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O ato de decisão judicial e uma concepção positivista-retórica

1 O ATO DE DECISÃO JUDICIAL: O JUIZ É UM SER HUMANO

2 O ATO DE DECISÃO JUDICIAL: ENTRE A MODERNIDADE E A PÓS MODERNIDADE

2.3 O ATO DE DECISÃO JUDICIAL E SUAS TRÊS LINHAS ESTRATÉGICAS

2.3.1 O ato de decisão judicial e uma concepção positivista-retórica

Um esboço de ato de decisão judicial sintonizado com os problemas que cercam a pós-modernidade demanda uma melhor demarcação da concepção de positivismo aqui adotada. Uma concepção de feitio retórico. Uma compreensão atenta às contribuições de João

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WARAT, Luis Alberto. Introdução Geral ao Direito III. O Direito não estudado pela teoria jurídica moderna. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1997, p. 107-120.

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WEBER, Max. Economia e Sociedade – Fundamentos da sociologia compreensiva. v. II. Tradução: Regis Barbosa e Karen Elsabe Barbosa. Revisão técnica de Gabriel Cohn. Brasília-DF: Editora Unb; São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 1999b, p. 187-192 e 194-196.

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PASSOS, José Joaquim Calmon de. Direito, poder, justiça e processo. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000,

passim.

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VILANOVA, Lourival. Causalidade e relação no direito. São Paulo: RT, 2000, p. 361.

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Maurício Adeodato438. Uma conceituação de caráter retórico analítico, mas não divorciada por completo de uma ontologia linguística. Tanto mais bem traçada fique tal concepção, mais preciso será o esboço do ato de decisão judicial que aqui se deseja oferecer.

Quando se utiliza aqui a expressão direito positivo, esta deve ser compreendida como direito dogmático, sendo este também o entendimento do referido professor pernambucano. Isso se deve ao fato de que o vocábulo positividade e suas deduções “têm levado a equívocos na literatura jurídica, sendo empregado em sentidos diversos, tais como os de vigência, validade, eficácia, efetividade”439440. Por isso, compreende-se aqui direito dogmático como uma das formas que o direito positivo pode se apresentar, ao passo que, por direito positivo, entende-se todo o direito posto, pelo Estado ou não, atual ou histórico441.

Desta forma, torna-se possível inferir que, por ato de decisão judicial, estende-se o ato do magistrado inserido no contexto do direito dogmático, vez que este constitui uma das formas que o direito positivo pode assumir. Esse direito positivo, enquanto direito dogmático e considerado em seu plano epistemológico, é útil ao ato de decisão judicial à medida que o organiza e delimita-lhe a extensão.

Diante disso, torna-se importante, para a confecção do esboço do ato de decisão judicial, definir, com uma maior riqueza de detalhes, os elementos que compõem o direito positivo, tomado em sua concepção retórica. A importância de saber quais são esses elementos é a de, a partir deles, já poder se vislumbrar, com maior proximidade, o esboço do ato de decisão judicial que se pretende delimitar.

O primeiro desses elementos é a circunstância de que uma concepção positivista- -retórica do direito toma obrigatoriamente por espeque textos predeterminados, em conformidade com uma variedade de critérios de competência estabelecidos pelo próprio sistema jurídico. É a partir de tais textos que se elaborará o ato de decisão judicial.

O segundo é o de que uma concepção positivista-retórica do direito estabelece circunstancialmente o significado e alcance de seus termos, combatendo-lhes a ambiguidade e a vagueza442. O estabelecimento desse significado e desse alcance não é apenas determinado

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ADEODATO, João Maurício. Ética e Retórica. Para uma teoria da dogmática jurídica. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 324-325.

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Ibidem, p.206.

440

Acerca da distinção entre eficácia, pertinência e validade, consultar NEVES, Marcelo. Teoria da

inconstitucionalidade das leis. 1.ed. São Paulo: Saraiva, 1988, p. 49-52. 441

ADEODATO, Op. cit., 2006, p.206.

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Em atenção à lição de Robert Alexy, ambiguidade é a expressão que apresenta vários conteúdos semânticos, ao passo que, por vagueza, compreende-se a dificuldade de assimilar dois ou mais vócabulos distintos que aparentam apresentar o mesmo significado. Cf. ALEXY, Robert. Teoria da Argumentação Jurídica – A teoria do discurso racional como teoria da fundamentação jurídica. Tradução: Zilda Hutchinson Schild Silva. Revisão técnica da tradução e introdução à edição brasileira: Cláudia Toledo. São Paulo: Landy, 2005, p. 187-188.

de forma semântica ou sintática, mas também pragmática. O que revela, uma vez mais, a importância do ato de decisão judicial, vez que este também contribui para delimitação dos textos utilizados. Sendo certo que o texto interfere no ato de decisão judicial, também é certo que este influencia aquele.

O terceiro elemento dessa concepção positivista-retórica do direito é a circunstância de se construir uma argumentação a partir das referidas determinações de sentido e alcance dos textos. Uma argumentação encadeada que tem por escopo o convencimento de todos os envolvidos no processo. Argumentos tanto escorados em silogismos quanto amparados em exemplos443. Nesse sentido, então, o ato de decisão judicial é uma construção argumentativa.

O quarto elemento, por sua vez, é a sugestão de uma decisão para cada conflito processual. Uma decisão voltada à persuasão dos que a ela estão submetidos. Uma decisão que, portanto, deve ter a capacidade de despertar a crença dos envolvidos, interpretar e se aproveitar dos discursos por eles produzidos durante o processo e inventar um julgamento ideologicamente verossímil444.

O quinto e último elemento, por seu turno, de uma concepção positivista-retórica do direito é o propósito de fundamentar e obter legitimidade para o ato de decisão judicial assim construído.

Com tais elementos desenha-se o plano epistemológico dessa concepção positivista-retórica do direito aqui proposta. Esse plano é o primeiro de tal concepção, e pode ser chamado de retórica real ou material. Uma retórica que percebe o ato de decisão judicial como ato edificado a partir da linguagem, dos meios de significações, do contexto no qual está inserido o magistrado. O ato de decisão judicial em conformidade com a retórica material é ato linguístico, de descrição compreensível445 dos eventos446, consciente da condição humana de significar por intermédio do discurso. Ato, portanto, inserido na única realidade do ser humano, a linguagem.

443

REBOUL, Olivier. Introdução à retórica. Tradução: Ivone Castilho Benedetti. São Paulo: Martins Fontes, 2004, p.XIV-XXI.

444

WARAT, Luis Alberto. Introdução Geral ao Direito I. Interpretação da lei: temas para uma reformulação. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1994, p. 107-120.

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Ao contrário da descrição, a experiência do evento real é incompreensível e intransmissível por meio da linguagem. Logo, não é objeto do ato de decisão judicial.

446

FERRAZ JR. Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito: técnica, decisão e dominação. São Paulo: Atlas, 2007, p. 253.

O segundo plano dessa concepção positivista-retórica é o plano metalinguístico447, o plano da dogmática jurídica propriamente dita. Plano que, conforme já foi destacado, é apenas uma das percepções do direito positivo, com ele não se confundindo. Esse plano consiste no conjunto de conhecimentos, de diversas ordens, que viabilizam a compreensão e a utilização dos elementos descritos no primeiro plano, e que, por consequência, também objetiva analisar o ato de decisão judicial. Trata-se, portanto, do plano que define as regras do jogo, regras que orientam o ato de decisão judicial.

Confere-se, aqui, a esse plano a denominação de retórica prática ou retórica

estratégica. Tal plano ensina como se deve proceder com o ato de decisão judicial diante da

retórica material, vez que contém as técnicas e experiências eficientes para agir com o ato de decisão judicial. Tal plano, portanto, constitui a estratégia do ato de decisão judicial, à medida que compreende os discursos desenvolvidos ao longo do processo, aproveita-se dos argumentos neste expendidos, persuade os envolvidos acerca da verossimilhança da decisão, e compreende o ato de decisão como uma construção argumentativa, oratória, hermenêutica, heurística e pedagógica448.

O terceiro e último plano dessa concepção positivista-retórica do direito e do ato de decisão judicial é o plano metodológico. Este plano volta a descrever as relações entre os dois níveis anteriores e com eles se entrelaça. Analisa o ato de decisão judicial a partir das abordagens e estratégias argumentativas utilizadas pelos dois outros níveis, de sorte a compreender como são construídas e como funcionam tais estratégias. Em suma, esse plano observa e descreve o ato de decisão judicial em sua feição retórico-analítica449.

Diante da concepção positivista-retórica aqui desenhada, resta melhor enquadrado o ato de decisão judicial. Contudo, não se deve concluir que o ato de decisão judicial é um ato previsível, holístico, muito menos construído sobre certezas, apesar dos planos que foram delimitados. Tais planos não visam um ato de decisão judicial que retome uma busca pela verdade e que aspire uma nova racionalidade sistêmica.

O ato de decisão judicial que aqui se pretende apresentar é ato sempre casuístico, heterogêneo, diferenciado, complexo e desconstruível. E que, por isso, se aproveita da retórica, se utiliza de argumentos, se vincula ao caso e às suas aporias. Um ato que resulta de um procedimento, que tem caráter mutável, que se adapta às circunstâncias da cena

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ADEODATO, João Maurício. Ética e Retórica. Para uma teoria da dogmática jurídica. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 325.

448

REBOUL, Olivier. Introdução à retórica. Tradução: Ivone Castilho Benedetti. São Paulo: Martins Fontes, 2004, p.XIV-XXII.

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processual, que é controlado pelo poder, selecionado por uma ideologia. Um ato que se volta ao convencimento, mas que não perde a sua índole violenta. Por conseguinte, um ato comprometido com os problemas da contemporaneidade.