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O comércio de frutas e a formação de mercados regionais na escala

3 Estado, Políticas Públicas e Internacionalização agroalimentar

3.5 O comércio de frutas e a formação de mercados regionais na escala

2007).

Consoante ao exposto, percebemos uma seletividade na produção do agronegócio de frutas conduzido pela lógica da competitividade econômica e territorial. A esfera do comércio é a grande mola propulsora da produção de frutas, direcionadas à troca internacional. A lógica das commoditys (FREDERICO, 2013) está presente no agronegócio das frutas, que padroniza sua produção para atender uma demanda de uma economia mundial e desenvolve localmente uma atividade cuja finalidade é o mercado internacional. Na seção a seguir discorremos sobre o comércio agrícola de frutas, com ênfase nos cultivos que constituem o universo empírico desta tese.

3.5 O comércio de frutas e a formação de mercados regionais na escala internacional.

A década de 1990 foi marcada por transformações na economia nacional, introduzidas com a redução das tarifas de proteção, com a estabilização da inflação advinda com o Plano Real e com as privatizações, transferindo ativos públicos à iniciativa privada, em especial os setores de produção como os de fertilizante, siderúrgico e de mineração. Tais medidas buscavam dotar a economia nacional de maior competitividade na escala internacional, num contexto mundial de formação de blocos e acordos regionais de comércio, de acordo com o discurso hegemônico.

Numa clássica análise das relações internacionais, baseadas na teoria ricardiana, o fator trabalho é considerado como essencial para efeitos de competitividade (ARBACHE, 2002). No entanto, as transformações nos sistemas técnicos de comunicação e transporte e a estratégia de segmentar a produção nos mostram que a dimensão espacial deve ser considerada com maior atenção, não somente pela óptica da localização, mas das relações

políticas existentes entre as nações. As transformações políticas internas de cada nação também devem ser consideras como elementos que servem como base de um modelo de expansão do comércio internacional.

Nesse contexto, espaço e tempo sofrem mudanças de paradigmas, da tecnologia e da informação, envolvendo complexa interação entre tecnologia, sociedade e espaço, cabendo a este último organizar as concepções e usos do tempo na sociedade em rede (CASTELLS, 1999). O ideário de um mundo conectado com redução das distâncias e um encurtamento do tempo das transações ocorre de modo seletivo e excludente. Para Castells (1999), a globalização estimula a regionalização. Assim, quanto maior o grau de globalização maior seria, de fato, o grau de regionalização em escala global, havendo uma centralização das decisões de comando em determinados nós de uma rede regional, que se interliga a outras redes regionais em escala global.

Ao analisar o papel das redes de fluxos das cidades globais, Castells (1999, p. 471) nos esclarece que em

[...] cada país a arquitetura de formação de redes reduz-se em centros locais e regionais, de forma que o sistema todo fique interconectado em âmbito global. Os territórios em torno desses nós desempenham uma função cada vez mais subordinada, às vezes perdendo a importância.

A nova lógica espacial centrada na circulação e fluxos estabelece uma padronização das funções econômicas e sociais (CASTELLS, 1999) ou, nas palavras de Andrade (2008), a internacionalização promove uma colonização política e econômica.

Ao nos debruçarmos sobre os dados dos fluxos de exportação de frutas do Rio Grande do Norte percebemos um predomínio da formação de um mercado consumidor em escala regional circunscrito a alguns países europeus e norte-americanos. Isso permite identificar a existência de um centro de decisões econômicas, políticas e espaciais na produção da fruticultura do Rio Grande do Norte.

Os espaços de fluxos da fruticultura não são áreas restritas, pontos nodais da rede, ao contrário, os espaços de fluxos se dão em processo que se utiliza de nós da rede para estabelecer uma hierarquia entre os lugares. Na Figura 5 estão representados os destinos da produção de melão, cuja

predominância dos fluxos se estabelece no sentido do Norte. A Europa central e ocidental e os Estados Unidos e Canadá recebem a maior parte dos melões produzidos no Rio Grande do Norte. Ao fazermos esta constatação, atentamos para uma das finalidades da comercialização agrícola, qual seja: o atendimento da demanda de frutas por partes dos países do Norte. Para Castells (1999), a internacionalização crescente na Europa tornou as regiões mais dependentes das atividades desenvolvidas em outras regiões.

Essa tendência ocorre quando observamos o fluxo das frutas que compõem a pauta de exportação do Rio Grande do Norte. A internacionalização da fruticultura ocorre com o envio de mercadorias para os mercados externos, em especial para alguns países europeus (Reino Unido, Noruega, Países Baixos, França, Irlanda, Alemanha, Suécia, Espanha, Portugal, Itália, Croácia, Hungria, Lituânia) e norte-americanos (Estados Unidos e Canadá). Países asiáticos como Rússia, China e Turquia também figuram na lista dos importadores, assim como os sul-americanos Uruguai, Peru, Venezuela e Argentina, no entanto com menor expressividade e em cultivos específicos.

Observa-se nitidamente um comércio internacional com mercados regionais em escala mundial. Os volumes são variáveis a depender do cultivo e do ano de exportação, no entanto, a dependência desses mercados obriga os produtores a cumprir as exigências impostas pela regulamentação fitossanitária desses mercados. Para Poter (1993), não são os países que competem na escala internacional, são as empresas. Isto posto, o autor ressalta que a maneira como os países conduzem suas políticas internas cria o ambiente necessário à internacionalização das empresas. Assim, a internacionalização é, sobretudo, um direcionamento político do Estado-Nação frente às suas empresas nacionais.

Nesse sentido, a circulação tem um caráter político. Não basta apenas ter a mercadoria, as normas, as ordens para que ocorra o movimento, nem basta ter a presença dos fixos geográficos, como portos, estradas, pontes etc. Faz-se necessária a participação do Estado na concessão das infraestruturas, na mediação de acordos transfronteiriços, no estímulo aos produtores, e na manutenção desse sistema. Desse modo, a circulação é um fenômeno econômico, político e espacial.

A circulação estabelece um conjunto de redes, a começar pela rede de relações diplomáticas entre os Estados-Nação. Tal conjunto compreende ainda redes de trocas econômicas, financeiras e tecnológicas, constituídas de um conjunto ramificado de fluxos. Assim, a colonização política e econômica a que se refere Andrade (2008) é também uma colonização espacial, ao promover uma dependência nas relações de troca.

Na circulação de castanha de caju (Figura 6), verifica-se uma semelhança com a circulação do melão. Apesar de aparecem novos destinos, mante-se o predomínio para os países do Norte, mas percebe-se uma capilaridade em direção aos países latino-americanos. O predomínio para o mercado Europeu, em pleno século XXI, é resquício de um modelo agroexportador que vigorou na sociedade brasileira por décadas, no século XIX e XX.

A ideia de circulação traz consigo a concepção de diferenciação ou mesmo seletividade geográfica, uma vez que cada lugar passa a ser encarado pelas possibilidades que apresenta em produzir e fazer circular suas mercadorias, ou mesmo pela sua capacidade de adquirir as mercadorias provenientes de outros lugares. Assim,

com a difusão dos transportes e das comunicações, e conforme avança a expansão capitalista, criam-se as condições para que os lugares se especializem, sem a necessidade de produzir tudo para sua reprodução. Assim, ao passo que a economia local deixa de ser preponderantemente autárquica, estabelece-se uma crescente divisão territorial do trabalho. Esse processo – progressivo e acelerado com a incorporação de novas técnicas – ocasiona uma intensificação dos intercâmbios, que se dá em espaços cada vez mais amplos (ARROYO, 2006, p. 74).

A circulação passa a fazer parte da vida e da dinâmica econômica dos lugares, que se especializam e se diferenciam dos demais pelas suas capacidades de produzir e de fazer circular a mercadoria. O espaço de fluxo é imperativo da hierarquia e alienação do território, fortalecendo a dependência entre regiões. Na Figura 7, observamos a formação de mercados regionais na escala internacional a partir dos fluxos da produção de banana.

A capilaridade dos fluxos da exportação de banana abrange áreas da Europa, Ásia e América, apesar de ter um volume de exportação menor que o melão e a castanha de caju. Apesar de sua capilaridade, notamos um predomínio dos mercados europeus na absorção da fruticultura do Rio Grande do Norte.

Segundo dados de 2011 da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESPE), o comércio externo representa cerca de 18% do Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil. SEBRAE (2015) afirma que a fruticultura é um dos setores de maior destaque do agronegócio nacional, sendo o Brasil o terceiro maior produtor de frutas do mundo no ano de 2013, com 38,36 milhões de toneladas. E dentre as unidades federadas com maior produção destinada à exportação aparece o Rio Grande do Norte, com 131.200 toneladas de frutos.

Para Arbache (2002), as teorias que explicam e qualificam o comércio internacional contemporâneo, estruturado em redes informacionais, atribuem aos países do Sul a condição de produtores de alimentos em virtude de suas características sociais, tais como menor escolaridade e menores salários aos trabalhadores das empresas exportadoras em virtude dos produtos de baixo valor agregado, semimanufaturados, como os produtos agrícolas e minerais.

Nesse sentido, o desenvolvimento econômico e social dos países de capitalismo tardio sempre é colocado numa relação de dependência em relação aos países de capitalismo avançado. Na verdade, os mecanismos de exploração existentes nos períodos de colonização clássica se mantêm desta vez na forma de uma colonização financeira, ambas explorando os recursos locacionais dos países do Sul, que direcionam suas produções ao fornecimento de mercadorias aos países do Norte. A relação metrópole colônia não deixou de existir, apenas ganhou novos contornos.

Neste cenário, as regiões e localidades não desaparecem, ao contrário, ficam integradas nas redes internacionais que ligam seus setores mais dinâmicos (CASTELS, 1999). A lógica da competitividade impera nos cultivos agrícolas e a demanda se dá não por expropriação, mas por uma flexibilidade nas forças produtivas e sociais, na legislação e na soberania alimentar e nutricional da Nação. Os espaços de fluxos, como processo de uma regionalização em escala global, consolidam uma mais-valia universal, a partir da internacionalização da produção.

Percebemos que a produção de melão, castanha de caju e banana do Rio grande do Norte apresentam uma nítida rede extravertida, destinando-se ao abastecimento dos mercados externos, com destaque para os países da União Europeia e os países Norte-americanos e, não por coincidência, são os principais formadores de barreiras fitossanitárias exercendo, assim, o controle dos mercados produtores de alimentos. As barreiras de entrada criadas por estes mercados determinam os modelos de produção que serão postos em prática nas áreas produtoras de frutas.

A apropriação territorial passa necessariamente pelo crivo de um conjunto de agentes dessas regiões, estabelecida pelos fluxos internacionais, envolvidos direta ou indiretamente nesse processo, ganhando novas configurações mediante os interesses dos mesmos que, muitas vezes, imbuídos de um discurso desenvolvimentista respaldado por ações governamentais, alteram substancialmente o modo de vida e a forma de uso do território. Este, por sua vez, deixa de ser usado apenas pela sociedade local ou nacional e passa a ser usado também pelos agentes hegemônicos externos, expropriando-o e apropriando-se, não raro, do processo produtivo. Vale ressaltar o papel dos agentes locais/nacionais na formação de circuitos frutícolas de produção, que se estabeleceram de modo histórico no Rio Grande do Norte, questão que abordamos no próximo capítulo.

4 AGRICULTURA E CULTIVO DE FRUTAS TROPICAIS NO RIO GRANDE