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2 Território, agricultura e mundialização: elementos conceituais para

2.2 Território, agricultura e economia-mundo

O espaço geográfico é uma instância social na qual a materialidade das ações humanas se concretiza pelos usos do território e, nesse sentindo, a mundialização apresenta-se como fator relevante no conjunto de usos e transformações territoriais. A expansão do capital nas atividades agrícolas impulsiona o desenvolvimento da agricultura padronizada e racionalmente estruturada para atender a demandas externas. Esse movimento é legitimado com a propagação da ideia de desenvolvimento nacional, no entanto, como nos alerta Wallerstein (1997, p. 249): “o que se desenvolve é unicamente a economia mundial capitalista”.

A agricultura pós Revolução Verde ganhou novos contornos e conflitos, seja pela forma de produzir, seja pelo que será produzido. Um intenso processo de reestruturação produtiva foi difundido por frações do território, criando uma competitividade a partir do potencial de riqueza que cada fração apresenta. Dentro do sistema mundo participam os territórios nacionais que apresentam vantagens corporativas, locacionais, infraestruturais (WALLERSTEIN, 1997), ou seja, vantagens geográficas. Por isso a necessidade de fronteiras líquidas, abertas à primazia da circulação, de produtos e capitais necessários para que o sistema mundo funcione em plenitude.

Nesse cenário, verifica-se a configuração de um circuito superior da economia e um circuito inferior (SANTOS, 2004). Aqueles territórios nacionais que não apresentam as vantagens geográficas para o capital participavam da economia-mundo de forma rentável, lançam-se dentro da lógica do circuito inferior, que é complementar à economia-mundo, sendo, na verdade, parte integrante desta, mas destinada à inserção de capitalistas de menor poderio financeiro e de não capitalistas, criando uma relação de dependência e complementaridade.

Destarte, a esfera territorial é evocada para garantir a acumulação de capital, sendo que o fator geográfico é responsável por garantir que determinados grupos tenham vantagens em relação a seus concorrentes. Estabelecendo uma divisão territorial do trabalho dentro do espaço produtivo total, no mundo, “sem dúvida, esse modelo se afirma de modo diferente segundo o nível das forças produtivas de cada país, mas predomina em todas as partes” (SANTOS, 1978, p.4).

A formulação de um capitalismo na esfera mundial ganha arranjos específicos nas realidades nacionais, no entanto, a configuração econômica e produtiva dos Estados-Nação passa a compor o mosaico econômico que forma o sistema mundo contemporâneo. Santos (1978) nos esclarece que as escolhas produtivas, que são por natureza escolhas sociais, nos territórios nacionais tornam-se cada vez mais subsidiadas por demandas e determinações extranacionais:

cada vez mais o homem se vê obrigado a utilizar técnicas que não criou, para produzir para outros aquilo que ele não tem necessidade ou meios para utilizar. Em decorrência dessa passagem de uma multiplicidade de técnicas locais, espontaneamente geradas, para uma tecnologia imposta em escala mundial, também muda o homem. Deixa de ser um homem ‘local’ para torna-se um homem ‘mundial’. A escala do lugar não é mais a das decisões que lhe dizem respeito. Os espaços aparecem cada vez mais como diferenciados por suas trocas de capitais, pelo produto que criam e o lucro que engendram, e no final das contas pelo seu igual poder de atrair capital. Como o homem, o espaço foi mundializado. O capital – por suas possibilidades de localização e suas necessidades de reprodução – torna-se intermediário entre um homem sem posses e um espaço alienado (SANTOS, 1978, p. 4).

A imposição desses modelos tem por finalidade primeira garantir a minimização dos custos e uma elevação dos lucros, desse modo o caráter geográfico da atividade produtiva é determinante para se estabelecer um equilíbrio econômico, assim,

há duas variedades principais de custos para os capitalistas: os custos da força de trabalho (incluindo-se a força de trabalho para todos os insumos) e os custos de transações. Mas o que reduz os custos da força de trabalho poderia acrescentar os custos das transações e vice-versa. Fundamentalmente, é uma questão de colocação. Para minimizar os custos das transações, é mister concentrar as atividades geograficamente, isto é, em zonas de altos custos da força de trabalho. Para reduzir os custos da força de trabalho, é útil dispersar as atividades produtivas, só que isso, inevitavelmente, afeta de modo negativo os custos das transações. Portanto, há pelo menos quinhentos anos, os capitalistas deslocam seus centros de decisão de cá para lá (WALLERSTEIN,1997, p. 253).

Essa ciranda territorial só é possível graças às alianças forjadas entre Estado e empresas, havendo um embate entre a política do Estado e as políticas das empresas (SANTOS, 1997). A criação de uma agenda em que as rubricas estatais direcionam recursos para criação de infraestruturas (viárias, portuárias, logísticas) e com a concessão de redução fiscal favorecendo a instalação de empreendimentos empresariais em determinadas áreas em detrimento de outras, seja na esfera internacional, seja na esfera nacional, criando uma verdadeira guerra entre os lugares (SANTOS, 2009).

Os processos de apropriação empresarial dos recursos territoriais se materializam por meio de um conjunto de objetos que possibilitam o desenvolvimento das atividades econômicas. Esse processo compõe uma teia de relações em que a política do Estado favorece, incentiva e legitima a ação das empresas com aporte nos recursos de solo, água e força de trabalho presente no território nacional.

Na escala nacional, esse movimento apresenta rebatimentos distintos nos espaços produtivos urbanos e rurais. O uso seletivo do território pelas atividades agrícolas acaba por privilegiar capitais novos, trazidos ou influenciados pelas ações do Estado. Seus reflexos criam paisagens dotadas de ciências e tecnologias nos cultivos agrícolas, em especial em cultivos novos.

Os cultivos tradicionais, por sua vez, se refugiam em capitais pretéritos, e acabam ficando à margem das políticas agrícolas, porém são beneficiados a montante por elas, pois o discurso governamental está fundamentado na promoção do desenvolvimento regional para todos os sujeitos de modo igualitário. Desse modo, ao passo que criasse condições para novos capitais e circuitos produtivos, criasse também, formas de integrá-los aos já existente, mesmo que de modo parcial.

A especialização territorial produtiva torna-se responsável pela geração do lucro em escala local dentro do sistema-mundo, por isso há uma tendência a considerar a agricultura local como uma agricultura globalizada. No entanto, percebemos que a tecnologia, as demandadas, os capitais e a acumulação se mundializam, a produção se torna local e tributária de movimentos mundializados.

No Rio Grande do Norte, a lógica da reestruturação produtiva se imbrica à atividade agrícola em meados dos anos 1970, com a especialização produtiva no cultivo de frutícolas tropicais irrigadas, destinadas ao mercado externo, cultivadas com a oferta hídrica represada nos açudes públicos ou captadas dos lençóis freáticos.

O território, é resultado das ações desenvolvidas por um conjunto de agentes (RAFFESTIN, 1993), realiza-se apropriado pelo poder de produção, circulação e consumo dos agentes sociais, em especial os agentes produtivos. Esses elementos, obviamente, se estabelecem numa relação desigual de forças, e os agentes com maior poder, em especial político e financeiro, se sobressaem e ditam as formas, os cultivos e os destinos da produção.

O poderio dos produtores de frutas no Rio Grande do Norte consolida a especialização territorial produtiva em monoculturas direcionadas, em geral, para exportação, altamente dependentes dos recursos territoriais e do aporte estatal para sua materialização, enquanto atividade econômica de expressividade. Envolto por uma esfera mundializada de acumulação, o território recebe pressão externa demandante por recursos naturais e mercadorias. Em contrapartida, e alicerçado em políticas de crescimento econômico, sua resposta ocorre na especialização produtiva que transfere a acumulação para a esfera das finanças e da especulação, criando uma alienação territorial e do produtor, em especial o não hegemônico, que vê sua

produção ser direcionada a mercados externos demandantes, exportadores e importadores de tecnologias.

No caso da produção de frutas, os agentes extranacionais que determinam as demandas da produção no Rio Grande do Norte, em sua maioria, são empresas supermercadistas, hoteleiras e gastronômicas europeias e americanas que consomem esses produtos. A mediação entre os agentes que determinam a demanda e os que devolvem com mercadorias (frutas) é estabelecida por instituições reguladoras do comércio vegetal que fiscalizam padrões de cultivo. As frutas, por sua vez, são encaminhadas no sentido de atender às demandas, seja enquanto mercadoria para as empresas, seja como resultado da adoção de um conjunto técnico-científico normatizado que foi adotado na produção.

Dentro deste esquema, as empresas nacionais que investem na produção e/ou comercialização de frutas não estão excluídas. Ao contrário, desenvolvem suas atividades a partir das normatizações trazidas pelos mercados externos. Mesmo as empresas que operam para o atendimento das demandas do mercado interno também se pautam em normas externas.

Envoltos numa esfera de acumulação, típica do sistema capitalista, os agentes com maior poder econômico e político se apropriam dos recursos terra e água disponíveis, direcionam suas monoculturas com aceitação no mercado externo, modelam seus cultivos de acordo com as normas e padrões internacionais e estabelecem redes de circulação dos seus produtos – as frutas – para diversos lugares extranacionais. O comércio internacional desse produto acontece entre empresas nacionais reguladas pelos Estados-Nação de origem, que por sua vez participam de um mercado mundializado.

Em relação à mão de obra, temos a espoliação do trabalhador rural quanto aos meios de produção. Na condição de assalariados, vendem sua força de trabalho no atendimento de uma demanda de produção externa a sua realidade e à realidade nacional como um todo. Esse agricultor, agora na condição de trabalhador assalariado, canaliza seus esforços à manutenção do seu posto de trabalho ao invés de lutar por uma mudança no sistema produtivo.

O entendimento de processos do mundo (mundiais, mundializados) é necessário, uma vez que o território é tecido por um conjunto de forças locais e extralocais que impulsiona a organização da vida social, cotidiana, em que “o

mundial se coloca não pelas formas, mas pelos conteúdos e pelas demandas” (SILVEIRA, 1999, p. 93). Os lugares passam a se relacionar com o mundo pelas demandas que este os impõe, seja na produção ou no consumo.

Obviamente que o desenvolvimento desses processos na escala nacional e local não ocorre de forma neutra, pacífica e harmônica. Conflitos políticos, sociais e econômicos perpassam a atividade de produção de frutas, seja no direcionamento da oferta de crédito a pequenos e grandes produtores, seja na instalação de infraestrutura por parte dos investidores ou do Estado nas áreas de terras produtoras de frutas, o que se reverbera em um maior número de mercados atendidos.

No entanto, os conflitos, por vezes, são mascarados por um intenso processo de alienação territorial e social (SANTOS, 1997; CATAIA, 2011), uma vez que a produção acontece com intenso aparato técnico e difundida pela ideologia do desenvolvimento local ao escoar a produção em redes extravertidas2.

A internacionalização da produção, segundo Silveira (1999, p. 55), faz com que as demandas externas promovam um conjunto de paisagens internacionalizadas que “são a face visível de um espaço alienado, isto é, de uma formação socioespacial carente de comando político sobre suas produções”.

As paisagens internacionalizadas formam as bases das redes que compõem a mundialização. A unificação do planeta pela acumulação do capital se processa pela alienação territorial criando áreas de aparente progresso técnico e financeiro. Em contrapartida, ocorre um intenso processo de exclusão social, concentração fundiária e degradação ambiental que se intensifica com a expansão das redes técnicas, agora em escala mundial.

As redes, como nos esclarece Santos (2009), são de duas ordens: globais e locais. Na dimensão do global abarcam toda a superfície da terra, em materialidade ou em possibilidade de expansão. Por elas são postas em movimento ordens, normas, capitais, mercadorias e pessoas; alguns desses elementos são mais incentivados a circular que outros. Na dimensão do local,

2 Rede extravertida se refere ao direcionamento da produção ao suprimento das demandas do

mercado externo. Na logística, diz respeito à ordenação e atendimento da rede de transporte no escoamento de mercadorias ao mercado externo. Para um aprofundamento desse conceito ver Castillo (2005) e Pasin (2007).

consolidam a divisão do trabalho, em que cada lugar contribui com sua base técnica, produtiva e social para uma hierarquia geográfica dos lugares.

A emergência das redes globais torna-se elemento central para entendermos a mundialização dentro do sistema mundo. Se a esfera econômica se mundializou e com ela a produção e o consumo, fazendo com que Estados-Nação compusessem um sistema de competição em escala mundial, isso fez com que ocorresse o nascimento de uma nova ordem mundial, em que as produções locais agrícolas e industriais passaram a ser reguladas por instituições que comandam o movimento econômico produtivo e financeiro do mundo. A unidade do sistema mundo circunscrito por um sistema capitalista mundial se dá em virtude da existência de uma geocultura emergente (WALLERSTEIN, 1997), enaltecendo discursos ideológicos, promovendo mudanças políticas e reformulando as concepções de soberania nacional.

2.3 Mundialização e regulação: o papel da certificação na produção de