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Uma animação em vídeo: A experiência da dupla fenda com electrões

1. APRE(E)NDER PELOS SENTIDOS

1.3. Uma animação em vídeo: A experiência da dupla fenda com electrões

O título dado a este item corre algum risco porque desafia e afronta abertamente aquilo que é, muitas vezes, tido como um perigo de certas utilizações didácticas de descrições, modelos, esquemas ou histórias, em que se incorre na possibilidade de os alunos atribuírem à matéria características humanas (em que o exemplo mais claro são as relações de amor ou ódio entre iões na ligação química). Ou ainda, de atribuírem ao mundo microscópico as propriedades dos corpos macroscópicos como foi já identificado neste trabalho como uma das concepções alternativas em Mecânica Quântica. Porém, admitimos como possível que representações visuais, metáforas ou personificações, na forma de animação ou outra, quando adequadamente trazidas para a sala de aula, possam ser um contributo importante na atribuição de significado e construção de conhecimento pelos alunos. Podem servir de processo para criar uma ordem e um significado pessoais, no processo de aprendizagem.

Abordaremos aqui a experiência da dupla fenda com electrões, considerada por Richard Feynman como uma das experiências cruciais para uma abordagem ao mundo quântico no contexto didáctico (Feynman, 2000). O mesmo foi defendido por Amaral, (2008).

i) a experiência

Em 1803 Sir Thomas Young realizou a famosa experiência da dupla fenda com a qual demonstrou o carácter ondulatório da luz. Neste caso, a luz ao atravessar duas fendas difracta-se, dando origem a um padrão de interferência num alvo (como no exemplo da Figura 17).

179 Figura 17: Interferência da luz na experiência de Young89

Davisson e Germer, em 1927, imaginaram uma versão com electrões da experiência da dupla fenda de Young e fizeram incidir um feixe de electrões sobre um cristal de níquel com duas fendas90. O resultado desta experiência ainda hoje está no centro das polémicas em torno da interpretação da Física Quântica. O que verificaram aqueles cientistas foi que os electrões, tal como os raios X ou outra radiação, se

difractavam, apresentando num anteparo um padrão de interferência.

Esta experiência, e os seus resultados surpreendentes, estiveram na base da hipótese das características ondulatórias da matéria, atribuída a De Broglie, muito depois do contexto da conhecida polémica entre Huygens e Newton no contexto da natureza da luz. Mas o próprio Einstein em 1909 já declarava: «Penso que o próximo

passo da Física teórica nos trará uma teoria da luz que possa ser interpretada como uma espécie de fusão da teoria ondulatória e da teoria de emissão [corpuscular]»

(citado em (Pais, 2004).

Um vídeo da experiência, de fácil visualização em sala de aula, está acessível para download em Hitachi (2008). Acompanhar ao longo do tempo, a princípio imperceptível, o aparecimento do padrão de interferência, desperta os sentidos, a curiosidade e a perplexidade, interesse e desejo de conhecimento, efeito que pode e deve ser utilizado com os alunos.

Esta experiência teve importantes desenvolvimentos, face a este resultado. Para excluir a hipótese de que os electrões pudessem, de algum modo, interferir entre si, ela foi realizada projectando os electrões um a um sobre a placa das duas fendas. Na montagem experimental não é possível saber por qual das fendas passa cada um dos electrões. De novo os resultados são surpreendentes: os primeiros electrões parecem ter impactos pontuais, aleatórios. Depois, pouco a pouco, vê-se desenhar-se um padrão de interferência91, característico das ondas (Figura 18).

89 Fonte: http://www.a-levelphysicstutor.com/wav-light-inter.php

90 Ainda, e sendo certo que o belo também está presente na ciência, é interessante realçar que esta

experiência inclui a lista, elaborada em 2002 pela revista "Physics World" do Instituto de Física britânico, das mais belas experiências de Física (Fiolhais, 2009) e que, afinal, as experiências em Física também podem ser classificadas segundo a sua beleza.

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Figura 18: Resultado da experiência das duas fendas feita com electrões numa sequência temporal92

Numa outra variação da experiencia da dupla fenda, pode fazer-se passar electrões apenas por um das fendas. Neste caso não se verifica padrão de interferência. Porém, quando, com duas fendas abertas, e através de dispositivos experimentais, se tenta averiguar por qual das fendas passou cada um dos electrões, o padrão de interferência é destruído. Este é um dos resultados mais intrigantes. A experiência foi repetida ao longo do tempo com diferentes tipos de partículas: neutrões, átomos (Al- Khalili, 2003) e até com grandes moléculas de carbono como o C60 e o C70 (Arnt, 1999)93.

A experiência realizada com electrões é sugerida no Programa de Física do 12º ano do currículo português, nos seguintes termos:

«Analisar a experiência da difracção de feixes de electrões de Davisson e Germer, por analogia com a experiência de Young para a luz, e concluir que ela permitiu validar experimentalmente a hipótese da natureza ondulatória da matéria proposta por De Broglie. O Postulado de De Broglie é o equivalente para a matéria da relação de Planck e Einstein para a radiação. Na relação de De

92 Fonte: Hitachi (2008) e disponível em http://www.hitachi.com/rd/research/em/doubleslit.html

93 Uma abordagem da experiencia da dupla fenda com electrões é feito em Rodgers (2002) desde uma

resenha histórica com referência a pioneiros e episódios estranhamente pouco conhecidos até ao seu interesse actual por exemplo na área da nanotecnologia e também o seu interesse pedagógico.

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Broglie intervém o comprimento de onda (que remete para a natureza ondulatória) e o momento linear (que remete para a natureza corpuscular) de uma partícula. De modo a evidenciar que o carácter ondulatório da matéria é indetectável para objectos do dia-a-dia, determinar o comprimento de onda associado a um objecto macroscópico em movimento e a um electrão (com uma energia de alguns KeV) e comparar os valores.

Referir que foi a natureza dual da matéria que esteve na origem da formulação do Princípio de Incerteza, para o qual não existe um análogo clássico. Enunciar o Princípio de Incerteza e explicitar o seu significado. Esse princípio tem relevância na descrição de fenómenos à escala atómica, sendo essa descrição do âmbito da mecânica quântica. Deve realçar-se que os modelos formulados no início do século XX estiveram na base desta nova área da física, que se aplica a fenómenos microscópicos onde as teorias clássicas falhavam. A teoria quântica foi motor do desenvolvimento tecnológico ao longo do século XX e continua a sê-lo no nosso século» (Programa de Física 12º ano, 2004).

Uma animação em vídeo é uma possibilidade de abordagem em sala de aula para a experiência da dupla fenda com electrões.

ii) a animação

No Trabalho Final do grupo (AL1,AB1,IS1) a Dualidade Onda-Partícula, é explorada a partir de um conhecido vídeo, disponível no canal ReptilianShapeshifte do YouTube, e cuja origem se perde nas sucessivas publicações livres da webb: Dr

Quantum-Double Slit Experiment94, onde os electrões são apresentados em animação possibilitando a visualização das condições da experiência e os resultados decorrentes. Dr Quantum é um personagem animado que, ao longo de pouco mais de cinco minutos, vai guiando o espectador através dos mistérios da experiência da dupla fenda.

De acordo com o trabalho apresentado pelo grupo, “esta abordagem permite

tirar partido do potencial mobilizador e facilitador da imagem, apresentada num discurso simples e directo, acessível aos alunos”. O grupo sugere na sua planificação a

transposição do vídeo para uma banda desenhada ou um slidshow para permitir uma maior interacção do aluno com a informação, com os outros alunos e com o professor.

Todo o vídeo juntamente com o texto que o acompanha é bastante expressivo na forma como comunica a estranheza do comportamento da matéria nesta experiência, bem como na representação das condições da experiência. No Quadro 38 é feito um resumo do filme com referência aos passos principais e a ilações feitas em vários

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momentos. Salienta-se a linguagem simples, assente também nas perplexidades do espectador («Oquê??!! Um padrão de interferência??!!...Não faz sentido…» 2m33s) , o que o leva a ver como natural a dificuldade em entender o mundo quântico. De facto, a experiência e os seus resultados é apresentada por um narrador que assume o ponto de vista do espectador, que ainda não conhece os resultados e que se espanta com eles, e não do cientista que tem, à partida, uma expectativa em relação aos acontecimentos.

Esta grande expressividade foi considerada na discussão final do Círculo de Estudos como de grande potencial comunicativo também para o confronto com as ideias prévias que os alunos possuem, nomeadamente no que respeita ao comportamento corpuscular e ondulatório da matéria. Também se torna clara a existência de personificações e outros processos estilísticos próprios da comunicação

Questões subjacentes à interpretação estão implícitas. No caso do surgimento do padrão de interferência para os electrões é referido que “o electrão interfere consigo

próprio” (3m22s); no caso do comportamento corpuscular é referido que “o observador provoca um colapso da função de onda só por observar” (4m59s).

Por fim, referiremos que a utilização deste vídeo em sala de aula requer uma discussão aberta com os alunos sobre as limitações de um desenho animado na descrição da realidade. O filme é, por si, bastante elucidativo da estranheza da realidade quântica e da separação conceptual que é necessário fazer entre o mundo macroscópico e o mundo microscópico. Mesmo assim isso deve ser discutido com os alunos. Assim sendo, estes aspectos poderão não constituir constrangimentos, antes tornarem-se, eles próprios, actividades de consolidação.

A principal questão a esclarecer neste domínio é, quanto a nós, a de que a realidade subatómica não é observável pelos sentidos nem a ela podem ser dados atributos macroscópicos de onda e partícula.

A questão da dualidade onda-partícula (assim formulada no programa de Física do 12º ano) transporta em si a tentativa de aproximar, consoante as evidências, a uma onda ou a uma partícula o comportamento da matéria ao nível quântico. Porém, estes conceitos foram construídos com base na nossa experiência e observação do mundo macroscópico, familiar aos sentidos. O princípio da complementaridade, mesmo apresentado ao nível do ensino secundário, enfrenta, portanto, o dilema da apresentação das ideias abstractas por um lado e da necessidade de recorrer aos conceitos familiares de onda e de corpúsculo, por outro.

Perante esta dificuldade de representação e, como refere Klein (D'Espagnat e Klein, 1994, p. 47), “temos que renunciar à física em banda desenhada e aprender a

lidar o melhor possível com as ideias abstractas”, assumindo a impossibilidade de

representação no domínio quântico. Mas, na mesma obra (p. 253) reconhece que não é necessário banir toda e qualquer forma de representação, fazendo a apologia da importância pedagógica dos modelos, imagens e formas várias de metáforas, ainda que haja a necessidade de os submeter a um impiedoso trabalho iconoclasta.

183 Dr Quantum e a Experiência da Dupla Fenda com Electrões

O filme começa por assumir a estranheza da Física Quântica. Depois, o espectador vai sendo igualmente advertido para a estranheza do comportamento da matéria.

Em primeiro lugar é chamada a atenção para o comportamento de corpos macroscópicos (corpúsculos) ao serem projectadas através de duas fendas: atingem um anteparo em duas regiões, consoante a fenda que atravessaram

Pelo contrário, as ondas criam um padrão de interferência, devido a sobreposições construtivas e destrutivas

Ocorre aqui uma mudança de cenário para penetrar no mundo microscópico: e se se possuir um canhão que dispara electrões, é de esperar que se verifique o aparecimento de duas faixas

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O espanto resulta de um padrão de interferência ser, supostamente, característico das ondas!

Os físicos que, de acordo com o filme são ―pessoas espertas‖, colocaram a hipótese de, de algum modo, os electrões interferirem uns com os outros e originarem o padrão. Para a confirmar, tiveram a ideia de projectar os electrões um de cada vez

A explicação é dada colocando a hipótese de o electrão interferir consigo próprio, sendo o seu comportamento descrito por uma função de onda, correspondente a uma sobreposição de estados (o electrão passa por ambas as fendas, não passa por nenhuma, passa por uma ou/e passa por outra)

O filme recorre à animação para tornar possível ―espreitar‖ e ver por qual das fendas passa o electrão

Aqui o padrão de interferência desaparece. É feita a personificação: o electrão decide portar-se de modo diferente, como se tivesse a noção de estar a ser observado. O filme adopta a explicação de que o observador provocou o colapso da função de onda, pelo acto de observar.

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A utilização deste vídeo em sala de aula carece desta consciencialização e desta competência por parte dos professores. Como ficou claro no debate final com os professores, não se trata de apresentar o comportamento da matéria em banda desenhada

mas antes utilizar um processo para realçar a estranheza do universo quântico. Em

sala de aula, como nesta formação, a exploração de formas de representação como esta animação ajudam a dar corpo a representações da realidade.

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