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2 CRÍTICA À CORRENTE QUE IDENTIFICA CIÊNCIA DO DIREITO E

4.2 A regulamentação do lobby no Québec

4.2.7 O Comissário de Lobby

De acordo com o art. 33 da Lei, o Comissário de Lobby é “encarregado da vigilância e do controle das atividades de lobby exercidas junto aos titulares de cargos públicos”. Ele é nomeado pela Assembleia nacional do Québec para um mandato de cinco anos e responde diretamente a ela. Tanto a Lei quanto o Código de deontologia balizam sua atuação, no sentido de garantir a efetividade e a eficácia de suas prescrições.

Deste modo, o Comissário monitora a atuação dos lobistas e dos titulares de cargos públicos. Para se certificar do cumprimento e a aplicação das disposições da Lei e do Código de deontologia, ele tem poderes de inspecionar os locais de trabalho e requisitar informações e documentos dessas personagens, ou ainda pode designar outrem para realizar essas tarefas (art. 39 e seguintes). Uma vez identificada uma violação a uma disposição da Lei ou do Código, o relatório do inquérito deverá ser encaminhado pelo Comissário à autoridade competente para o ajuizamento da ação penal. Ao Comissário porém cabe a aplicação de sanções disciplinares, no bojo de um procedimento realizado em contraditório, que envolvem a proibição ou o cancelamento da inscrição do lobista por até um ano. Cabe apelação dessa decisão à Corte do Québec.

Há proposta de modificação da Lei para que transfira ao Comissário o poder de iniciar processos penais contra os infratores, como explica CÔTÉ (OCDE, 2009, p. 136).

Garantido a efetividade da Lei e do Código de deontologia, o Comissário de Lobby do Québec espera proporcionar o atendimento de seus objetivos de transparência das relações entre lobistas e agentes públicos, evidenciando os fatores que concorrem para uma decisão pública; bem como conformar a conduta

desses agentes ao padrão estabelecido e aceito.

Para desempenhar essas funções, o Comissário de Lobby do Québec se vale de uma organização que conta aproximadamente com uma equipe de trinta pessoas, estruturadas da seguinte maneira:

Figura 9 – Organograma do Comissariado de lobby do Québec

O Comissário é competente para emitir avisos interpretativos para reforçar a precisão da Lei, completando seu sentido, ou do Código de deontologia, nos casos dúbios que se refiram à sua execução, interpretação ou aplicação (art. 52); igualmente, no âmbito de sua competência, pode fazê-lo o Conservador do Registro de Lobistas (art. 22). Essa possibilidade, realça HOUILLON (2012, p. 400), é algo “único no Canadá”.

Cientes de que a força vinculante da Lei depende mais da adesão das partes envolvidas do que no emprego de mecanismos de coação e sanção, haja vista que a mudança de comportamento visada pressupõe uma transformação

cultural nas relações entre lobistas e agentes públicos (OCDE, 2009, p. 135), tanto

o antigo Comissário, André CÔTÉ, quanto o atual, François Casgrain, desenvolveram planos estratégicos de atuação com foco na comunicação essas personagens, com ampla divulgação de informações a respeito da Lei e do Código de deontologia, dos objetivos visados e dos meios escolhidos para sua realização, dos sucessos dessa legislação e do que é necessário melhorar, do papel de cada um (lobistas, titulares de cargos públicos, cidadãos e Comissário), no sentido de sensibilizar a todos para que assumam sua responsabilidade. Essa função educativa

não está expressa na Lei62, porém sem ela certamente esse diploma legal será letra morta. Assim, tanto a diretoria de comunicações quanto a diretoria de assuntos jurídicos se empenham em esclarecer aos interessados pontos obscuros na legislação, a fim de incentivar sua adesão voluntária.

O website do Comissário de Lobby conta com diversas ferramentas de decodificação das normas pertinentes à prática dessa atividade. Na página inicial há um link que leva a uma “FAQ”, (foire aux questions, em francês, ou frequently asked

questions, em inglês) isto é, uma seção destinada a responder as perguntas mais

comuns dirigidas ao Comissário. Também se encontram ali links para a Lei e para o Código de deontologia, avisos do Comissário de lobby, explicações sobre a organização do Comissário, seus comunicados, para todos os documentos institucionais, relatórios e memorandos produzidos pelo Comissário, e, por fim, um

link no qual o cidadão tem acesso às informações do Comissário, com fulcro na Lei sobre o acesso aos documentos dos órgãos públicos e sobre a proteção das informações pessoais63, ou fica sabendo como solicitá-la, caso não esteja disponível

on line.

Há guias contendo informações direcionadas a lobistas, titulares de cargos públicos e cidadãos.

No menu destinado aos lobistas, o conteúdo disponibilizado tem por fim lhes esclarecer em que medida suas atividades estão enquadradas pela Lei, e deste modo lhes informar sobre suas obrigações legais, a importância de observar a legislação pertinente e alertá-los sobre as consequências de infringi-la. Se o indivíduo pretende prestar um serviço para um cliente, uma empresa ou organização privada e está em dúvida se sua conduta será enquadrada na Lei, pode se submeter ao teste Lobbyisme... ou non? a fim de dirimi-la.

Na opção “titulares de cargos públicos” a tônica é reforçar o papel da Lei no que concerne à manutenção da confiança dos cidadãos nos agentes públicos e nas suas decisões, visto que tomadas em nome do conjunto dos cidadãos. Também há pequenos textos que visam informar o agente público se ele está sujeito à prática do lobby nos termos da Lei, como reconhecer a atividade de lobby, quais são suas !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

62

O reconhecimento formal dessa função educativa do Comissário de Lobby também já foi sugerido. (OCDE, 2009, p. 136.)

63

Loi sur l'accès aux documents des organismes publics et sur la protection des renseignements

responsabilidades caso aceite ser contatado por um lobista, bem como suas obrigações no período imediatamente após o término do exercício do cargo público, caso deseje se tornar um lobista. Há ainda informações gerais sobre a Lei, o que é

lobby e quais são as obrigações dos lobistas, para que os agentes públicos possam

exigir que a cumpram.

Na aba “cidadãos”, além dessas informações básicas sobre a lei e as obrigações das partes envolvidas, há textos dedicados à conscientização do público em geral sobre a prática do lobby e seu papel na democracia, à importância do cidadão tomar sua parte no debate político se valendo das informações disponibilizadas pelo registro de lobistas para contraditar o que julgar necessário e fazer valer seu ponto de vista, e sobre a possibilidade e o caminho para denunciar um lobista que não respeita a Lei.

Fica nítido, portanto, que o Comissário de Lobby no Québec é uma liderança fundamental para garantir a eficácia da Lei, e sua atuação é respaldada por uma legislação clara, concisa e coerente, com objetivos precisos. A despeito das mudanças necessárias, CÔTÉ avalia que, em geral, a regulamentação do lobby no Québec é positiva (OCDE, 2009, p. 135). Segundo ele, as atividades de lobby desenvolvidas na província caminham na direção correta, ainda que haja muito trabalho por fazer. Sua preocupação maior é com a prática em nível local, onde há menos conscientização.

A atuação do Comissário de Lobby do Québec vai ao encontro dos itens 4 e 5 das recomendações da OCDE para uma regulação efetiva em matéria de lobby, neste trabalho abordadas no tópico 3.5, haja vista que ele incorpora uma liderança que atua em duas frentes (educação e monitoramento) para garantir a obediência voluntária à Lei ou sua execução forçada.