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3. COMO SE EXPRESSAM AS DIFERENÇAS? AS DEFINIÇÕES DE EQUIDADE E

3.1. DESIGUALDADES EM SAÚDE: O QUE É JUSTO E O QUE É INJUSTO

3.1.3. O Caráter Social do Processo Saúde-Doença

Segundo Barata (2009) o conteúdo político, o conceito de injustiça social e a importância atribuída aos direitos humanos, que estão presentes nas desigualdades sociais, são por vezes reduzidos às diferenças entre indivíduos ou grupos sociais definidos segundo características biológicas. A autora afirma que é importante dar ênfase ao papel que as desigualdades sociais têm no processo de produção de saúde e de doença nas populações.

Tratar simplesmente dos conceitos de igualdade ou desigualdade é comparar situações sem atribuir juízo de valor àquilo que é igual ou desigual, pois, os grupos sociais possuem grandes diferenças e variações de características. Mas, como apresentado anteriormente, quando se trata de igualdade ou desigualdade social o fator “justiça social” é incluído na discussão: existem diferenças que são injustas porque estão associadas a característica sociais que, sistematicamente, colocam alguns grupos em desvantagem com relação às oportunidades de ser e se manter saudável. Essas diferenças injustas são determinadas pelo nível de riqueza, pelo acesso à educação, ocupação, pela etnia/raça, gênero e condições de moradia e trabalho.

Segundo o documento Análise de Situação de Saúde (2015), as desigualdades sociais em saúde são documentadas desde a Grécia Antiga, mas, a partir do século XIX, as condições políticas e sociais que surgiram com o capitalismo, em sua fase de produção industrial, foram favoráveis para ampliação da discussão do tema, seja pelas péssimas condições de vida da classe trabalhadora, seja pelo ideário político associado às revoluções sociais e burguesas. Em todas as sociedades, as situações de risco, os comportamentos relacionados à saúde e o estado de saúde físico e mental tendem a variar entre os grupos sociais, ou seja, as explicações sócio- históricas das desigualdades em saúde baseiam-se na ideia de que saúde é um produto social e algumas formas de organização social são mais sadias do que outras.

Os mesmos processos que determinam a estruturação da sociedade geram as desigualdades sociais e produzem os perfis epidemiológicos de saúde e doença. O processo de reprodução social implica na reprodução de diferentes domínios da vida. Assim, é possível observar diferentes populações que atribuem maior ou menor importância ao direito à saúde como um direito humano fundamental.

Segundo Barata (2009) existem dois extremos que exemplificam essa relação: i) O comportamento político da maioria dos dirigentes de países europeus exemplifica o primeiro deles; nesses países atribui-se cada vez maior de importância à redução das desigualdades sociais em saúde, considerando que os sistemas nacionais de saúde e outras políticas sociais devem ter como principal objetivo o alcance da equidade; ii) No outro extremo estão os governos como o norte-americano, que não considera que esta seja uma questão que deve ser conduzida pelo Estado, pois, o direito à saúde é algo intrinsecamente relacionado às capacidades individuais, estilos de comportamento e possibilidade de pagar pelos serviços apropriados.

No Brasil, ao aprovar o capítulo sobre a saúde na Constituição Federal de 1988, ficou decido que a saúde é um direito de todos e que deve ser garantido mediante ações de política pública, ou seja, o status de saúde da população é uma preocupação do Estado. Além disso, definiu a saúde através de um conceito amplo, que inclui os seus principais determinantes e apontou em linhas gerais os princípios que o sistema nacional de saúde deveria ter: universalidade, integralidade e equidade.

Essa dinâmica entre o processo de reprodução social e o processo de produção de saúde- doença, que gera as desigualdades sociais em saúde, podem manifestar-se de maneira diversa no que diz respeito às formas de acesso e de utilização de serviços de saúde, que são diferentes para cada sistema de reprodução social: aquele que se compromete com o estabelecimento de padrões mínimos de vida, que são seletivos ou que são universais.

As desigualdades no estado de saúde dos indivíduos em diferentes grupos e classes sociais estão, de modo geral, atreladas à organização social e refletem o grau de iniquidade existente em cada sociedade. O acesso e a utilização dos serviços refletem também essas diferenças, mas podem assumir diferentes formas, dependendo da organização dos sistemas de saúde com que conta a organização social. Barata (2009) afirma que, há sistemas que potencializam as desigualdades existentes na organização social e outros que de algum modo buscam compensar, pelo menos em parte, os resultados injustos da organização social sobre os grupos socialmente vulneráveis. A equidade na oferta de serviços de saúde implica a ausência de diferenças para necessidades de saúde iguais – equidade horizontal – e a provisão de serviços prioritariamente para grupos com maiores necessidades – equidade vertical.

Os sistemas de reprodução social incluem os padrões de trabalho e consumo, as atividades práticas da vida cotidiana, a inclusão ou não da participação social na política e na cultura. Segundo Barata (2009), esses sistemas são contraditórios, e contam com processos benéficos e que promovem a saúde e processos prejudiciais produtores da doença e interferem

os padrões de saúde-doença das classes sociais e dos indivíduos dentro década classe, formando assim perfis epidemiológicos de classes. Assim, as desigualdades nas condições de vida, que são resultados de diferenças nesse processo de reprodução social, terão reflexos nas situações de saúde que serão então identificadas como iniquidades.

As explicações históricas do processo de saúde-doença estão intimamente relacionadas ao conceito de determinação social. A determinação social implica aceitar que cada domínio da realidade apresenta processos que interferem no surgimento de novas características nos níveis de complexidade crescente, de modo que, a consequência, em termos de saúde e doença, será sempre a resultante de um processo complexo de determinação. Como dito anteriormente, adotar este tipo de explicação significa romper com a concepção linear de causalidade e entender que este é um processo que se retroalimenta.

Assim, compreende-se que, para que as desvantagens e a vulnerabilidade de algumas classes possam ser reduzidas ou anuladas é preciso que ocorra uma intervenção nesse processo que garanta o acesso e utilização dos serviços indispensáveis para atender as demandas de saúde de forma universal, independentemente do grupo social ao qual pertencem os indivíduos; e aqueles que apresentam maior vulnerabilidade, em decorrência da sua posição social, devem ser tratados de maneira diferente. Isso garantiria mudanças no perfil de saúde e adoecimento da população, uma mudança no perfil epidemiológico, no qual possa ser observada uma redução das desigualdades, um aumento de indivíduos saudáveis que tenham maior capacidade de se reproduzir materialmente, alimentando um ciclo virtuoso de saúde e desenvolvimento social econômico e cultural.