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O CONFRONTO E A CONTEMPLAÇÃO EM LA VOCE DELLA LUNA

No documento O CIRCO ELETRÔNICO EM FELLINI (páginas 147-165)

O romance de Ermanno Cavazzoni, O Poema dos Lunáticos, publicado em 1987, inspirou a realização do último filme de Fellini: La Voce della Luna. A atmosfera lúdica e até mesmo nonsense do filme se forma na perspectiva onírica e fantástica das personagens. Ivo Salvini é o protagonista, sendo, inclusive, responsável por dar ao filme um tom misterioso, louco e desconexo. Embora La Voce della Luna esteja embebido de elementos estranhos e aparentemente inverossímeis, ele figura como um momento de lucidez perante o mundo moderno, explicitado no modo com que o diretor relaciona as aparentes convicções do homem atual às tradições e aos sentimentos mais profundos, confusos e inconscientes do ser.

O filme aborda temáticas que já foram elucidadas por Fellini, como: a influência da cultura norte-americana, a modernidade e a presença massiva da TV na sociedade italiana. A surpresa fica por conta da ousadia do diretor que, nesse filme, enfatiza as tradições, os medos, os desejos, e os fascínios - temas já tratados em I Clowns - de maneira mais contundente, numa ótica mais fantástica, pessimista, irônica e polêmica. Tudo isso sem abandonar o universo lúdico que é intensificado pela presença de personagens enlouquecidas que pairam pelas ruas e penumbras das cenas.

Em Intervista, por exemplo, essas temáticas tomaram um tom mais cômico, numa atmosfera de alegria; já em La Voce della Luna, a problemática está mais associada à perda da poética e da aura da arte (BENJAMIN in LIMA:2000). A loucura surge como uma forma possível para as personagens lidarem com o descompasso entre os sonhos, a fantasia e a modernidade.

O filme se inicia com um tom misterioso. Na abertura, os créditos aparecem com um fundo sonoro que mistura vozes do além, sinos de igreja, pancadas fortes, pessoas falando e cantos de pássaros. Na seqüência, pode-se ouvir uma voz dizendo: “Salvini, Salvini, Salvini ....” Terminam os créditos, a imagem de um poço surge em meio à neblina e lá está Salvini, como em um quadro surreal que emerge diante da tela. A atmosfera de sonho e fantasia mostra as divagações do

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protagonista.

As cenas inicias do filme acontecem sempre numa perspectiva onírica e noturna. Posteriormente, quando o dia amanhece aos sons dos sinos da igreja, a cidade é vista na movimentação contínua de ônibus, vendedores ambulantes e escavadeiras que trabalham nas reformas de alguns pontos da cidade. No centro, o caos urbano é instaurado com vários acontecimentos simultâneos: turistas japoneses fotografam os monumentos históricos e um suposto ex-enfermeiro do manicômio vende roupas num toldo de uma van. As estátuas das Madonas são colocadas em um caminhão para o padre levá-las a outros pontos da cidade.

[...] Algumas Virgens permanecem cobertas quase o ano todo, algumas esculturas de catedrais góticas são invisíveis quando contempladas de baixo. À medida que as obras de arte se emancipam de seu uso ritual, tornam-se mais numerosas as ocasiões de serem expostas. Um busto pode ser enviado daqui para lá; por isso, ele pode ser mais exposto do que uma estátua de deus, que tem seu lugar marcado no interior de um templo. O quadro pode ser exposto muito mais do que o mosaico ou o afresco que lhe precedem. E, ainda que a missa talvez pudesse ser tão exposta quanto a sinfonia, esta, entretanto, surgiu numa época em que se podia prever que seria mais capaz de ser exposta do que a missa. (BENJAMIN in LIMA, 2000:231).

A religiosidade inserida no contexto urbano é o ponto de conflito tratado nessas cenas das Madonas. Em primeiro plano, os turistas japoneses fotografam compulsivamente a arquitetura da cidade; no plano de fundo, várias estátuas das Virgens são colocadas em um caminhão. Nesse momento, o padre e um advogado, que por ali passa, estabelecem uma discussão a respeito da fé.

De forma irônica, o advogado duvida das aparições das Santas e, ao observar as estátuas das Virgens, juntas e iguais, no interior do caminhão, diz: “Esse não é um claro exemplo de que essas Virgens podem ser consideradas uma raça. Minha tese não agradaria a Don Antonio (se referindo ao padre)”. Don Antonio responde: “Um advogado tão sério como o senhor encontra divertimento falando essas blasfêmias!” O advogado responde: “Não é uma teoria blasfêmica ou sacrílega; eu não disse “um povo” e sim, “uma raça”. Continua a questionar o padre: “Elas

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preferem os pastores e pastoras, só aparecerem para os analfabetos e nunca para pessoas intelectuais como eu, por exemplo, que lhes poderia fazer perguntas sérias.”

O conflito se instaura entre a lógica do advogado e a religiosidade do padre, completando-se com as cenas subseqüentes de uma mulher idosa que acompanha uma dessas estátuas, que é carregada por um homem, e diz: “Santa Virgem, ajude meu sobrinho a encontrar um emprego!” O confronto das crenças e das classes sociais é evidenciado nessas cenas e a ironia do advogado coloca em xeque a figura mais intocável da religião católica: a Virgem Maria. As miscigenações de costumes, crenças e valores anunciam a modernidade que se precipita. A estátua da Madona não é mais uma escultura, uma obra de arte, é apenas uma reprodução que denuncia a época da reprodutibilidade da arte, na qual a aura artística se degrada mediante suas cópias. (BENJAMIN in LIMA, 2000).

Nas cenas da cidade, pode-se ver um aglomerado de pessoas que ficam pelas ruas aparentemente sem propósito. Nesses momentos, se estabelece o conflito entre as personagens lunáticas e as que vivem no mundo “real”, tanto nas cenas noturnas quando nas diurnas. Nesse quadro, os desejos, os medos e as tradições ora se contrapõem, ora se integram a elementos da modernidade, instituindo uma lógica conflitante.

Em várias cenas do filme pode-se presenciar essa dualidade, como por exemplo quando Gonnella, no intuito de mostrar a Salvini algo surpreendente, caminha agachado pelo campo escuro coberto pelo mato. Salvini acompanha Gonnella até avistarem um casarão abandonado, no qual pode-se ver luzes que piscam. Eles se deparam com poças d’água e se veem num reflexo deformado de uma enorme porta. Como numa aparição, uma discoteca surge com muitas luzes e pessoas dançando freneticamente ao som ensurdecedor da música The Way you Make me Feel, de Michael Jackson, hit da década de 80.

Uma pista enorme de dança, lotada com jovens entorpecidos pela música pulsante, explicita a cultura norte-americana inserida na Itália. A personagem Gonnella caminha perturbada pelo local, enquanto Salvini, sorridente, abraça os jovens com carinho e ingenuidade. Nesse instante, Gonnella resolve adentrar na

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gaiola dos DJs, pegando o microfone com rancor e chamando os jovens de bárbaros, assassinos da música e detentores dos tambores do inferno; grita, pedindo silêncio. Depois de expulso da gaiola pelos seguranças, ele caminha pela pista sozinho, murmurando e questionando-se: será que esses jovens nunca ouviram um som de violino? e continua dizendo; “Bailar é um vôo”, e com lágrimas nos olhos completa: “Bailar é como viver a harmonia das estrelas numa declaração de amor, um hino à vida”. Nessas cenas é evidenciada a dor da personagem que se vê diante de um mundo do qual não consegue se inserir.

Na cena seguinte, surge a amada de Gonnella e, em meio ao tumulto de jovens, vai se abrindo um grande círculo num silêncio profundo. Um enorme espaço aparece na pista de dança. Ele sorri e pede a mão de sua companheira para bailar; começam a dançar embalados por Danúbio Azul. A valsa de Strauss e a dança da dupla não se efetivam como elementos geradores de choque ou de estranhamento pelos os jovens; pelo contrário, configura-se como um momento de contemplação. Essa cena demonstra que, apesar dos jovens não se rebelarem contra a música erudita, também não parecem aptos a abrirem seus universos culturais a outros estilos musicais.

Uma câmera circula pelos rostos dos rapazes e das moças que mascam chicles com indiferença. Esse passeio mostra as vestimentas e os acessórios utilizados por eles na década de 80, contemporânea ao filme. Sem nenhum aparente conflito, eles batem palmas para o casal de bailarinos; o antigo e o novo convivem na mesmo lugar. Ao final, a música dançante de Michael Jackson volta, encerrando a cena. Fica e prevalece nos jovens a cultura norte - americanizada, própria da modernidade na Itália.

Em contraposição a essas cenas, tem-se outras que retomam as tradições e a poesia, como no flashback do casamento de Nestore; a noiva entrega lembrancinhas a cada um dos convidados, agradecendo-lhes pessoalmente a presença. As músicas da festa do casamento, somadas à comilança, fortalecem o conceito de italianidade. O aspecto poético e idílico de La Voce della Luna é avivado também pela personagem lunática de Ivo Salvini, que pensa ouvir a voz da lua pelos poços perdidos, nos campos repletos de neblina. Ele também alimenta um amor

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platônico pela bela Aldina, a representação da lua, prateada, fêmea, sedutora e poética.

O protagonista vê o mundo de maneira diferente das outras pessoas, de um jeito poético e particular. Enquanto sonha com o amor, Salvini conta com a voz da lua para guiá-lo em suas aventuras. A personagem vive num mundo restrito, cheio de dúvidas, desejos e constrangimentos internos. Apartado da realidade e imerso num mundo paralelo, ele é inspirado pelo mundo real.

Nas cenas da Festa dos Nhoques, tem-se o encontro das várias personagens que se reúnem na cidade. Nessas cenas, pode-se constatar dois mundos: o “real” e o lúdico. As personagens são envolvidas num cenário híbrido, composto por elementos da modernidade, imbricados a costumes tradicionais como: chaminés que soltam fumaça, outdoors escritos em inglês e pessoas que caminham com enormes panelas na cabeça para fazerem comida. Nas mesmas cenas, convivem também jovens vestidos com roupas extravagantes e modernas, as personagens lunáticas, Salvini, Nestore, a mulher vestida de punk, Gonnella, e sua amada.

Esse universo de sonhos, de desejos internos e míticos, pode ser evidenciado na cena em que Salvini acompanha alguns jovens para espiar, pela fresta da janela, Ersilha, a tia de um deles, que se despe para a rapaziada. Ao invés de Salvini sentir-se empolgado como os outros, começa a contar a história de Juno, a esposa de Júpiter, que também tinha os peitos grandes como os daquela mulher, e relata: “Um dia, quando Juno dormia debaixo de uma árvore, Hércules começou a mamar, mamar e mamar nos peitos de Juno, até que ela acordou e seu leite derramou por todo o céu, formando-se assim a Via Láctea”. Pode-se constatar como a ingenuidade de Salvini se contrapõe à malícia dos outros jovens e, conseqüentemente, como o mundo fantástico e mítico se difere do mundo “real”, apesar de ser inspirado nele.

Em outras cenas também se evidencia a pureza das personagens lunáticas em conflito com o mundo moderno, como as do professor de oboé, uma personagem enlouquecida que mora em um cemitério. O músico se viu obrigado a enterrar seu instrumento no quintal para se livrar de um mal que o acometia todas as vezes que ele tocava um conjunto de notas: os móveis se movimentavam e as entidades

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comilonas eram atraídas para a sua cozinha. Apesar de o professor ter obtido o primeiro prêmio do Conservatório no qual lecionava, não pôde mais acreditar na sua arte. Porém, mesmo enterrado, o oboé continuava a tocar e, por esse motivo, o professor se viu obrigado a dormir em um cemitério, para se livrar da sua vocação e de seu amor à música. O medo de lidar com a realidade vigente fez com que o músico apelasse para a loucura. No cemitério, um repórter da TV insiste com o músico para que ele relate os fatos, explicitando seus sinais de insanidade e transformando os incidentes lamentáveis em interessante matéria jornalística.

Essa metáfora da desilusão do músico se articula com as cenas da discoteca, construindo um sentido comparativo no qual a música erudita se esfacela perante a concepção moderna da arte mercadológica; fato já evidenciado em Prova d’Orchestra. Em La Voce Della Luna, a loucura aparece como meio de driblar a dor do músico.

A televisão acompanha todas as cenas, desde a festa até o final do filme. Nos preparativos para o concurso de comilões, os repórteres da TV entrevistam políticos a respeito da festa e da importância da tradição que sobreviveu mais de127 anos. O repórter pergunta como eles, os políticos, encaram os protestos dos trabalhadores dos moinhos de farinha e completa perguntando se eles podiam esperar alguma inovação na festa daquele ano. As perguntas não são respondidas e os repórteres continuam fazendo a cobertura da festa. A televisão tenta dar conta da profusão de elementos e, perdida em meio a tudo, não se dispõe a responder nem às próprias perguntas elaboradas por ela. A festa tradicional é usada pelos políticos como forma de enaltecê-los, perdendo seu propósito principal de conservar os costumes e crenças locais.

Nessa confluência de eventos evidencia-se o mundo de Ivo Salvini e de todas as outras personagens que vivem em um universo paralelo. Durante o percurso de sua caminhada, Ivo encontra-as espalhadas no dia ou na noite da cidade, sempre inseridas na sociedade e ao mesmo tempo alienadas: o professor de oboé, o senhor Gonnella, Nestore, o ex-enfermeiro do manicômio, a mulher vestida de roupas pretas e cabelos curtos, Terzio e o homem do buraco (irmão de Terzio).

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Salvini, então, percebe uma semelhança entre o mundo dessas personagens que vivem à margem da sociedade e o homem moderno que, muitas vezes, luta por sobreviver num mundo que o agride. Todas elas revelam a crise de identidade sofrida por esse novo homem quando o mesmo não se adéqua ao mundo social, de forma a explicitar a incongruência do sonho, do lúdico e da poesia com o cotidiano. O pensamento de algumas dessas personagens se refere à lua, pois acreditam ser ela a culpada de haver poesia, música, amor e, conseqüentemente, a loucura. A personagem Terzio acredita que, se aprisionar a lua, esses sentimentos humanos deixarão de existir, pois, no mundo atual, não há lugar para os sentimentos provocados por ela.

Em uma das cenas, Salvini enfim atende o chamado do poço. Muitas pessoas o rodeiam enquanto ele está imerso em suas divagações. Aparece Terzio, que saúda Salvini com alegria e amizade e convence-o a sair dali. As pessoas que moram nas imediações estão lá para compartilhar com Salvini esse momento de declaração de suas aflições. Suas palavras são um grito de dor perante seus temores; no discurso emocionado, diz que seguiu o pedido do poço e, entrando nele, sentiu que poderia libertar-se da agonia de ignorar o seu chamado. No entanto, o sentimento de dor, desolação e obscuridade prevaleceu na visão de um mundo injusto e cheio de ofensas. Como exemplo, Salvini cita a dor de Aldina, linda, bela, além de uma pessoa ingênua que foi pega pelo mal. Acredita que Aldina está envolvida demais com o mundo “real” e conseqüentemente deixa para trás os sentimentos mais puros.

O mal do qual Salvini se refere está relacionado à sua amada ter sido capturada pelo mundo “real”, aquele com o qual sente-se distante e incomodado. A bela Aldina, não pode mais compartilhar com Salvini seus sentimentos, pois ela agora faz parte de um outro mundo. Surge aqui um conflito de propósitos entre o mundo de Aldina e o de Salvini.

Há uma cena que Salvini está na casa de sua Irmã, à noite, no quarto; senta-se na cama e, ao lado um boneco do Pinóquio, em pé, faz referência a sua ingenuidade de menino. Nesse momento ele começa a ouvir ruídos e, abrindo a porta, vê um

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quarto grande e abandonado. Nestore está sentado na janela e conta para Salvini o grande acontecimento: o aprisionamento da lua.

A essa altura, na cidade, programou-se um grande evento com o intuito de arregimentar as autoridades e reverenciar a nova emissora de TV. Nestas cenas, descritas a seguir, o conflito se instaura quando o mundo ingênuo e dos sonhos entra em contato com o universo “real” da cidade.

Muitas pessoas correm em direção ao centro para presenciarem esse momento inesquecível. As câmeras de TV cobrem os acontecimentos da praça principal da vila, e o repórter anuncia, diante das câmeras, o imprevisto acontecimento com firmeza e autoridade. Ao lado da igreja, totalmente iluminada, foram armadas duas grandes telas que transmitem para todos da cidade, ao vivo, as imagens da reunião das autoridades a respeito do aprisionamento da lua. Algumas das autoridades mais importantes do país estão presentes: o governo, representado por um ministro; a igreja, na figura do Monsenhor Degli Esposti, e a mídia, representada pelos donos da grande emissora de TV.

O jornalista anuncia o grande furo de reportagem: Terzio e seu irmão (os irmãos Micheluggi) aprisionaram a lua. Fica explícita a intenção de tal ação, ao prenderem a lua, os irmãos poderão se libertarem de seus sentimentos mais puros; motivo de sofrimento para ambos e também para as personagens lunáticas. Pegos, eles confessam o fato absurdo, justificam dizendo que a lua sempre os vigiava. Terzio explica a facilidade que teve para agarrá-la, dizendo: “Como toda mulher, ela só queria ser conquistada, foi necessário apenas mandar-lhe beijos e ela se derreteu e caiu na grua”.

Os jornalistas tiram fotos em meio ao tumulto. Um homem questiona o Monsenhor na tentativa de entender o motivo pelo qual a lua veio à terra, o religioso responde que a lua nada teria para fazer nesse mundo. Sua resposta segura, fria e tranqüila é um ponto de estranhamento dessas cenas. Sem se preocuparem com o fatídico acontecimento, tanto os religiosos, os políticos, como o dono da emissora, só querem mesmo aparecerem na TV, assim, desta forma, o evento se torna fake. Pensando-se na relação existente entre os filmes de Fellini de finais da década de 80 (em ordem de produção, Ginger e Fred, Intervista e La Voce Della

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Luna), percebe-se que, apesar de terem sido realizados para o cinema, dialogam com questões relacionadas à inserção da TV como meio de comunicação de massa. A publicidade também é um ponto a se considerar pois ela é a forma utilizada pela orientação mercadológica capitalista para adquirir ganho. Fellini acena com esse tema, mostrando as relações de poder inerentes a esse contexto comunicacional. Os magnatas da televisão em geral têm o monopólio da mídia televisiva, resolvendo entre si, o que deve ou não passar na programação e de que maneira devem conduzir as abordagens dos fatos.

A história da televisão mostra que, desde sua utilização nos regimes nazistas e fascistas, ela sempre foi usada como máquina de condução das idéias. Foi manipulada por esses regimes, desde a década de 1930, como forma de propaganda política e persuasão, servindo inclusive para desarticular o povo. O espetáculo eletrônico, em rede internacional e espalhado por todo o Lácio, como foi dito ao final de Ginger e Fred, é o indício do processo de globalização.

Se em Ginger e Fred os espetáculos populares foram agregados aos programas, evidenciando a necessidade de a televisão reformulá-los para “caber” no formato dessa mídia, em Intervista se vê a facilidade de se produzir TV com câmeras mais simples, luzes mais fáceis de conduzir e propósitos mais superficiais. O espetáculo das décadas de 1940, mostrados nas cenas de flashback do filme Roma, por exemplo, destoam dos espetáculos televisivos presenciados em Ginger e Fred. Em La Dolce Vita, as reportagens sensacionalistas, realizadas por Marcello, retratam também a estética da reportagem jornalística; nestes, muitas vezes, o ambiente bizarro é forjado na utilização de pessoas, que muitas vezes não têm consciência de sua exposição, para construir um espetáculo de aberrações, evidenciando as mazelas do povo. Esses componentes “reais” do cotidiano são aproveitados por alguns programas e reportagens jornalísticas, expondo inclusive, a inocência das pessoas comuns (não artistas ) perante a hegemonia da TV.

Portanto, a concepção de espetáculo das décadas de 40, 50 e 60 não possui a mesma abordagem que se configurou a partir do advento da TV como meio de comunicação de massa. Os loucos de La Voce della Luna vivem num mundo paralelo, sem os mesmos propósitos consumistas do restante da população. Os

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artistas do teatro de variedades ou mambembe tinham consciência de seu estado de

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