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4. FORMAÇÃO DE PROFESSORES

4.3 O Círculo de Estudos como possibilidade

Na linha do item anterior e do que se preconiza para a formação contínua de professores em FMC, que se resume na necessidade de implicação do professore na sua própria formação e na procura de caminhos inovadores, o Círculo de Estudos, apresenta-se como a modalidade que nos parece mais adequada e em sintonia com aquelas finalidades e com este projecto na sua globalidade. De facto, a modalidade de Círculo de Estudos38 apresentou-se, desde logo, como o ideal contexto de formação, possibilitador da criação e recriação dos percursos formativos individuais e de grupo. Como nota Pacheco (2008), «o projecto [do Círculo de Estudos], qualquer que seja,

38 Em http://www.ccpfc.uminho.pt/ encontra-se disponível o enquadramento do Círculo de Estudos na

Formação Contínua de Professores em Portugal. Este enquadramento legal esteve na base da implementação que agora se apresenta.

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denuncia uma invariante: a da formação para a complexidade. No círculo, o futuro existe como uma ideia difusa que é necessário não simplificar e não há preocupação apenas com o encontrar de soluções imediatas e eficientes» (p.44). Esta modalidade

formativa permite assim assumir, à partida, o tom unificador deste trabalho: o caminhar «construindo uma itinerância que se desenvolve entre a errância e o resultado,

frequentemente incerto e inesperado, das nossas estratégias» (Morin, Motta, &

Ciurana, 2004, p. 28).

Da nossa experiência pessoal, o Círculo de Estudos é ainda visto com alguma desconfiança por uma parte significativa de professores, que encaram esta modalidade como estando para além das suas necessidades de serem formados. Esta última expressão subentende a necessidade de um “professor” que sabe mais, na perspectiva de formação tradicional. Ora o Círculo de Estudos pode ser definido, como o faz Pacheco (2008) como um «grupo reduzido de pessoas que se reúne para discutir em conjunto,

mas sem professor, uma matéria, de forma organizada» (p.28). Nesta obra, o autor

refere que o cerne inovador será, provavelmente, o não haver "professor" – são os participantes que definem problemas, recolhem informações, buscam conhecimentos. «No exercício de uma permanente dialogia, penetram o tema de estudo, relacionando-o

com a sua própria experiência e concretizando-o, ou exercitam em conjunto as suas aptidões, ou realizam um pequeno projecto‖ (Vaalgarda, & Norbeck, 1986, citado em

Pacheco, 2008, p. 26).

Ainda em Pacheco (2008) é feito um historial da prática do Círculo de Estudos que situa o seu surgimento no norte da Europa no início do século XX no contexto da formação social (grupos de formação cívica, sindicatos, etc). A ideia de círculo no contexto da profissão docente teve, segundo o autor, origem em grupos de docentes que, espontaneamente, se reuniam para reflectir de forma sistemática e organizada, sobre a sua prática.

Pensar um Circulo de Estudos dentro desta temática apresentou-se-nos, à partida, como sendo do interesse generalizado dos professores, por um conjunto de razões: a) a pertinência do tema (dada a inclusão de FMC nos actuais programas), b) a necessidade de formação (os professores não se sentem preparados para leccionar FMC), c) a modalidade atractiva (Círculo de Estudos) e d) a questão da progressão (para progredir na carreira os professores precisam de realizar parte da formação no âmbito da sua área disciplinar específica). Porém, para a eleição do Círculo de Estudos como a possibilidade mais adequada no quadro legal da formação contínua em Portugal, estão ainda duas outras ordens de razões. Uma relacionada com a natureza dos conceitos envolvidos e a outra com as metodologias para os abordar, como passaremos a justificar.

Em primeiro lugar existem os problemas associados ao desenvolvimento dos conteúdos em si mesmos. Tratando-se, em grande parte, de conceitos estranhos à nossa vivência diária, a sua apropriação terá de ser afrontada. Tradicionalmente, quer na formação inicial quer na formação contínua, a nossa experiência e percepção (confirmadas por este estudo), mostra não se tratar de um verdadeiro desenvolvimento, já que a formação não corresponde a uma verdadeira construção de conhecimento nem é acompanhada de apropriações identitárias. Esta situação projecta-se, inevitavelmente,

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para a sala de aula e para o desenvolvimento da profissionalidade. Neste quadro, parece- nos fundamental para professores deste nível de ensino, uma formação que permita construir significados neste domínio do conhecimento e, ao mesmo tempo, uma consciencialização da sua importância no mundo em que vivemos. Para o desenvolvimento destes temas torna-se relevante uma busca em torno dos quadros de racionalidade do nosso tempo, dos processos de construção do conhecimento e uma consciencialização das nossas próprias formas de ver o mundo.

Em segundo lugar, mas não menos importante, estão os processos segundo os quais se concebe a formação. As metodologias são um aspecto importantíssimo a ter em conta, se se pretende ir para além do formalismo ou de uma exposição histórica internalista e factual. A construção de conhecimento próprio e a projecção na contemporaneidade requerem, segundo o nosso ponto de vista, uma metodologia aberta e flexível, que privilegie a relação única de cada indivíduo/professor/formando com o contexto em que se encontra, nos seus mais variados aspectos. Este requisito leva-nos a aceitar os desafios da complexidade, enquanto forma de ver o mundo e enquanto via de formação e pesquisa. Trata-se de abarcar um método que seja, ao mesmo tempo, caminho e invenção de caminho, estratégia e possibilidade, tentativa e encontro, viagem e travessia, pesquisa e descoberta, seguindo o pensamento de Edgar Morin, como encontraremos na primeira epígrafe da Segunda Parte.

Uma tal formação vista como viagem e, sobretudo, viagem sem ponto de regresso porque tem implícita a transformação (segundo o sentido dado por Serres, 1993), também não pode ter um centro, um sol emanador de luz, metáfora para o formador na formação tradicional. Ela deverá possuir outro foco abrangendo um espaço universal, como no terceiro instruído (Serres, 1993)39. Defende-se aqui uma diversidade de elementos e processos formativos que sejam, essencialmente, geradores de confronto com vista à construção de conhecimento, ideia emergente em Schön (1996). Nesta ideia de multidimensionalidade, do sujeito, de sujeitos, de contextos, está subjacente o

pensamento complexo, aquele que resulta de “tecer em conjunto”, num processo retroactivo, recursivo e dialógico (Morin, 2002a).

Esta formação descentrada encontra eco na interpretação do Círculo de Estudos que é feita em Pacheco (2008), e onde interessa reter algumas orientações, fundamentais para um desenho nesta modalidade:

«Uma concertação prévia entre formando e formador, compreendendo uma

negociação sobre o projecto e os meios que pode desembocar num contrato pedagógico;

Uma desestruturação do grupo que permite elaborar itinerários diferenciados, de respeitar os ritmos de aprendizagem, de multiplicar as abordagens pedagógicas e de repensar as articulações grupo-indivíduo;

Uma nova articulação objecto ensinado-aprendiz-formador, na qual o formando se transforma em actor [e autor] da sua formação e o formador em "acompanhante";

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Um novo modo de avaliação (...) de certificação, de regulação e de orientação» (Aballea & Froissart, 1988, citado em Pacheco, 2008, p. 32).

Parece-nos, em suma, de toda a pertinência este carácter participativo do Círculo de Estudos em temas de FMC. Uma formação de professores que vise a construção de significados, a projecção na contemporaneidade e que se abra à complexidade preparará, como hipótese de trabalho, para um melhor desenvolvimento profissional e para a autonomia, com melhores resultados ao nível da sala de aula. Mas pode conter em si, ainda, potencial para, mais do que enfrentar as dificuldades didácticas com que este domínio se depara, ser, ao mesmo tempo, geradora de novas dinâmicas, nomeadamente ao nível da construção de conhecimento didáctico e da formação. É aqui que o nosso Círculo de Estudos encontra nova justificação e pertinência.

No momento em que se consolida em Portugal o ensino de Física Moderna e Contemporânea (FMC) no Ensino Secundário, com particular incidência na Física do 12º ano, colocam-se as questões de saber que novas perspectivas podem ser dadas pela investigação em Didáctica, com que exigências se depara a formação de professores e qual o contributo que pode ser dado por estes na definição de novas práticas lectivas e de formação. Aqui se situará o problema desta investigação. Conceber tal formação, num cenário metodológico concordante, assumiu neste trabalho esta dupla vertente: através do percurso formativo, contribuir, por um lado, para abordagens alternativas de tópicos de FMC, mais concordantes com a contemporaneidade, numa linha de inovação didáctica; por outro lado, contribuir para a definição de modelos de formação subsidiários desta nova Didáctica. Trata-se de conciliar o domínio da Didáctica com o da Formação de Professores, com atenção às possibilidades de estes dois domínios serem mutuamente subsidiários.

Em sintonia com o enquadramento desenvolvido nesta primeira parte, o pressuposto de base deste trabalho é o de que a educação se deve abrir à contemporaneidade, começando na formação de professores. Ao mesmo tempo, a educação deve projectar-se nesta mesma contemporaneidade, no sentido da construção identitária e da acção.

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Segunda Parte: Estudo Empírico

Este capítulo desenvolve o estudo empírico realizado no contexto de um percurso de formação contínua de professores para o ensino da FMC no nível Secundário.

Dando, ao mesmo tempo, relevância aos conteúdos e aos processos de formação, parte- se de um problema investigativo aqui enquadrado para a concepção de um método de cariz investigação/formação/acção, que se fundamenta. Esta proposta é alicerçada na complexidade e constitui-se como alternativa à actual formação de professores neste domínio. Coloca-se, à partida, a hipótese de que esta formação pode ser potenciadora de inovações didácticas.

É apresentada a metodologia que suportou o estudo, depois do que são definidas as ideias a privilegiar, as perspectivas e as estratégias gerais de formação. De seguida são descritos e caracterizados o contexto e os participantes no estudo, bem como as práticas desenvolvidas e os instrumentos utilizados para a recolha de dados.

Da análise dos dados obtidos, que se apresenta, resulta um conjunto de possíveis conclusões do ponto de vista formativo dos professores, de produção de materiais e de carácter mais geral, no âmbito dos contributos para a formação e o ensino e aprendizagem.

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«O método

(estratégia para o conhecimento e a acção num caminho que se inventa)

O método/ caminho/ ensaio/ travessia/ pesquisa e estratégia não pode reduzir-se a um programa e muito menos à constatação de uma vivência individual; na realidade, estamos perante a possibilidade de encontrar nos pormenores da vida concreta e individual, fragmentária e dissolvida no mundo, a totalidade da sua significação aberta e fugaz».40

«Enganar-nos-íamos se acreditássemos na gnoseologia circular, centrada unicamente no dador de luz, como faz crer a palavra recherche, cuja raiz designa um círculo, ou mesmo a palavra enciclopédia, mais sábia e mais transparente. Não, existe no céu um segundo foco, situado longe do sol. A sabedoria funciona, de facto, elipticamente, como Kepler afirmou outrora acerca do sistema planetário». Michel Serres41

40 Morin, Motta, & Ciurana (2004, p. 21).

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