• Nenhum resultado encontrado

1.3 Teses sobre justificação testemunhal

1.3.3 O antirreducionismo

Embora, por um lado, Paul Faulkner alegue que “o antirreducionismo é de longe a

mais comum posição epistemológica”,112 por outro lado Axel Gelfert assegura que o

antirreducionismo “pode, de fato, ser entendido como a posição epistemológica mais básica”.113

Disputas à parte, fato é que o antirreducionismo tem sido a tese mais amplamente aceita na literatura atual. Essa tese é atribuída a Reid (1785) e assumida por Coady (1992; 1994), Austin (1979), Evans (1982), Welbourne (1979), Ross (1986), Hardwig (1985), Burge (1993 e 1997), Plantinga (1993), Stevenson (1993), Foley (1994), Dummett (1994), Strawson (1994), Goldberg & Henderson (2006), Williamson (1996), Millgram (1997), Goldman (1999), Insole (2000), Rysiew (2002), Miranda Fricker (2003), Weiner (2003), Lackey (2006b, 2008), Sosa (2006), Graham (2006a), Schmitt (2008), Gelfert (2009 e 2014), Müller (2010), entre outros.

Ao tratar de antirreducionismo, vale ressaltar que existe uma ampla gama de princípios sobre os quais essa tese se desdobra: Direito Presumido Padrão (Reid - 1764); Garantia da Verdade (Coady - 1992); Princípio de Aceitação (Burge - 1993); Argumento Transcendental (Stevenson - 1993); Abertura Crítica Reflexiva (Fricker - 2003) e Princípio de Aceitação Testemunhal (Weiner - 2003).

Portanto, há muitos moldes de antirreducionismo, muito embora o que todos eles têm em comum é o seu compromisso com a tese da não necessidade da redução de crenças testemunhais a outros tipos de fontes epistêmicas não-testemunhais, sem excluir a tese da possibilidade da redução.

A estratégia dessa posição é não requerer que sejam oferecidas razões positivas para justificação testemunhal, bastando que não existam razões contrárias, quer seja sobre a credibilidade da testemunha quer seja sobre o testemunho em questão. A tese das razões contrárias se refere a derrotadores (defeaters), ou seja, quaisquer evidências disponíveis ao

agente cognitivo que contrariem as condições de validade para a justificação.114

112 FAULKNER, 1998, p. 311. 113 GELFERT, 2014, p. 99.

114 Uma definição de Condição de validade (competência e sinceridade) pode ser encontrada em FRICKER, 1994,

FAULKNER, 2000; LACKEY, 2006b. Há na literatura uma espécie de classificação de tipos de derrotadores, ou seja, o derrotador psicológico [cf. MCDOWELL, 1994; HAWTHORNE, 2004] e derrotador normativo [cf. PLANTIGA, 1993; POLOCK, 1986]: a diferença entre eles é explicada por LACKEY, 2008, p. 253-263.

É necessária especial atenção para com a função normativa da cláusula ausência de razões contrárias exigida nessa tese: essa cláusula tem correspondência direta com a possibilidade da ocorrência de derrotadores que podem, a seu modo, revogar a justificação testemunhal: de um lado, o ouvinte não necessita, embora seja possível, dispor de razões positivas; de outro lado, no entanto, o ouvinte necessita da ausência de razões contrárias para

aceitar um testemunho.115

Em outras palavras, tudo o que é necessário para a crença do ouvinte estar justificada é que seja baseada no testemunho do falante. Desse modo, outras considerações, tais como razões adicionais, não são necessárias para gerar justificação testemunhal. Com isso, o antirreducionismo não está afirmando que esta justificação testemunhal inicial é sempre suficiente para o conhecimento: testemunho é falível, e uma justificação testemunhal inicial da crença pode ser derrotada por outras considerações que o ouvinte possa exercer sobre a

confiabilidade de uma afirmação em questão.116

O antirreducionismo parte do argumento central de Reid a favor do testemunho como fonte irredutível de conhecimento e justificação, dada sua paridade a outras fontes básicas, tais como percepção, memória, raciocínio e inferência indutiva. Para Reid, de modo

particular, na aquisição do conhecimento “a percepção das coisas externas pelos nossos

sentidos, e as informações que recebemos por testemunho humano não são os menos

consideráveis: tão notável é a analogia entre esses dois”.117

Desse modo, dada a pressuposição da equivalência, resguardadas as significativas diferenças, o testemunho é considerado, analogamente, uma fonte básica: “testemunho, assim entendido, é um entre uma série de fontes fundamentais do conhecimento e não é de estranhar

que o antirreducionismo seja, portanto, às vezes, também referido como ‘fundamentalismo’”.118

Como já foi dito, existem tipos de concepções justificacionistas testemunhais pelas quais crenças testemunhais são consideradas razoáveis, ou seja, à primeira vista justificada, por definição.

Uma versão irrestrita do testemunho pode ser entendida assim:

115 Cf. GOLDBERG & HENDERSON, 2006, p. 607. 116 Cf. GELFERT, 2014, p. 100.

117 REID, 1764, VI, xxiv. 118 KUSCH, 2002a, p. 37.

De acordo com uma versão irrestrita, qualquer coisa que alguém diga sobre tudo é, na ausência de contraindicações, digno de crença. Tem sido argumentado que, se um falante sabe que p e diz que p, então (sob certas condições típicas) seu ouvinte vem a saber que p também.119

De outro lado,

De acordo com uma versão mais restrita, isto se dá apenas em determinadas circunstâncias adequadas e que a afirmação de A de que p fornece boa razão para crer que isto é o caso. Por exemplo, se for conhecido (ou, pelo menos, razoavelmente acreditado) que alguém esteja ou tenha estado em posição de ver alguma coisa, isso tende (a menos que seja substituído por outros fatores) a tornar seu testemunho sobre isso credível.120

Resguardadas as várias especificidades quanto à tese antirreducionista, temos: Uma crença testemunhal que p, adquirida através de aceitação de parte do testemunho sobre p, não precisa ser suportada por outras crenças sobre características testemunhais [em vista de sua justificação, nem requer] crenças no sentido de que uma parte do testemunho foi sincero e competente ou, de outra forma, provável que seja verdade.121

Dessa maneira, fundamentada nas alegações supracitadas, mutatis mutandis a formulação poderia ficar da seguinte forma:

O ouvinte - S - está justificado em acreditar em p com base no testemunho oferecido pela testemunha - T - se, e somente se, S não tem razões contrárias

para aceitar o testemunho de T.122

Como todas as outras teses envolvidas nesse debate, o antirreducionismo, por sua vez, não ficou isento de críticas; entre as mais expoentes análises contra o antirreducionismo em geral estão: Elizabeth Fricker (1887), Peter Lipton (1998), Martin Kusch (2002a) e Duncan Pritchard (2004); já a respeito das críticas aos princípios específicos evocados sob a égide

antirreducionista estão: Elizabeth Fricker (1994, 1995, 2002, 2006a, 2006b e 2006c) – contra a

Garantia da Verdade de Coady (1992); Elizabeth Fricker (1994, 2006b e 2006c) – contra o Princípio de Aceitação de Burge (1993); Duncan Pritchard (2005) – contra o Direito Presumido Padrão de Reid (1764).

119 STEVENSON, 1993, p. 430 [grifo nosso]. 120 Ibidem, p. 430 [grifo nosso].

121 FAULKNER, 2011, p. 8 [grifo nosso].

122 Essa formulação expressa através do bicondicional é aquela encontrada em maior escala na literatura para

expressar a tese antirreducionista conservadora. No entanto, existe também outra versão mais enfraquecida expressa através do condicional simples. Porém, essa versão parece desinteressante porque qualquer filósofo na disputa a endossaria.