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1.3 Teses sobre justificação testemunhal

1.3.2 O reducionismo local

Nem todas as tentativas de redução têm que ser de caráter global, defendem principalmente Peter Lipton e Elizabeth Fricker. Deste modo, dada a impossibilidade de uma redução global, é possível, ainda assim, buscar fornecer um modelo de redução que atue em casos específicos de ocorrências testemunhais: é notório na literatura e, há que ser considerado, que o refinamento da posição reducionista global tem ganhado destaque no debate sobre

justificação testemunhal – estamos falando do reducionismo local.104

A estratégia dessa posição, desenvolvida por Elizabeth Fricker, é apontar para uma explicação de justificação local, examinando a questão da justificação de nova maneira, para cada crença individual, de tal modo que para uma crença estar ou não justificada precisa ser determinada em uma base particular e não, pelo contrário, decidido por simplesmente reconhecer a crença como eficiência de um mecanismo de formação de crença mais geral. Esse é o mecanismo que norteia a tese do reducionismo local.

Nesse sentido, o reducionismo local pretende se constituir, a princípio, como uma forte ameaça ao antirreducionismo:

Minha confiança em um testemunho particular reduz localmente somente se eu tenho fundamentos adequados para tomar meu informante como digno de confiança nesta ocasião, independentemente de aceitar como verdadeira aquela sua fala em específico. (É claro que testemunho baseado em mera confiança em outras pessoas fará parte do conhecimento de fundo que eu trago para a ocasião. O ponto da distinção local/global está em separar esses fatores em minha situação epistêmica).105

Ao exposto, corrobora Fricker:

Eu quero [...] argumentar que, mesmo se houver um tal direito presumido em crer no que é dito, sem evidências de confiabilidade, a sua importância para explicar a base sobre a qual normalmente humanos adultos experientes, por vezes, legitimamente confiam em testemunho é insignificante, uma vez que qualquer tal direito em crer sem nenhuma evidência é simplesmente suplantado por evidências relevantes em posse de um ouvinte adulto normalmente experiente.106

Diante do que foi apresentado até o momento, podemos compreender a tese do reducionismo local da seguinte maneira:

104 O estudo mais elaborado sobre as nuances do reducionismo local foi feito por INSOLE (2000). 105 FRICKER, 1995, p. 404.

Para estar justificado em crer em uma coisa particular que me disseram, eu devo ter evidência da confiabilidade desse falante com relação a essa ocorrência de testemunho, onde essa evidência não dependa desse testemunho.107

Assim, mutatis mutandis as afirmações supracitadas poderiam ser entendidas da seguinte forma:

O ouvinte - S - está justificado em acreditar em p com base no testemunho oferecido pela testemunha - T- se, e somente se, S tem razões positivas não- testemunhais para aceitar que T em particular é confiável quanto ao relato em particular.

A exigência da posse de razões positivas não-testemunhais por parte do ouvinte ao

aceitar o testemunho do falante continua conforme proposto pelo reducionismo global.108 No

entanto, a diferença, especificamente, dessa posição advogada por Fricker é que, a fim de aceitar a justificação testemunhal de um falante, o ouvinte deve ter razões positivas adicionais que não podem elas mesmas estar baseadas no testemunho em ocorrência, ou seja, no relato particular em questão: “parte da evidência do ouvinte para a confiabilidade do enunciado atual pode vir de testemunho que não seja o enunciado atual. Apenas a confiança no atual enunciado é excluída”.109

Desse modo, segundo Fricker, alguns, mas nem todos, os testemunhos nos dão justificação padrão; assim, ela não rejeita totalmente o testemunho como fonte de crença justificável, devido ao que ela denomina de restrição do senso comum (commonsense constraint), ou seja, o testemunho é, pelo menos de vez em quando, uma fonte de crença justificada.110 No entanto, segundo os críticos, aqui reside um enorme problema: conciliar,

dentro de uma posição filosófica unitária, uma visão baseada na confiança simples testemunhal com a tese da necessidade da redução testemunhal – eis uma querela que os críticos exigem ser resolvida por Elisabeth Fricker.

Outra contenda não menos complexa é a de que a especificação feita por Fricker, sobre seu reducionismo quanto ao testemunho em particular, deve-se ao fato de que um ouvinte, na maioria das vezes, tem razões positivas de fundo para acreditar num determinado falante

107 WEINER, 2003, p. 258. 108 Cf. LACKEY, 2010b, p. 764. 109 Ibidem, p. 258. 110 Cf. FRICKER, 1995, p. 397.

RL

sobre temas específicos – como, por exemplo, o “holocausto judaico” – mas não em outros – como, por exemplo, a “libertação dos judeus da Babilônia”.

Justamente aqui reside o problema da determinação pois, dado que há tipos distintos de testemunho, sua classe é demasiadamente heterogênea. Não é óbvio que tipo de critério usaríamos para determinar que um testemunho pertença a um tipo e não a outro; isso parece tornar o esforço de explicar a justificação de crenças testemunhais com base em indução

algo difícil de ser cumprido.111

Não somente por essas abstrusas questões, mas, inclusive, por outros motivos mais complexos a tese frickeana recebeu inúmeras críticas: Christopher Insole (2000), Martin Kusch (2002a), Matthew Weiner (2003), Jennifer Lackey (2005), Peter Graham (2006b), Duncan Pritchard (2006), Sanford Goldberg & David Henderson (2006), Axel Gelfert (2009) e Igor

Douven & Stefaan Cuypers (2009) – nos ocuparemos dessa tarefa na segunda peça desta tese.

Como visto, o reducionismo local tem a pretensão de oferecer um meio termo no debate sobre o status epistêmico de crenças baseadas em testemunho. Isso é fruto, em parte, do reconhecimento da ineliminabilidade prática do testemunho como fonte de conhecimento, embora não reconheça, necessariamente, que esse reconhecimento esteja vinculado a uma visão de aceitação padrão, segundo a qual existe uma garantia irredutível acerca do testemunho.

Objetivamos na segunda peça desta pesquisa, mostrar, justamente, que a tentativa frickeana em responder à aferrada irresolução do debate entre o reducionismo global e o antirreducionismo fracassa: mesmo que a tese de Fricker seja uma defesa dos poderes críticos e beneficiários do testemunho, junto a sua intuição de exercer seu direito de rejeitar racionalmente o testemunho quando apropriado, em última análise, a proponente parece não cumprir com êxito as suas próprias metas; sua posição não justifica a racionalidade da rejeição, nem consegue fornecer uma redução testemunhal de maneira razoável.

Desse tema nos ocuparemos, de fato, mais adiante, quando na oportunidade buscaremos construir uma análise que vise uma compreensão, pormenorizadamente. Veremos quais críticas são atribuídas à tese do reducionismo local, defendida por Elizabeth Fricker e em que sentido tais julgamentos podem ser considerados pertinentes.