ser possível a utilização exata dos mecanismos dispostos nos dispositivos legais do Unidroit Principles, a fim de evitar quaisquer distorções nos conceitos retro retratados. Por conseguinte, a resolução exigível no descumprimento de obrigação fundamental é legítima para evitar que a parte adimplente tenha que realizar a contraprestação devida, mesmo não sendo beneficiado pela prestação do essencial da obrigação. Se o contrato não fosse resolvido, certamente haveria um desequilíbrio ocasionado pela satisfação integral do interesse do inadimplente contra a ausência de qualquer satisfação do interesse da parte adimplente. Por outro lado, no adimplemento substancial há a prestação da parte essencial da obrigação, restando apenas uma parte mínima a ser cumprida. Assim, os interesses da parte adimplente são satisfeitos substancialmente, sendo a resolução neste caso instrumento acéfalo de utilidade, pois além de afrontar a tutela jurídica do inadimplente, não estaria resolvendo também a satisfação do adimplente em relação à parte mínima da obrigação que não se cumpriu.

Ao desenvolver os conceitos e instrumentos contidos em cada artigo do Unidroit Principles transcrito acima, ventilando desde a configuração do cumprimento da obrigação em termos de adimplemento (artigo 5.1.6.), a retratação pura do adimplemento substancial (artigo 7.1.5) em relação à limitação do inadimplemento fundamental, a outorga e a vedação de cláusulas contratuais que limitem ou legitimem, injustamente, as sanções de inadimplemento, com a visão final da tutela jurídica concedida à parte inadimplente até em termos bem liberais adaptados na dinâmica da ordem internacional, depreendemos que os feixes desse sistema são superiores, por retratarem disciplinas inovadoras que visam tutelar de forma equânime tanto a parte adimplente como a parte inadimplente. Sob este prisma, ambas são vistas como partes legítimas de direitos e obrigações, cujas diferenças ocasionadas pelo inadimplemento e pela

sua gravidade, são equacionadas de forma a atender a satisfação dos interesses dos contratantes mas calcados na razoabilidade e no princípio da boa-fé, sendo seu estandarte principal o equilíbrio do programa contratual, seja pela manutenção deste ou pelo seu restabelecimento.

Capítulo II

O adimplemento substancial no sistema jurídico pátrio