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4. A INFLUÊNCIA DO BEM-ESTAR SOCIAL NA CONTRUÇÃO DO ESTADO DE

4.6. SÉCULO XXI: A ESTABILIZAÇÃO ECONÔMICA E A VOLTA DAS POLÍTICAS

NACIONAL

Como consequência do processo de implementação do SUS e das políticas de saúde adotadas desde a redemocratização, atualmente, o sistema de saúde é composto tem três subsetores: i) o subsetor público, no qual os serviços são financiados e providos pelo Estado

nos níveis federal, estadual e municipal, ii) o subsetor privado, com fins lucrativos ou não, no qual os serviços são financiados de diversas maneiras com recursos públicos ou privados e, por último, iii) o subsetor de saúde suplementar, com diferentes tipos de planos privados de saúde e de apólices de seguro, além de subsídios fiscais; as pessoas podem utilizar os serviços de todos os três subsetores, dependendo da facilidade de acesso ou de sua capacidade de pagamento. Segundo o Relatório da Pesquisa Nacional de Saúde (2013) as pessoas mais pobres gastam mais com medicamentos, enquanto os mais ricos gastam mais com planos e seguros de saúde privados.

Em relação ao plano das políticas e dos direitos sociais, o final do século XX e o século XXI apresentaram uma expansão da preocupação com esses fatores, internacionalmente e, consequentemente, no âmbito nacional. No Brasil, a utilização da Estratégia de Saúde da Família, instituída em 1994, ampliou a capacidade do acompanhamento de perto dos fatores sociais determinantes da saúde. A preocupação com a equidade em saúde e no acesso à saúde foi expresso no Relatório da Pesquisa de Saúde da PNAD de 1998, que acabou ganhando periodicidade ao longo do século vindouro.

A décima primeira Conferência Nacional de Saúde, realizada em 2000, expressou essa preocupação com o tema “Efetivando o SUS – Acesso, qualidade e humanização na atenção à saúde com controle social”, abordando discussões como i) Controle Social, ii) O Modelo Assistencial e de Gestão para garantir Acesso, Qualidade e Humanização na Atenção à Saúde, e iii) A questão do Financiamento da Atenção à Saúde no Brasil. A conferência seguinte, realizada em 2003, trouxe o tema “Saúde direito de todos e dever do Estado, o SUS que temos e o SUS que queremos” com dez eixos temáticos: i) Direito à Saúde, ii) A Seguridade Social e a Saúde, iii) A Intersetorialidade das Ações de Saúde, iv) As três Esferas de Governo e a Construção do SUS, v) A Organização da Atenção à Saúde, vi) Controle Social e Gestão Participativa, vii) O Trabalho na Saúde, viii) Ciência e Tecnologia e a Saúde, ix) O Financiamento da Saúde e x) Comunicação e Informação em Saúde.

Em todo o mundo se via crescer a preocupação com os Determinantes Sociais do bem- estar. Em 2002, foi realizada no Brasil a terceira Conferência Latino Americana de Promoção da Saúde e Educação em Saúde, uma iniciativa da União Internacional de Promoção da Saúde e Educação em Saúde, do Ministério da Saúde, da Organização Pan-americana de Saúde e da Universidade de São Paulo. E em 2011 o Brasil também sediou a Conferência Mundial sobre Determinantes Sociais de Saúde, promovida pela Organização Mundial de Saúde.

Barros e Sousa (2016) afirmam que, com um novo governo em 2003, a estrutura do Ministério da Saúde foi reformulada, embora, Paim et al. (2011) relatem que aquele governo

manteve diversos aspectos da política econômica dos governos anteriores, com exceção das privatizações que vinham ocorrendo desde a década de 1980, e que foram suspensas.

Foi adotado o compromisso internacional de implementar um novo modelo de atenção na perspectiva da Promoção da Saúde. Assim, o grupo brasileiro ligado à Promoção da Saúde, formado por professores universitários e gestores de programas de alguns estados, passou a se reunir sob os cuidados da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (ABRASCO). Considerada a maior entidade de classe, responsável pelos estudos e oferecimentos de diretrizes ao governo sobre saúde.

Em 2004 foi elaborado o primeiro Plano Nacional de Saúde, que, junto com as Diretrizes de Saúde estabelecidas pela Conferência Nacional de Saúde, realizada no ano anterior, e com o Plano Plurianual elaborado para o período, se dispunha a avaliar a situação da saúde da população brasileira e as condições de acesso e utilização de serviços, a partir dos dados das Pesquisas de Saúde realizadas anteriormente, e assim propor objetivos e metas para a saúde para os quatro anos seguintes a sua elaboração. A elaboração do Plano se constitui numa tradição, e assim como as Conferências Nacionais de Saúde e as Pesquisas de Saúde, ganharam periodicidade. Estruturando assim, um sistema de avaliação e elaboração de políticas de saúde. Em 2006, três marcos impactaram os rumos que a saúde brasileira viria a atravessar ao longo do século XXI. Foi estabelecido o Pacto pela Saúde, responsável por reforçar a solidariedade e a cooperação entre as esferas de governo, com a finalidade de assumissem compromissos mútuos sobre as metas e responsabilidades relacionadas à saúde e às condições sanitárias, o objetivo era constituir um espaço de cogestão e resgatar o apoio entre os entes num processo compartilhado. Foi publicada a Política Nacional de Promoção da Saúde e, para a implementação da política, foi definido pelo Ministério da Saúde um Comitê Gestor da Política Nacional de Promoção da Saúde, composto por representantes de todas as Secretarias do Ministério da Saúde, Fundação Nacional de Saúde, fundação Oswaldo Cruz, Instituto Nacional do Câncer e a Agência Nacional de Saúde Suplementar, sem a participação de nenhum membro externo ao setor saúde.

Foi criada ainda a Comissão Nacional de Determinantes Sociais da Saúde, que tem como objetivos gerar informações e conhecimentos sobre os determinantes sociais da saúde no Brasil, contribuir para a formulação de políticas que considerem seus efeitos positivos e negativos sobre a saúde e mobilizar diferentes instâncias do governo e da sociedade civil para enfrentar os determinantes sociais da saúde no país. Ela é formada por especialistas e personalidades da vida social, econômica, cultural e científica do país, nomeados pelo Ministro da Saúde. A Comissão foi responsável pela criação do Observatório sobre Iniquidades em Saúde, que se

dedica ao monitoramento das tendências de saúde no Brasil, ao apoio aos estudos sobre as iniquidades e à avaliação do impacto de intervenções para combatê-las.

No ano seguinte, em 2007, foi realizada a décima terceira Conferência Nacional de Saúde, que trouxe como tema: “Saúde e qualidade de vida, políticas de estado e desenvolvimento”, demonstrando a preocupação com o papel da saúde para manutenção do Estado de Bem-Estar Social e do desenvolvimento socioeconômico. Os eixos discutidos foram: i) Os Desafios para a Efetivação do Direito Humano à Saúde no Século XXI: Estado, sociedade e padrões de desenvolvimento, ii) Políticas Públicas para a Saúde e Qualidade de Vida: o SUS na Seguridade Social e o Pacto pela Saúde e iii) A Participação da Sociedade na Efetivação do Direito Humano à Saúde. E ainda mais duas Conferências foram realizadas, já na segunda década, com os temas “Todos usam o SUS: SUS na Seguridade Social - política pública, patrimônio do povo brasileiro” e “Saúde Pública de Qualidade para cuidar bem das pessoas: Direito do Povo Brasileiro - Saúde pública como direito de cidadania, em contraposição à mercantilização e privatização”.

Contudo, o Estado de Saúde no Brasil ainda possui diversas barreiras. No início do século XXI, Negri e Giovanni (2001) afirmaram que o grande desafio para o SUS era a organização de informações para elaboração de uma estratégia de atuação eficiente e equitativa. Segundo os autores, ainda não eram conhecidos: os custos dos tratamentos completos de doenças de alta complexidade, as falhas existentes nos processos de tratamento e o que seria possível realizar com os recursos disponíveis. Faltavam informações sobre a estrutura do parque de equipamentos médico-hospitalares à disposição, sobre o impacto inflacionário do financiamento público aos hospitais privados e diversas outras informações acerca das demandas dos perfis epidemiológicos de cada região do país. Alguns desses problemas foram superados ao longo dos dez primeiros anos.

Porém, Mendes e Bittar (2014), afirmaram que, ao final da primeira década do século, as dificuldades ainda estavam relacionadas à falta de recursos humanos qualificados, ausência de uma metodologia adequada para o funcionamento do sistema de saúde e sistemas de informações desintegrados, além das dificuldades de financiamento. Essa última dificuldade, ressaltada por ambos os trabalhos: a ausência de uma estrutura de financiamento estável para saúde, ainda foi destacada nos trabalhos de Ocké-Reis (2009) e Paim et al. (2011), Silva e Rotta (2012), Barros e Sousa (2016) e Vieira e Piola (2016).

Almeida et al. (2013), Mendes e Bittar (2014), Barros e Sousa (2016) e Stopa et al. (2017) argumentam que, devido à inadequada infraestrutura, à falta de recursos humanos especializados e às diferenças de financiamento entre as regiões, que destinavam mais recursos

quanto maior fosse o número de trabalhadores formais na região, diferenças que existiram por décadas antes da implantação do SUS, os avanços vividos desde o final da década de 1988 ainda não conseguiram reduzir as grandes disparidades na oferta de saúde e na qualidade da prestação dos serviços entre as regiões do país. As diferenças de tamanho dos municípios e de suas populações e a quantidade de recursos com que podem contar é ainda muito diferente entre as regiões, por isso, a dificuldade de fornecer atenção básica acaba prejudicando o funcionamento do restante do sistema (MENDES; BITTAR, 2014).

Almeida et al. (2013), afirma que, até 2013, 76% da população utilizava algum serviço financiado pelo SUS, na rede pública ou privada, e somente 24% da população contava com cobertura de um plano de saúde, sendo que 60% dessa população estava concentrada na região sudeste do país. Stopa et al. (2017) encontraram resultados parecidos no ano de 2017, que indicam a existência de maior frequência de busca por atendimento de serviços de saúde em regiões que apresentam melhores condições vida, maiores níveis de educação e melhores Índices de Desenvolvimento Humano, na região Sul e Sudeste. Além disso, o maior número de internações ocorre na região Sul do país, mas o maior número de internações pelo sistema público de saúde, ou seja, a região que apresenta a menor capacidade de pagamento por tratamentos de saúde, foi a região nordeste.

O documento elaborado pela CEBES (2010) intitulado “SUS: Qual o Rumo?” evidenciou ainda um acontecimento que pode impactar o avanço do Estado de Saúde brasileiro e agravar esta situação: a (re)ascensão do discurso liberal no campo social com a difusão de valores individualistas e consumistas, o que demonstra um retorno aos valores políticos e sociais disseminados entre as décadas de 1960 e 1990. E isso pode ser compreendido pelo cenário austero e de crise econômica pelo qual o mundo passou desde 2008, cuja as últimas consequências no Brasil puderam ser observadas nas mudanças das políticas sociais, que vem acontecendo desde 2016.